Muitos especialistas tentam elucidar o estranho fenômeno dos Jogos Cult, mas ainda permanecem muitas lacunas neste tema.
Nesse exato momento, existe uma caixa cheia de coisas velhas, com um cartucho ou CD-Rom que aguarda em silêncio. Abandonado por anos, acumulando poeira em um armário, ele poderia ser apenas mais um item esquecido de décadas atrás. Mas, para aqueles que conhecem o seu valor, esse objeto guarda muito mais do que dados binários. Ele carrega um sucesso fora de seu tempo.
Pense comigo: você já ouviu falar de jogos que nem deveriam ter existido, mas, de alguma forma, deixaram sua marca no mundo? Jogos que foram ignorados pelo público ou rejeitados pela crítica na época de seu lançamento, somente para, anos depois, serem redescobertos por uma base de fãs apaixonada pelo grande achado?
Pois é, esse é o tal do “Fenômeno Cult”. Títulos que falharam em conquistar o mainstream logo de cara, mas encontraram uma segunda chance além do seu tempo.
Mas por que isso acontece? O que transforma um fracasso em uma obsessão para alguns? Pode ser a estranheza. Pode ser o apelo à nostalgia. Ou talvez algo mais profundo, uma ligação emocional com o desconhecido, o misterioso, o imperfeito.
Os Jogos Cult não são apenas produtos fora de seu tempo; são relíquias de uma era onde o esforço e a ousadia foram almejadas, mas não necessariamente recompensados. Eles são pedaços da cultura pop que foram abandonados na margem do rio e, como pequenos tesouros, são descobertos por aqueles que se atrevem a dar uma chance, com expectativa ZERO.
Imagine um jogo que falhou em sua missão de ser um sucesso de vendas, mas de certa forma, se recusou a desaparecer. Como um fantasma que assombra seu túmulo, ele continuou existindo, esperando o momento certo para se revelar.
Anos depois, surge novamente, agora adornado com a aura de uma joia esquecida, cobiçada por colecionadores e entusiastas que juram que existe algo especial ali, algo que o resto do mundo nunca tinha percebido.
E o que faz um jogo se tornar cult? Será a sua capacidade de criar uma experiência que só o tempo provou ser única e cativante? Algo escondido sob uma camada de gráficos datados e mecânicas estranhas para a época?
A verdade é que não há uma resposta única – e seria chato se houvesse…
Isso porque cada jogo tem sua própria história de desenvolvimento e seu próprio desafio. E é isso que queremos discutir: como um produto “flopado”, pode transcende seus estigmas e se transformar em algo valioso. Algo que se infiltra na cultura, inspirando músicas, filmes, jogos atuais e até documentários como este. Algo que, como toda lenda, nunca morre realmente.
Descubra conosco como os Jogos Cult pertencem a um pequeno universo onde é apenas questão de tempo para o “estranho” e “ruim”, se tornarem… ahm… Cult?
Do Fracasso ao Fascínio
Convenhamos que vencer não é para todos e nem todos os jogos nascem para brilhar, mas alguns parecem destinados ao esquecimento desde o início. Tomemos, por exemplo, EarthBound, um jogo “japonês” que, em 1994, chegou às prateleiras dos Estados Unidos sem causar mais do que um leve farfalhar de folhas na indústria de videogames.
E o pior é que a Nintendo apostou alto na ideia de trazer para o ocidente um RPG japonês, bem peculiar. Com uma campanha publicitária fora do comum: “Este jogo fede” (this game stinks, em inglês), diziam os anúncios, acompanhados de ilustrações estranhas, EarthBound era uma sequencia de um jogo chamado マザー Mazā (“Mother”) que fez grande sucesso nas terras nipônicas.
A campanha de marketing de EarthBound era focada em humor grosseiro e custou na época cerca de US$ 2 milhões nos Estados Unidos.
A promessa? Um RPG para o Super Nintendo diferente de tudo o que você já havia experimentado. O resultado? Apesar de ter potencial, o preço alto, os gráficos ultrapassados e o marketing ruim combinado com problemas de distribuição, condenou o jogo a um baita flop…
Mas o tempo é uma força curiosa, amadurecendo ou apodrecendo o que toca como um tipo de alquimia. A princípio, EarthBound parecia condenado a ser esquecido, apenas mais uma tentativa ambiciosa da Nintendo que não deu certo.
No entanto, uma pequena faísca continuava queimando, e enquanto a galera estava hipnotizada com os gráficos 3D do PlayStation (bons tempos), algo estranho acontecia nas sombras… EarthBound foi, de alguma forma, desenterrado pela comunidade gamer anos depois do seu lançamento.
O que mudou? Talvez, o flop inicial tenha sido a melhor coisa que poderia ter acontecido com esse jogo. Isso porque, livre das expectativas de ser um sucesso instantâneo, EarthBound encontrou o público certo, escondido nos quartos de adolescentes, nos fóruns de internet da época do dial-up e nas trocas de cartuchos das feirinhas do centro.
