Vince Zampella morreu aos 55 anos, e a notícia caiu como uma bomba em uma parte inteira da história dos videogames. Não foi apenas a perda de um executivo. Foi a perda de um game designer que, por décadas, ajudou a definir como o tiro em primeira pessoa evoluiria.
A confirmação da morte veio após relatos de um acidente de carro na Califórnia. Autoridades investigam as circunstâncias e, até o momento, a causa oficial não foi detalhada publicamente em comunicado corporativo.
O que já dá para afirmar é o grande impacto: assim que a notícia se espalhou, tributos começaram a surgir em cascata. E eles vieram de todos os lados, de jornalistas influentes a colegas de estúdio, além de jogadores que nem sempre concordam em nada, mas concordam nisso.
Para quem acompanha o mundo dos videogames de perto, o sentimento é simples: perder Zampella agora parece “fora de roteiro”. Principalmente porque ele ainda estava associado a projetos enormes, e também porque o seu legado não pertence a um único logo. Ele atravessa franquias de renome como Medal of Honor, Call of Duty, Titanfall, Star Wars Jedi e, mais recentemente, a engrenagem que tenta reposicionar Battlefield para o futuro.
Vince Zampella e Call of Duty

Existe um tipo raro de criador que não só participa de um sucesso, mas ajuda a ditar os novos padrões numa industria. Vince Zampella era esse tipo de profissional. Antes da Respawn Entertainment, antes de Titanfall, antes de Star Wars Jedi, ele já construía o DNA dos principais jogos de FPS de guerra.
Na virada dos anos 2000, a indústria ainda experimentava a “gramática” do gênero. O FPS de console buscava identidade, o PC ainda ditava ritmo e a Segunda Guerra Mundial dominava a tendência. Nesse periodo, Zampella se tornou um dos principais nomes por trás da equipe que daria origem a uma nova referência para jogos militares: a Infinity Ward.
O que veio depois virou história de lan house. Call of Duty não nasceu apenas como “mais um rival” no tema. Ele nasceu com um ritmo mais cinematográfico, com uma noção de espetáculo e de “missão memorável” que muita gente copiaria. Esse DNA cresceu, evoluiu e, com o tempo, virou uma máquina cultural que atravessou gerações, plataformas e mercados.
Não por acaso, quando a comunidade fala de “FPS moderno”, costuma misturar sensações. Uma parte vem de Halo. Outra vem de Battlefield. E uma fatia gigante vem do jeito que Call of Duty ensinou o mundo a consumir ação em doses curtas, intensas e repetíveis. Zampella esteve no centro dessa virada. E isso explica por que sua morte não parece apenas uma estatística triste. Ela parece um capítulo arrancado da história dos games.
Respawn Entertainment

Quando Zampella cofundou a Respawn Entertainment, ele não buscava só repetir o passado. Ele buscava provar algo. E, nesse ponto, a história fica quase poética: muita gente conhecia o “Vince do Call of Duty”. A Respawn apresentou o “Vince da reinvenção”.
Titanfall chegou como um choque de velocidade. O gênero já estava acostumado a correr, mirar e atirar. Mesmo assim, Titanfall fez o FPS parecer leve, atlético e vertical. O resultado foi um tipo de mobilidade que influenciou discussões de design por anos em outros jogos. Titanfall não era perfeito, mas era claramente ousado. E ousadia, em um mercado que ama segurança e fórmulas lucrativas, costuma custar caro.
Ainda assim, a Respawn insistiu nessa identidade. E então veio Apex Legends. De repente, um estúdio conhecido por uma franquia que muitos amavam, mas que nem sempre dominava o topo, lançou um battle royale que virou fenômeno.

Apex não só entrou no gênero como ajudou a elevar o padrão de movimentação, tiroteio e leitura de combate em equipe. Além disso, conseguiu algo raro: um jogo gratuito que, mesmo com monetização agressiva, proporciona uma “sensação de jogo” extremamente refinada.
Por isso, quando fãs de Titanfall lamentam o “abandono” da série e fãs de Apex Legends comemoram a longevidade, os dois lados estão falando da mesma coisa. Eles falam do cuidado com o núcleo, com o “feeling” do controle, com a experiência de jogo que recompensa.
Esse tipo de obsessão geralmente não nasce do nada. Ela nasce de liderança criativa. E Vince Zampella sempre foi citado como um líder que sabia montar times capazes de entregar esse tipo de polimento.
Além do mundo dos FPS

