Divinity não foi “só mais um anúncio” no TGA 2025. O teaser entrou em cena chamando a atenção, mas não de uma forma agradável exatamente.
Primeiro, veio aquele trailer com uma violência ritualística que pareceu querer testar o estômago do público. Em seguida, chegou a promessa clássica de grandeza: a Larian Studios chamou o projeto de seu RPG mais ambicioso, até maior do que Baldur’s Gate 3.
No entanto, o barulho não parou por aí. Poucos dias depois, a discussão já tinha virado outra coisa: IA generativa, ética, medo de substituição criativa e um choque de expectativas que ainda não encontrou um ponto de equilíbrio.
Por isso, vale organizar a história como ela aconteceu, na ordem certa. Assim, a gente entende como Divinity virou um fenômeno de duas camadas: a do hype e a da desconfiança. E, principalmente, como a Larian tenta controlar a narrativa antes que ela escape do controle.
O dia em que Divinity chocou o público

O trailer de revelação de Divinity no TGA 2025 não foi “de boa”. Pelo contrário, ele apostou em imagens pesadas, clima de sacrifício, horror corporal e um tipo de fantasia sombria que parece querer grudar na retina.
Isso explica a reação imediata nas redes: muita gente elogiou a coragem, enquanto outros acusaram a Larian de buscar choque pelo choque. Ainda assim, a sensação geral foi simples e rara: “eu preciso saber o que é isso”.
A escolha diz muito. Normalmente, um estúdio que sai do sucesso massivo de Baldur’s Gate 3 tende a suavizar arestas. A Larian fez o oposto. Ela usou o palco do TGA para deixar um recado: Divinity não pretende ser uma continuação emocional de BG3. Ele quer ser um retorno, mas também um reposicionamento.
Nesse mesmo pacote, veio outra informação crucial. A Larian revelou o título como “Divinity”, sem subtítulo, sem “Original Sin 3”, sem elo aparente. Esse detalhe parece pequeno, mas carrega intenção.
Sempre que um estúdio escolhe um nome “puro”, ele costuma sinalizar duas coisas ao mesmo tempo: acessibilidade para novos jogadores e um “novo começo” para uma marca antiga.
Além disso, o anúncio também resolveu um mistério de marketing que circulava antes do evento. Vários veículos associaram a revelação a uma campanha com um objeto ou estátua sinistra, apelidada de “Hellstone”, que alimentou especulação.
Com o trailer no ar, o quebra-cabeça finalmente encaixou. E a Larian, de novo, venceu no jogo do suspense.
O que é Divinity afinal

Depois do impacto, veio o trabalho chato, porém necessário: separar fato de expectativa.
Divinity não chega como Divinity: Original Sin 3. A própria liderança do estúdio já tratou esse ponto com cuidado, porque sabe que existe uma torcida organizada por uma sequência direta. Ainda assim, a Larian decidiu ir por outro caminho, e isso abre um espaço interessante.
Primeiro, Divinity marca o retorno ao universo da franquia, com Rivellon como referência central. Ao mesmo tempo, o estúdio vende a ideia como um projeto “para todo mundo”, inclusive para quem nunca tocou em Original Sin ou não conhece a cronologia. Essa estratégia faz sentido. Afinal, depois de BG3, a Larian ganhou um público que não veio pela marca Divinity. Ele veio pela confiança.
Segundo, a Larian descreveu Divinity como seu “maior jogo até hoje”, inclusive em escala. Isso é uma frase perigosa, porque cria uma armadilha.
Veja bem, quando você promete “maior que Baldurs Gate III”, o público traduz “maior” como “melhor”, “mais profundo”, “mais reativo” e “com mais liberdade”. Só que escala também significa complexidade de produção, risco de atrasos e meses de silêncio, que costumam corroer a paciência da galera.
Terceiro, apesar de o trailer ser cinematográfico e não mostrar gameplay nenhum, uma confirmação importante apareceu em entrevistas após a revelação. O estúdio indicou que Divinity seguirá como um RPG por turnos.
Ninguém ficou realmente surpreso, porque esse DNA já virou assinatura da Larian. Mesmo assim, a confirmação importa, pois ela ajuda a acalmar um medo comum: o de que o sucesso de BG3 empurrasse o estúdio para uma pegada mais “ação mainstream” para agradar massas.
Só que, mesmo com essas respostas, Divinity ainda vive no território da promessa. E, quando o jogo mora na promessa, a internet preenche o resto. Aí começam os problemas.
O peso do sucesso anterior