Para aqueles que deram uma chance e mergulharam em sua narrativa, o EarthBound não só cumpria, mas superava qualquer promessa de originalidade daquela época.
Um RPG que estava além de seu tempo e nos apresenta a história de um garoto com poderes psíquicos enfrentando alienígenas, máquinas do tempo, crises existenciais e uma série de paródias de inúmeros gêneros. Não é exatamente o que se esperava de um jogo de Super Nintendo de 1994, não é?
Mas há algo interessante aqui, pois, o fracasso se tornou o solo fértil onde o fenômeno “cult” deu o ar da graça. EarthBound se tornou uma das maiores influencias para os Jogos Indie nos anos 2000.
O que o mundo rejeita com desdém em um determinado período, pode ser exatamente o que cativa um grupo devoto mais à frente.
Apesar da intenção do diretor Shigesato Itoi de popularizar EarthBound, o jogo não precisava agradar todo mundo, bastava encontrar os que enxergassem seu valor além da superfície dos gráficos, que vissem algo especial onde outros viam gráficos 2D da geração passada.
De 1999 em diante, EarthBound acabou sendo reconhecido como um dos melhores jogos de todos os tempos e recebeu uma sequência no Japão (“Mother 3”) para Game Boy Advance em 2006.
A pedidos da comunidade, em 2013, EarthBound foi lançado para Nintendo Wii U e em 2022 chegou também para o Nintendo Switch.
A Ironia da Redescoberta
Há outros exemplos que seguem o mesmo caminho de EarthBound, como o Planescape Torment, um RPG de 1999 que flopou miseravelmente no lançamento.
Sua abordagem filosófica, personagens moralmente ambíguos e a quase ausência de combate direto fugiam dos padrões dos jogos daquela época. Além disso, era praticamente o único RPG a não incluir dragões, elfos, goblins e outras raças comuns nos universos de fantasia.
No enteando, anos depois, foi redescoberto e notado por sua profundidade narrativa, se tornando uma referência de jogo cult, obrigatório para fãs de jogos de RPG ocidentais.
Para se ter uma ideia, Planescape Torment pode ser encontrado hoje em várias plataformas como Playstation 4, Nintendo Switch, Android, MacOS e claro, Windows PC (graças a GoG). E a suas influências pode ser observada em vários jogos, inclusive de outros gêneros.
E não podemos esquecer do Psychonauts (2005), um jogo de plataforma 3D que prometia uma viagem psicodélica pela mente de personagens excêntricos. Pois é… “Divertidamente” parece ter bebido dessa fonte em algum momento.
Embora recebido positivamente pela crítica, o desempenho nas vendas foi, no mínimo, decepcionante. Sendo mais especifico, a publicadora Majesco chegou a sofrer problemas financeiro severos e acabou deixando o mercado.
Porém, em uma reviravolta digna de roteiro de filme, os diretos de Psychonauts foram adquiridos pela Double Fine em 2011 e o título recebeu uma segunda chance. Mais do que isso, de acordo com a Double Fine, Psychonauts vendeu quase 1,7 milhão até o final de 2015, se tornando mais um clássico jogo cult amado por jogadores que abraçaram seu humor absurdo e sua originalidade.
No Game Awards 2015, merecidamente, Psychonauts 2 foi anunciado.
Talvez, seja este o segredo dos Jogos Cult. Eles falham nas medidas convencionais de sucesso, mas se recusam a ser esquecidos. Há uma resistência neles, uma persistência que ecoa nos cantos sombrios da cultura gamer. Elas criam uma comunidade fiel, composta por aqueles que compartilham um gosto pelo inusitado, pelo peculiar, pelo que foge das expectativas.
E, com o tempo, essas comunidades crescem, discutem, criam arte, teorias, e principalmente Mods, alimentando a chama do jogo que nunca se apagou completamente.
Lembrando que um status cult não pode ser fabricado, comprado, forçado ou previsto. Ele surge organicamente, nas brechas deixadas pelos sucessos comerciais, nas bordas do mainstream, onde os verdadeiros caçadores de tesouros se aventuram a explorar. Estúdios independentes estão sempre atendo a esses sinais.
Nostalgia Compartilhada dos Jogos Cult
Imagine a cena: é um final de semana preguiçoso e você fuçando em uma pilha de CD-ROMs esquecidos, seus olhos passando rapidamente por títulos que já não fazem o coração de ninguém bater mais rápido.
Mas, ali, entre cartuchos desbotados e capinhas riscadas, você vê algo que reconhece. Um tesouro que apenas você parece notar e esse é o começo de uma nova obsessão. Mesmo tendo um console de ultima geração, tudo fica de lado e a nostalgia vem com tudo nessa hora.
Os jogos cult prosperam justamente nesse terreno nostálgico. Eles se beneficiam de um fenômeno único, que é o desejo humano de revisitar um tempo bom que não volta mais.
Jogos como Parasite Eve (1998) e Ico (2001) não são apenas produtos para entretenimento; são cápsulas do tempo que carregam consigo as cores, sons e sentimentos de uma fase da vida. Para muitos de nós, revisitar esses jogos é como rever um velho amigo, um reencontro com uma parte esquecida de nós mesmos.
