Como a GOG Está Salvando a História dos Videogames?

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Gog Preservation Program
Gog Preservation Program

GOG = Good Old Games

“O Maior Assassino de Todos é o Tempo. Ele é implacável.” (Jack Joice – Quantum Break)

Estúdios fecham, servidores caem, direitos autorais se perdem em batalhas judiciais sem fim — e, com isso, pedaços inteiros da história dos videogames simplesmente desaparecem.

Não porque deixaram de ser relevantes, mas porque ninguém se deu ao trabalho de cuidar deles.

Jogar um clássico dos anos 90, hoje, não é mais uma questão de ter o disco ou cartucho original.

É uma corrida contra o esquecimento, travada entre softwares ultrapassados, sistemas operacionais que já não reconhecem os jogos e um mercado que muitas vezes prefere enterrar o passado do que preservá-lo.

É aí que entra a GOG — Good Old Games — mas o nome já não dá conta da missão lendária.

A GOG não é apenas uma loja digital. É um arquivista obstinado, um restaurador de artefatos digitais, um museu interativo disfarçado de plataforma de venda.

Enquanto boa parte da indústria se curva a modelos cada vez mais efêmeros, com serviços por assinatura e DRM que transforma o jogador em refém, a GOG aposta na posse real, na compatibilidade real e na memória real. E isso importa. Muito.

Porque, se videogames são arte — e são — então há um dever quase moral de preservar suas obras, seus contextos, suas influências.

Estamos falando de cultura digital em sua forma mais pura. E perder esses jogos seria como rasgar páginas de um livro raro, apagar filmes de rolos antigos, deixar pinturas mofarem em sótãos escuros.

Seria perder não apenas a jogabilidade, mas o que ela significava na época em que foi criada.

A GOG vem salvando jogos da extinção, não apenas tornando-os jogáveis, mas devolvendo a eles o lugar de direito na história dos videogames.

De ajustes técnicos complexos a negociações legais improváveis, passando por uma curadoria que beira o artesanal, vamos conhecer um pouco dos bastidores de uma missão que mistura memórias, tecnologia e paixão.

 Uma missão que, sem exagero, está ajudando a manter viva toda uma era da cultura gamer.

O Programa de Preservação de Jogos Clássicos da GOG

O nome original já entrega a proposta: Good Old Games. Mas o tempo passou, o acervo cresceu, a missão evoluiu — e hoje a GOG vai muito além de vender jogos antigos.

Ela atua como um elo perdido entre o passado e o presente da cultura gamer.

Seu Programa de Preservação não é um projeto com selo dourado ou campanhas de marketing milionárias.

É um conjunto de ações formais e contínuas, guiadas por um propósito muito nobre: impedir que clássicos caiam no esquecimento.

Na prática, a GOG garimpa títulos que desapareceram do mercado, que não são mais vendidos legalmente em nenhum lugar, que foram abandonados por seus criadores ou cujos direitos se dissolveram em empresas extintas, como a Monolith Productions, por exemplo.

E, veja bem, ela não apenas os relança — ela os restaura.

Um clássico da Monolith Productions
Um clássico da Monolith Productions resgatado pela Gog

Cada jogo passa por um processo de adaptação técnica, ajustes de compatibilidade, testes de estabilidade e, quando possível, inclui extras: trilhas sonoras, manuais digitalizados, artworks da época.

É o oposto do “instala aí e se vira pra rodar”.

Mais importante ainda: tudo isso é feito sem DRM. Ou seja, o jogador não precisa estar online, logado ou autorizado por um servidor central para jogar o que comprou.

Parece algo simples? Em tempos de serviços que podem desaparecer do nada, como a Wii Shop Channel ou a PSP Store, isso se torna quase revolucionário.

A GOG acredita que, se você pagou por um jogo, ele é seu. De verdade. Para sempre.

E vale mencionar que, por trás desse esforço, há uma curadoria ativa, quase artesanal.

