Lost Soul Aside perdeu o timing e ficou datado? Após quase uma década em desenvolvimento, o ambicioso projeto indie parece finalmente pronto para chegar às mãos do público. Mas, depois de tanto tempo, será que ainda é relevante?
Voltando em 2015, o mundo dos videogames passava por uma transformação profunda. A Unreal Engine 4 havia sido disponibilizada gratuitamente pela Epic Games, democratizando o acesso ao desenvolvimento de jogos com gráficos que, até então, pareciam inalcançáveis para qualquer um fora da indústria de jogos AAA.
Talvez muitos de vocês se lembrem de como esse foi período de inicio da era dos tutoriais no YouTube, dos fóruns efervescentes, dos sonhos grandes embalados por tecnologia de ponta.
Com o Unreal Engine 4 e Unity, a carreira de game designer estava ao alcance de todos agora.
E foi mais ou menos nesse cenário que surgiu um nome improvável: Yang Bing. Sozinho, ele apareceu com algo que não parecia real. Em 30 de julho de 2016, um vídeo de 5 minutos sacudiu a bolha gamer.
Era elegante, enigmático e absolutamente insano em termos técnicos.
Naquela época, ver um jogo assim sair das mãos de uma única pessoa parecia impossível. A câmera flutuava em cortes dinâmicos.
O protagonista deslizava com espada em punho por cenários que não deviam em nada para um Final Fantasy XV.
Mas aquilo não era Square Enix. Era Yang Bing. Um artista chinês que, usando a recém-liberada Unreal Engine 4, apareceu do nada e deixou todos de queixo caído com Lost Soul Aside.
E ali nascia um fenômeno. Ou, ao menos, a promessa de um.
2016 – A era do milagre indie
Naquela época, era fácil se iludir. A Epic Games havia aberto as portas da Unreal Engine para o mundo e de graça.
Milhares de estudantes e entusiastas correram para aprender a fazer jogos. Asset Stores fervilhavam. Era possível comprar personagens prontos, cenários completos e até animações sofisticadas.
Mas quem já tentou montar algo com esses pacotes sabe: o resultado costuma ser uma colcha de retalhos genérica.
Visualmente desconexos, esses jogos ficavam presos na estética do improviso. Só que Lost Soul Aside não era isso. O jogo parecia ter direção de arte, ritmo, alma.
E o que mais impressionava: tudo havia sido feito por uma única pessoa.
O vídeo viralizou. Youtubers reagiam boquiabertos. Fóruns discutiam se era real. E ali, naquele instante, nasceu a expectativa: o “jogo solo que parecia um AAA”. Um feito técnico que quase transcendia o mercado de jogos indie.
A Sony entra em cena
Em 2017 o hype foi tanto que a Sony bateu à porta. Yang Bing foi incorporado ao China Hero Project, iniciativa criada para apoiar projetos promissores desenvolvidos por estúdios chineses.
A promessa agora era de algo ainda maior: Lost Soul Aside deixaria de ser um feito solitário e se tornaria uma produção real, com equipe, orçamento e… prazos.
Só que não vieram prazos. Nem muitas atualizações. E, lentamente, o projeto virou mito.
Nos anos seguintes, Lost Soul Aside sumia e voltava como um cometa tímido. Um trailer aqui, um clipe de gameplay ali. A cada nova aparição, a comunidade ressuscitava o hype. Mas o jogo nunca vinha acompanhado de datas concretas. Nem de detalhes sobre escopo, duração ou plataformas.
Enquanto isso, o mundo seguia girando. Devil May Cry 5 foi lançado. Final Fantasy VII Remake chegou. Astral Chain, Bayonetta 3, Nier Replicant, Wo Long, Wukong… A lista crescia.
Os concorrentes chegavam. E a proposta de Lost Soul Aside parecia cada vez mais ultrapassada. Como um talento brilhante que nunca entregava nada.
2022 – Agora vai??
