Como Hideo Kojima parece “prever o futuro” em seus games?

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Hideo Kojima prever o futuro virou um meme porque, vez ou outra, a vida real parece copiar o roteiro dele. Você joga Metal Gear Solid 2 e sente que alguém abriu o Twitter antes de existir Twitter. Depois, você zera Death Stranding e, meses depois, o mundo descobre o peso do isolamento. O resultado parece místico, quase profético. No entanto, esse “dom” nasce menos de magia e mais de método.

Kojima parece observar os sinais mais sutis que muita gente deixa passar batido. Em seguida, ele empacota esses sinais como drama, mecânicas jogáveis e metáforas. Como ele escreve para o futuro, seus jogos geralmente envelhecem como vinho.

Por outro lado, nós lembramos mais das coincidências que acertaram. Já percebeu como a internet sempre resgata cenas e frases, e transforma análise em mito. Assim, a reputação cresce como uma lenda urbana com notas de rodapé.

Mas, vamos tirar o Kojima do altar um pouco e desvendar esse mito. Afinal, prever o futuro não exige poderes. Exige repertório, pesquisa e coragem para exagerar o presente. E, sim, também exige um público disposto a acreditar.

A internet antes da internet

Hideo Kojima - Metal Gear Solid 2
Metal Gear Solid 2

Em 2001, Metal Gear Solid 2 já tratava o digital como campo de batalha. E o jogo não se limita a falar de inteligência artificial. Em vez disso, ele aponta para o excesso de dados, para a filtragem de conteúdo e para a guerra de narrativas.

Além disso, ele coloca você no papel de alguém guiado por narrativas prontas. A sensação desconfortável vem daí. O discurso final funciona porque não descreve um aplicativo específico. Pelo contrário, ele descreve um comportamento.

Por exemplo, quando você tem informação demais, você terceiriza filtros. Então, alguém escolhe o que entra, o que some e o que “parece verdade”. Hoje, chamamos isso de “algoritmo”, bolha, propaganda patrocinada e desinformação. Então, o jogo não prevê uma tecnologia. Ele antecipa um hábito social.

Hideo Kojima também entende ritmo cultural. Ele percebeu que o mundo migrava do analógico para o digital e que a memória coletiva mudaria de forma. Assim, uma mentira poderia ficar eterna, enquanto uma verdade ficaria soterrada por ruído.

Ao dramatizar isso dentro de uma conspiração, ele criou uma aula que se disfarça de jogo.

Mesmo assim, o público faz um atalho mental. Se a previsão “bateu”, então o autor “viu o futuro”. Certo?

Só que o autor, na prática, leu o presente com mais atenção. Hideo Kojima prever o futuro começa nesse ponto: ele enxerga tendência, depois aumenta o volume até virar história.

Isolamento social

Death Stranding
Death Stranding

Death Stranding chegou em novembro de 2019, com um mundo cheio de pessoas isolada e dependentes de conexões virtuais. Aí, poucos meses depois, a p@nd3m1a empurrou milhões para uma realidade parecida. Por isso, a internet carimbou o jogo como profecia. Entretanto, a própria estrutura do game aponta para outra explicação.

O tema central nunca foi “vírus”. Na verdade, o tema é conexão. Kojima escolheu mostrar um planeta em que as pessoas vivem em cápsulas, temem contato direto e dependem de entregas e conexão. Além disso, ele transformou logística em simbolismo. Você carrega peso, atravessa terreno hostil e, mesmo assim, cria laços. Dessa forma, o jogo fala sobre pertencimento numa era de solidão induzida.

Para quem não sabe, o Japão já discutia isolamento social, trabalho exaustivo e retração comunitária há décadas. Logo, Kojima não inventou o sentimento do nada. Ele dramatizou uma ansiedade coletiva e exportou isso em formato de videogame. Quando o mundo viveu algo parecido, nós chamamos de profecia. Porém, nós só vimos o diagnóstico tarde demais.

Vale lembrar outro detalhe: coincidência não significa aleatoriedade. Muitas crises seguem padrões. Se você estuda cadeias globais, política e tecnologia, você reconhece fragilidades. Então, você imagina como as pessoas reagiriam sob pressão. Hideo Kojima prever o futuro, nesse caso, parece magia porque a projeção dele acertou o tom emocional.