Os jogos não entram no catálogo só porque são antigos — entram porque são relevantes, marcantes, injustamente esquecidos ou culturalmente representativos.

Programa de Preservação

A GOG não só preserva o jogo, mas também seu contexto. Ela resgata um pedaço da história que poderia ter se perdido para sempre.

Ao contrário de outras lojas digitais que funcionam mais como vitrines, a GOG age como restauradora. Ela não apenas distribui o jogo, mas luta para recuperá-lo.

Em alguns casos, isso significa rastrear os detentores dos direitos — que podem estar perdidos em fusões empresariais ou processos falimentares — e negociar autorizações com quem nem sabia que ainda detinha alguma coisa.

Em outros casos, significa encontrar uma comunidade de fãs que manteve o jogo vivo com patches, mods ou versões não-oficiais, e trazer esse conteúdo para a luz, com o devido reconhecimento.

O Programa de Preservação da GOG não tem grandes holofotes. Mas sem ele, boa parte da história dos videogames estaria condenada ao esquecimento — ou, pior, à pirataria como único meio de acesso.

E isso nos coloca diante de uma verdade desconfortável: preservar legalmente é muito mais difícil do que parece. Mas alguém precisa fazer. E a GOG tá fazendo.

Como a GOG Faz Jogos Antigos Rodarem em PCs Atuais?

Resgatar um jogo clássico é só metade do trampo. A outra metade — a mais ingrata, talvez — é fazer esse jogo funcionar em um PC moderno.

Com sistemas operacionais que sequer existiam na época em que o jogo foi lançado. Com placas gráficas que ignoram APIs extintas. E com processadores que simplesmente pensam rápido demais para certas engines do passado.

Essa é a parte que ninguém vê — mas onde a GOG brilha de verdade.

Recentemente vimos a trilogia original de Resident Evil voltar a venda de forma oficial e totalmente compatível com Windows moderno.

Gog - Trilogia Resident Evil

Boa parte dos jogos lançados entre os anos 80 e início dos 2000 foram construídos para rodar em condições que hoje beiram o arcaico: resoluções de 320×240, suporte limitado a DirectX 6 ou Glide, arquiteturas de 16 bits, uso intensivo de bibliotecas de som que o Windows moderno já não reconhece.

Tentar rodar esses jogos sem ajuda técnica é como tentar colocar uma fita cassete em um smartphone. Não rola…

É por isso que a GOG não simplesmente empacota o executável original e cruza os dedos. Ela desmonta, adapta, emula, recompila se necessário.

Para jogos de MS-DOS, a solução geralmente passa pelo DOSBox, um emulador leve que simula um ambiente compatível com os sistemas antigos.

Para adventures point-and-click da LucasArts, Sierra ou Revolution Software, o ScummVM entra em cena, oferecendo suporte a uma miríade de engines com compatibilidade ampliada e diversas melhorias visuais.

Em títulos mais recentes ou problemáticos, entra a engenharia reversa, o uso de wrappers personalizados, reedições do executável e ajustes de parâmetros de inicialização.

E se tudo isso parecer técnico demais, o resumo é simples: você baixa, clica, e joga.

É o famoso plug and play — só que, nos bastidores, houve uma equipe inteira da GOG costurando compatibilidades, corrigindo bugs e otimizando a experiência para que você sequer perceba que aquele jogo, originalmente, foi lançado antes do Google existir.

Em muitos casos, o trabalho envolve mais do que compatibilidade: Ajustes em arquivos .ini, correções de bugs históricos (sim, bugs que nem os estúdios safados da época resolveram), suporte a resoluções widescreen, modos de janela, correções de input, suporte a controles modernos — e tudo isso sem comprometer a fidelidade da obra original.

Um bom exemplo é Legacy of Kain: Soul Reaver. A versão original, mesmo em sua época, já era um tanto problemática no PC.