Aos poucos, o estúdio Ultizero Games tomava forma. Agora com uma equipe de aproximadamente 30 pessoas, Lost Soul Aside passou a ganhar corpo como um “indie inchado”, ou um “AA estilizado com ambições de AAA”.
O suporte da Sony permitiu refinar o visual e garantir estabilidade, mas também tirou um pouco daquele charme do projeto: ele já não era mais o jogo feito por uma única pessoa.
A percepção pública começou a mudar.
O que antes gerava admiração pela genialidade, agora gerava dúvida: será que ainda era o mesmo jogo?
Será que o tempo não havia passado demais? Em outras palavras: será que Lost Soul Aside estava se tornando um jogo obsoleto que ninguém queria mais jogar?
O hype cede lugar ao ceticismo e em 2023, a Sony finalmente assumiu a publicação global do jogo. Um novo trailer foi lançado.
Agora estava claro que o jogo existia, era real, e estava quase pronto. Os visuais estavam atualizados ainda impressionavam, o combate parecia fluido, o design de personagens permanecia fiel à proposta original.
Mas algo havia mudado.
O que antes era original, agora parecia mais do mesmo.
Veja bem, o mercado avançou, a Unreal Engine 5 chegou, o PS5 se estabeleceu. E Lost Soul Aside, apesar de bonito, ainda é fruto da Unreal Engine 4 e com DNA gráfico da 8ª geração. Um jogo moderno, mas ancorado em uma geração que já se despediu.
O impacto visual agora já não é impressionante. E o gameplay, ainda que promissor, enfrenta comparações inevitáveis com jogos que o precederam e o superaram como Devil May Cry 5.
Às vésperas do lançamento… e do julgamento final
Agora, com lançamento marcado para 29 de agosto de 2025, Lost Soul Aside não é mais uma promessa, é só mais um na fila do pão. E isso muda tudo.
Agora ele chega como um jogo AA, mas com preço de R$ 339,90 na PSN Brasil e R$ R$ 299,90 na Steam, valor de blockbuster em um país que respira promoção.
E isso gerou desconforto. Afinal, se o jogo já não impressiona tanto, se não traz inovação real, e se tem cheiro de “jogo datado”, qual é o argumento para custar como um título de ponta?
As expectativas estão mornas. A comunidade parece dividida entre quem ainda acredita – por lealdade, esperança ou nostalgia – e quem já vê o lançamento como um final melancólico para uma história que começou épica.
O que Lost Soul Aside precisaria ser agora?
De acordo com o que foi mostrado até agora, ele já não pode ser o jogo que mudaria tudo. Esse tempo passou. Para não flopar miseravelmente ele precisaria ao menos ser:
- Uma homenagem a algum ícone do cinema ou da história dos videogames.
- Um jogo com personagens e história realmente marcantes.
- Um projeto autoral ao nível de Death Stranding/Hideo Kojima ou Suda51.
- Apresentar um novo conceito de mecânica de gameplay.
- Fazer uso extraordinário do PS5 e do DualSense.
Porque hoje, mais do que antes, os jogadores não compram promessas – compram experiências memoráveis. E experiências que chegam tarde demais precisam, ao menos, justificar sua demora com algo que redefina o significado de que é possível nos jogos.
O tempo é o maior vilão de Lost Soul Aside
O mesmo tempo que deu notoriedade ao projeto foi o que o expôs ao risco de flop. Durante quase dez anos, Lost Soul Aside foi julgado em câmera lenta – trailer por trailer, frame por frame.
Ele resistiu a crises, modismos, chegada da 9ª geração, pandemias e mudanças de mercado. O projeto sobreviveu… Mas a que custo?
Hoje, ele é um jogo novo com cheirinho de velho. Não por falta de qualidade, mas porque o mundo mudou. E o que antes parecia inédito, agora precisa competir com uma biblioteca inteira de títulos similares. Alguns melhores, outros apenas mais colossais.
E talvez essa seja sua última grande lição:
Ninguém constrói nada realmente grande sozinho e não basta ter talento, nem acesso a motor gráfico, nem boas ideias.
É preciso ter timing.