Guerras modernas via controle remoto

Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots
Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots

Metal Gear Solid 4 retrata guerras conduzidas por corporações, contratos e sistemas de controle. Na época, isso parecia coisa de louco – Futurista demais. Ainda assim, o mundo já caminhava nessa direção. Depois, veio a popularização de drones e de forças terceirizadas deixou o paralelo mais óbvio. Nesse ponto, a “previsão” soa mais sombria.

Quando a gente acompanha um pouco dos conflitos modernos, de cara vemos como tecnologia reduz o custo político de atacar. Além disso, você nota como empresas oferecem treinamento, logística e segurança armada. Assim, o Estado divide o monopólio da força com organizações privadas. O jogo pega esse fio e puxa até virar uma economia de guerra completa.

E não é só isso. Hideo Kojima também entende o marketing do medo. Ele sabe que “guerra remota” assusta porque remove a face humana do gatilho. Por isso, ele recheia o cenário com protocolos, biometria e controle operacional. Enquanto isso, o jogador sente que alguém gerencia a violência como software. Essa sensação conversa com o mundo real de hoje porque o mundo real de 2008 já caminhava nessa direção.

Aqui, a chave volta a ser repertório. Kojima pesquisou sobre tecnologia bélica, doutrina militar e geopolítica para trabalhar em MGS4. Em seguida, ele misturou isso com melodrama e iconografia pop. Como resultado, a obra fica convincente.

Mais tarde, quando os noticiários trazem informações sobre as guerras atuais, a lenda ganha combustível. Hideo Kojima prever o futuro vira um meme em foruns e redes sociais.

O método Kojima: leitura e extrapolação de tendências

Uma sopa cultural nas redes sociais de Hideo Kojima
Uma “sopa cultural” nas redes sociais de Hideo Kojima

Primeiro, Kojima trabalha com tendências de longo prazo. Redes, dados, privatização de guerra e isolamento não nasceram ontem. Além disso, esses temas escalam por décadas. Então, uma obra que mira o horizonte tem grandes chances de “acertar” alguma curva. Isso não diminui o autor. Pelo contrário, mostra precisão.

Segundo, ele usa metáfora como atalho para a realidade. Quando você joga, você não memoriza números. Você memoriza imagens. Um bunker, um drone, uma timeline manipulada. Portanto, quando algo parecido aparece no mundo, sua memória resgata. – “eu já vi isso”. A sensação é física. Por isso, o efeito parece sobrenatural.

Terceiro, nós reforçamos a narrativa de gênio. A gente lembra dos acertos e esquece dos erros. Além disso, a cultura gamer adora mitologia de autor. Assim, cada coincidência vira prova, e cada extrapolação vira “alerta”. Mesmo quando o jogo só dramatiza um debate acadêmico, a fanbase transforma em profecia.

Além disso, Hudeo Kojima escreve dentro de uma tradição antiga de futurologia literária. Autores como H. G. Wells e Arthur C. Clarke já misturavam ciência e política.

Do mesmo modo, pensadores como Henry Kissinger mapearam o tabuleiro do poder. Kojima parece beber dessa fonte e traduzir o assunto para o videogame.

Nunca foi adivinhação…

Hideo Kojima prever o futuro não parece ser um ato de clarividência. Ele só triangula os dados, história e padrões de comportamento.

Enquanto isso, muita gente ignora os sinais porque eles “cansam”. De fato, a realidade é um tema chato para a maioria das pessoas comuns. Mas, quando o mundo real parece copiar o roteiro do jogo, livro, filme ou série, o choque vira entretenimento. Ainda assim, quem estuda aprende a enxergar o amanhã dentro do hoje.

Mesmo diante da desmistificação, o próprio Kojima já afirmou ter ficado receoso. Depois da pandemia, ele disse que reescreveu a história de Death Stranding 2 do zero e que não queria “prever” mais futuros.

E se pararmos para pensar, essa fala mostra a consciência do impacto. Em outras palavras, ele percebeu que a vida real pode doer mais que a ficção.

No fim das contas, Hideo Kojima prever o futuro significa outra coisa: ele prevê como nós reagimos quando o mundo muda para pior. Ele estuda política, história e tecnologia, e transforma tudo em experiência jogável. Além disso, ele não oferece experiências rasas. Seus jogos sempre abrem perguntas. E, honestamente, isso já impressiona o bastante.

Agora, fica o desejo mais simples de todos: que os Eventos de Extinção de Death Stranding continuem só na ficção.

Compartilhe este texto com aquele amigo que vive dizendo que “Kojima é profeta”. E comenta aqui qual “previsão” do Kojima mais te impressionou – MGS2, MGS4 ou Death Stranding?

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