GOG - Legacy of Kain - Soul Reaver - EIDOS
Legacy of Kain – Soul Reaver (1999) – EIDOS

Problemas de compatibilidade surgiam até no Windows XP, com travamentos frequentes, áudio descompassado e falhas na renderização. Tentar rodar o jogo em sistemas modernos era um exercício de paciência, frustração e alguns patches/mods.

A GOG, ao relançá-lo, não apenas reempacotou o executável — aplicou correções de estabilidade, ajustou configurações gráficas e integrou soluções da comunidade para entregar, enfim, uma versão funcional e digna de um clássico que, por anos, parecia fadado ao silêncio.

A GOG quer que você jogue como se estivesse no passado… mas com o conforto do presente.

E quando o jogo conta com uma comunidade ativa, a GOG muitas vezes colabora com os próprios modders.

Em alguns relançamentos, patches de fãs foram incluídos como parte oficial do pacote. Em outros, versões aprimoradas feitas por desenvolvedores da cena homebrew foram reconhecidas e incorporadas — o que diz muito sobre a postura aberta e colaborativa da plataforma.

No fim das contas, o compromisso da GOG não é só com a nostalgia. É com a experiência jogável. Porque de nada adiantaria ter o arquivo original se ele não passa da tela de boot. E nisso, a GOG não só entrega o jogo — ela entrega tudo funcionando como nos consoles.

Clássicos Raros que Só Estão Disponíveis Graças à GOG

Entre tantos títulos consagrados, existem jogos que, por muito tempo, habitaram apenas a memória dos fãs.

Alguns estavam presos em mídias físicas descontinuadas. Outros sumiram após brigas jurídicas ou falências de estúdios.

E muitos clássicos cult, nem chegaram a receber versões digitais — até a GOG entrar em cena.

Jogos que talvez estivessem perdidos para sempre… se não fosse pela insistência de quem ainda acredita que preservar também é jogar.

Blade Runner (1997) – Westwood Studios

Gog

Por anos, esse clássico da ficção científica foi considerado irrecuperável. Os arquivos-fonte haviam sido perdidos e o jogo era complexo demais para simples emulação. Só em 2019, após um trabalho de engenharia reversa liderado por fãs e com suporte da GOG, o jogo ressurgiu — intacto e jogável em sistemas modernos.

SWAT 4 – Irrational Games

Gog

Considerado um dos melhores shooters táticos de todos os tempos, SWAT 4 nunca havia sido relançado digitalmente — nem no Steam. A GOG foi a primeira e única plataforma a oferecer o jogo em versão completa, incluindo a expansão The Stetchkov Syndicate.

Theme Hospital – Bullfrog Productions

Gog

Humor britânico ácido, estética peculiar e um gameplay incrivelmente viciante. Durante anos, só era possível jogar Theme Hospital via abandonware ou soluções duvidosas. A versão da GOG chegou compatível, atualizada e com extras que celebram a obra da Bullfrog.

The Wheel of Time – Legend Entertainment

Gog

Um FPS narrativo baseado no universo literário de Robert Jordan, com magia, puzzles e cenários deslumbrantes. O jogo sumiu por duas décadas até ser resgatado pela GOG, que atualizou a engine e trouxe o game de volta com suporte a resoluções modernas.

Sanitarium – DreamForge

Gog

Horror psicológico, narrativa surreal e uma atmosfera opressora. Sanitarium foi um cult instantâneo que desapareceu rápido demais. A GOG não apenas relançou o jogo como garantiu estabilidade e jogabilidade em máquinas atuais — algo que as versões piratas jamais conseguiram com consistência.

King of Dragon Pass – A Sharp

Gog

Parte visual novel, parte estratégia tribal, esse jogo desafiador combina narrativa procedural com mitologia riquíssima. Pouco conhecido na época, foi redescoberto graças à GOG e hoje é cultuado por jogadores que valorizam histórias não-lineares.