Se Titanfall e Apex consolidaram a Respawn Entertainment como potência nos jogos online competitivos, os jogos da franquia Star Wars Jedi mostraram que o estúdio poderia contar histórias em grandes singleplayers.
Veja bem, em uma franquia com fãs difíceis de agradar, com expectativas gigantes e cobranças eternas, a Respawn entregou jogos que, para muita gente, serviram como “terapia” depois de anos de projetos meia-boca no universo Star Wars.
Jedi: Fallen Order se destacou por unir combate de ação com exploração, além de uma narrativa que respeita o tom da franquia sem virar refém dela. Já Jedi: Survivor ampliou ambição, escala e sistemas. Ao mesmo tempo, também enfrentou problemas técnicos no lançamento. jogos modernos carregam complexidade real, e nem todo estúdio sai ileso disso. Mas, é impossível negar que Star Wars Jedi não seja o que os fãs sempre pediram.
Mesmo com esses tropeços, o saldo foi positivo. Star Wars Jedi ajudou a reposicionar a Respawn no imaginário popular. Ela deixou de ser “o estúdio de FPS” e passou a ser “o estúdio que dá conta de grandes jogos de campanha”.
Essa transição tem peso. Ela exige confiança corporativa e, principalmente, exige um líder que negocie visão com prazos, e criatividade com realidade. É aí que a partida de Vince Zampella talvez seja mais impactante. Ela mexe não apenas com nostalgia. Ela mexe com continuidade.
O retorno de Battlefield e o futuro do FPS

Para fãs de Battlefield 6, o nome de Vince Zampella já circulava como um sinal de “mão firme”. Em 2021, a EA anunciou que ele passaria a supervisionar a franquia Battlefield, num momento em que a série precisava recuperar confiança e direção. Esse movimento não veio por acaso. A EA buscava alguém com histórico de reconstrução e com credibilidade em FPS. E, goste-se ou não, Zampella tinha exatamente esse perfil.
Na prática, depois de anos de reinado de Call of Duty, Battlefield precisava voltar a respirar.
E, quando um estúdio tenta recuperar identidade, ele costuma procurar alguém que entenda de pilares, não apenas de detalhes. Alguém que saiba responder perguntas básicas, mas decisivas: “qual é a fantasia principal?”, “o que é inegociável?”, “o que precisa morrer para o jogo viver?”.
Agora, com essa perda inestimável, a discussão muda de tom. Ela deixa de ser apenas sobre design e marketing. Ela vira sobre sucessão. Quem segura a visão quando o nome que unificava o discurso não está mais aqui? Como a EA mantém coerência interna em um projeto gigantesco, com múltiplas equipes e pressão por resultados?
Esse tipo de dúvida não prova desastre, mas abre uma questão. A indústria já viu projetos mudarem drasticamente quando lideranças saem. E, nesse cenário, a ausência de Zampella ganha um peso estratégico, além do peso humano.
Um tipo raro de respeito coletivo
O que mais impressiona na reação imediata é o tom. Em tempos em que o debate de games costuma ser barulhento, cínico e polarizado, a morte de Vince Zampella parece que gerou uma trágua.
This is an unimaginable loss, and our hearts are with Vince’s family, his loved ones, and all those touched by his work. Vince’s influence on the video game industry was profound and far-reaching. A friend, colleague, leader and visionary creator, his work helped shape modern… https://t.co/af2C4bvsmE— Electronic Arts (@EA) December 22, 2025
Empresas e figuras públicas falaram de legado, visão e influência. Jornalistas lembraram que ele não era só “o cara do Call of Duty”, mas alguém que ajudou a formar talentos e a criar padrões de design à frente do seu tempo.
Essa comoção também expõe algo que o jogador comum nem sempre vê. A indústria vive de equipes. Mesmo assim, certas lideranças funcionam como eixo. Elas conectam criatividade com entrega, e também protegem projetos contra ruídos internos. Quando uma dessas pessoas morre, o impacto não se mede apenas em homenagens. Ele aparece em decisões que serão tomadas nos próximos meses, em prioridades que vão mudar, e em jogos que podem carregar mudanças decorrentes dessa ausência.
Ainda assim, o legado de Zampella não depende do que vai sair amanhã. Ele já estava impresso em décadas de jogos que definiram gerações. Está no jeito que a câmera treme, no ritmo de uma missão, na sensação de velocidade, na estrutura de recompensa. E está, principalmente, no fato de que milhões de pessoas descobriram um tipo de paixão por videogames através de obras ligadas a esse cara.
Hoje, o que fica é um paradoxo. O FPS moderno continua vivo, mais lucrativo do que nunca. Porém, um dos seus arquitetos principais acabou de sair de cena.
Obrigado por tudo, Vince Zampella.
