Divinity parece nascer de um paradoxo. Por um lado, ele precisa ser familiar. Caso contrário, ele perde os fãs que esperam outro RPG tático com escolhas que mudam tudo. Por outro lado, ele precisa parecer algo novo, porque ninguém quer pagar por um “BG3 com outra skin”. Essa tensão aparece até na forma como os grandes influencers discutem o trailer.
Muitos leitores e jogadores já usam BG3 como régua, mesmo sem terem visto um segundo de gameplay de Divinity. Isso cria um tipo de cobrança que nem sempre é justa. Ao mesmo tempo, a Larian sabe que alimentou essa expectativa, porque ela mesma colocou a palavra “maior” na mesa. Portanto, ela não pode reclamar do hype descomunal.
Aqui entra o fator que deixa a coisa mais interessante: Divinity não enfrenta só a comparação com BG3. Ele enfrenta a comparação com o imaginário que BG3 criou. Aquele imaginário inclui reatividade absurda, personagens com presença, produção cinematográfica, dublagem marcante e um mundo que parece responder ao toque do jogador.
Se Divinity entregar “só” um RPG excelente, ele ainda pode apanhar por não ser um milagre repetido.
Além disso, existe um outro ruído. Parte do público teme que a Larian foque demais em cooperativo, porque Original Sin construiu muito dessa identidade. Só que, até agora, o estúdio não tratou isso como “o” centro. Ele indica coop como possibilidade, e não como obrigação.
Mesmo assim, enquanto o jogo não mostra como pretende equilibrar jornada solo e caos em grupo, o debate continua aberto.
E então, no meio desse cenário, a pauta mudou de trilha. O assunto deixou de ser “como é o jogo” e virou “como eles fazem o jogo”. É aqui que Divinity entrou no campo minado das polêmicas.
Polêmica do uso de IA generativa

Nos dias seguintes ao anúncio, a Larian se viu no centro de uma controvérsia que cresce em toda a indústria: o uso de IA generativa. O estopim veio de entrevistas e repercussões que sugeriram adoção de ferramentas de IA no processo de desenvolvimento. Em pouco tempo, a conversa escorregou para o pior cenário possível na cabeça do público: substituição de artistas, roteiristas e dubladores.
A resposta do CEO Swen Vincke veio com um tom direto. Ele afirmou que a Larian não pretende “enxugar equipes para substituir por IA”. Além disso, ele reforçou que o estúdio não planeja lançar Divinity com “componentes de IA” no jogo final. Em outras palavras, a Larian fala em usar IA como ferramenta de prototipagem e apoio interno, não como fábrica de conteúdo definitivo.
Não adianta explicar
As vezes controvérsia não se resolve só com esclarecimento técnico. Ela tem um lado emocional, e esse lado domina a internet. Muita gente não discute “como” a Larian usa IA. Na prática, discutem “o que isso representa”. Afinal, o mercado já mostrou exemplos de empresas usando IA para cortar custos, reduzir contratos e precarizar funções criativas.
Então, mesmo que a Larian prometa limites, parte do público ainda reage com desconfiança automática.
Além disso, existe uma questão de comunicação. Quando um estúdio fala de IA de forma vaga, ele abre espaço para interpretações ruins. E, quando o assunto já vem carregado de desconfiança, qualquer frase vira gasolina. Nesse ponto, a Larian parece ter sido atropelada pelo contexto da indústria, não apenas por uma decisão interna.
Ainda assim, vale registrar que a discussão expôs uma fratura curiosa. O mesmo público que celebra a Larian Studios como referência de “RPG artesanal” também exige que ela seja “imune” às ferramentas modernas. Isso cria uma cobrança quase mítica. Só que estúdios não funcionam como lendas. Eles funcionam como fábricas criativas, com projetos, prazos e limitações orçamentárias.
Por enquanto, a Larian tenta se manter numa linha específica: proteger o trabalho humano, usar tecnologia como apoio e evitar IA no conteúdo final. Mesmo assim, até o jogo mostrar sua cara de verdade, a polêmica continuará rondando. E ela ronda por um motivo simples: Divinity virou símbolo antes de virar produto.
Sem mais detalhes depois do estouro

Depois do trailer e da turbulência, Divinity entrou naquele período clássico de “sem gameplay, sem data, sem plataforma confirmada com detalhes”. Isso também alimenta a ansiedade. Quando o estúdio demora para mostrar o jogo, o debate preenche o vazio com “reacts” e teorias mirabolantes. E, nesse cenário de achismo, qualquer manchete vira “prova” de algo maior.
Ainda assim, existe um lado positivo nesse caos. Divinity já se posicionou como um jogo que quer provocar, e não apenas agradar. O trailer deixou isso claro. A Larian, por sua vez, precisa fazer agora o trabalho mais difícil: provar que o choque inicial não foi só maquiagem, e que a ambição não depende de slogans.
Se Divinity acertar, ele pode marcar um novo patamar de RPG por turnos no mainstream. Por outro lado, se ele tropeçar na comunicação, a conversa pode continuar girando em torno do “processo” em vez da “obra”. E isso seria um desperdício.
No fim, a pergunta mais honesta ainda é a mais simples: quando a gente finalmente jogar Divinity, o assunto vai ser o jogo, ou toda a polêmica que veio antes dele?