Star Wars: Rebellion (Supremacy) – LucasArts

Gog

Uma pérola da era dourada dos games da LucasArts. Estratégia em tempo real, batalhas espaciais e diplomacia galáctica — tudo isso em um jogo que foi esquecido pelas distribuidoras, mas que agora respira aliviado no acervo da GOG.

Postal Classic and Uncut – Running With Scissors

Gog

Um dos jogos mais controversos dos anos 90, censurado em diversas regiões e sumido das lojas digitais. A GOG resgatou o game em sua versão original e sem cortes, respeitando o valor histórico e cultural do título — por mais caótico que ele seja.

Aliens versus Predator Classic 2000 – Rebellion Developments

Antes do remake, esse era o AVP que realmente colocava medo. Três campanhas separadas, multiplayer LAN e design claustrofóbico. A GOG relançou o jogo com atualizações de compatibilidade, mantendo o clima tenso intacto.

The Suffering – Surreal Software

Gog

Horror visceral com influências de Silent Hill e Manhunt, esse jogo quase foi esquecido. A GOG garantiu sua volta, mantendo a ambientação opressiva e as mecânicas de combate cruas que marcaram a geração do PS2/PC.

O Que Ainda Pode Ser Feito pelos Jogos Antigos

O trabalho da GOG até aqui já é admirável. Mas, ironicamente, quando o assunto é preservação digital, o maior desafio não é resgatar o passado — é garantir que ele continue acessível no futuro.

E, nesse ponto, o esforço precisa ser constante. Porque a cada ano que passa, mais jogos são perdidos, mais formatos se tornam obsoletos, e mais direitos autorais entram em limbo jurídico.

Jogos em disquete - Imagem OR_Seahawks_Fan -Reddit
Jogos em disquete – Imagem OR_Seahawks_Fan – Reddit

O que a GOG faz não é apenas manter arquivos antigos disponíveis. Ela devolve contexto, funcionalidade e respeito a obras que a indústria, muitas vezes, preferiria ignorar. Mas sempre dá pra ir além.

Imagine um futuro em que os jogos relançados venham acompanhados de pequenos documentários, entrevistas com os desenvolvedores originais, scans de concept art e até reviews da época em que foram lançados.

Imagine poder explorar um clássico como se estivesse visitando uma exposição interativa sobre ele — com trilha sonora, curiosidades e bastidores.

Isso não é só possível. É necessário. E a GOG já está na posição ideal para liderar essa nova fase da preservação digital.

Outro passo seria o apoio mais direto às iniciativas open source e homebrew.

Muitas comunidades têm mantido jogos vivos por décadas, com projetos de restauração, traduções e remasterizações não oficiais — que poderiam ser legitimadas, apoiadas e integradas oficialmente aos relançamentos.

A GOG já faz isso em alguns casos. Mas poderia transformar isso em política declarada, firmando pontes com os próprios fãs que ajudam a manter financeiramente esse legado digital.

E por que não sonhar com emulação de consoles antigos, feita de forma ética, transparente e legal? Há todo um universo de jogos de Mega Drive, PS1, Saturn, Dreamcast e outros sistemas que hoje vivem à margem, dependendo de roms baixadas em sites obscuros.

Se existe uma plataforma com credibilidade e sensibilidade para lidar com essa complexidade, essa plataforma é a GOG.

No fim das contas, a preservação de jogos clássicos não é apenas uma questão técnica.

É uma escolha ideológica. É acreditar que videogames são mais do que entretenimento passageiro. Que eles são documentos culturais, formas de expressão, retratos de uma época e extensões de um pensamento coletivo.

E enquanto o mundo parece caminhar rumo ao efêmero — com catálogos que somem, serviços que desaparecem e jogos que se apagam sem deixar rastros — a GOG insiste na permanência. Insiste que alguns jogos merecem ser lembrados. Jogados. E, acima de tudo, salvos.

Obrigado por nos ler até aqui. Qualquer dúvida ou sugestão, nos deixe um comentário. Até a próxima!

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