Mas não é apenas nostalgia, pois o fascínio pelos jogos cult se tornou uma espécie de experiência coletiva de uns anos para cá. Redes sociais e canais de streaming como Twitch e YouTube funcionam como máquinas do tempo virtuais, onde, inclusive, as novas gerações de jogadores podem conhecer e experimentar esses títulos, muitas vezes pela primeira vez.
E, nesse processo, o fenômeno dos jogos cult dá o ar da graça novamente. Um exemplo marcante desse movimento é a redescoberta de Shenmue.
Quando foi lançado para Dreamcast lá em dezembro de 1999, ele não teve o sucesso comercial que sua a Sega projetou. Aquele mundo aberto, narrativa extensa e foco em detalhes mundanos, como alimentar gatos de rua ou coletar figurinhas, pareciam fora de sintonia com os jogos de ação frenética da virada do milênio.
No entanto, com o passar dos anos, Shenmue encontrou seu nicho, sua “tribo” quando alguns Streamers começaram a jogar o game e, de repente, o que antes era “chatão” virou “imersivo”. Irônico…
O público, agora mais velho, apreciava o ritmo lento, a paciência da narrativa, a sensação de viver uma vida virtual alternativa, mesmo que por algumas horas.
E aí entra o papel dos influenciadores e criadores de conteúdo online. Canais do Youtube como o AssopraFitas e muitos outros especialistas em cultura retrô começaram a atuar como “embaixadores” de jogos esquecidos. Jogos como Panzer Dragoon Saga (do sega Saturn!!) ou Vampire: The Masquerade – Bloodlines foram trazidos a tona para uma audiências que nunca tive a chance de jogá-los em seus lançamentos.
Os criadores de conteúdo utilizam seus canais para falar de suas experiências com esses jogos, muitas vezes usando humor e histórias pessoais para construir um novo público. Muitos jogos não só voltam à tona, mas também renascem.
A nostalgia é uma estrada de duas mãos, e o passado dita as regras em muitos casos. Hoje, vemos jogos modernos sendo influenciados por esses clássicos cult, carregando suas mecânicas, estéticas (e até falhas), como uma homenagem.
Quer um exemplo? Jogos como Undertale ou Celeste, carregam em seu DNA a mesma subversão e a mesma disposição para desafiar expectativas que definem os jogos cult do passado.
No entanto, há algo profundamente irônico nisso tudo: o que outrora foi considerado ponto fraco, hoje é reconhecido como “escolha artística”. O que parecia ser uma escolha de design fora de sintonia se tornou uma declaração de autenticidade.
Perceba que, ser cult não é apenas sobreviver ao esquecimento, mas também é encontrar um espaço onde a esquisitice, a imperfeição, o “erro” seja valorizado. Para muitos, é uma questão de “timing”.
E não podemos deixar de destacar o papel da própria comunidade. Fãs devotados de jogos cult se juntam em esforços coletivos para manter esses títulos vivos, seja criando mods, desenvolvendo traduções, adaptando para sistema operacional moderno ou até mesmo organizando campanhas de financiamento coletivo para remasterização.
Em 2015, por exemplo, a campanha do Kickstarter para o retorno de Shenmue III levantou mais de seis milhões de dólares.
Um jogo que parecia morto na década de 2000 de repente se tornou o projeto de financiamento coletivo mais bem-sucedido de sua época, tudo por causa de uma comunidade apaixonada que nunca perdeu a esperança.
Os jogos cult se tornam uma ponte entre gerações, pois eles podem representar muito mais do que apenas uma memória pessoal, mas uma memória compartilhada, um ponto de conexão entre o passado e o presente.
A Metalinguagem dos Jogos Cult
Nos jogos cult, a surpresa e a descoberta são mais do que simples adições à jogabilidade. Elas são parte fundamental da experiência.
Os easter Eggs, pequenos segredos deixados pelos desenvolvedores, estão sempre escondidos em lugares improváveis, revelando detalhes que não apenas enriquecem a narrativa, mas nos incentivam a olhar em todos os cantos.
Veja se te é familiar: você caminhando por um corredor escuro em um jogo que já zerou 300 vezes. Tudo parece igual, familiar, sem novidade. Mas, então, você nota algo. Um brilho sutil em uma parede, quase imperceptível. Por impulso, decide interagir.
Uma mensagem aparece na tela: “Você encontrou o segredo.” De repente, um novo mundo se abre diante de você — um lugar onde a lógica do jogo se curva, onde a realidade é um tanto distorcida, e onde o próprio criador parece estar sussurrando em seu ouvido.
Bem-vindo ao mundo subversivo dos jogos cult, onde os easter eggs e a metalinguagem conspiram para manter os jogadores sempre atentos, sempre questionando.
Veja o caso de Silent Hill 2 (2001), um jogo que, à primeira vista, é um mergulho sombrio na mente perturbada de um homem assombrado por seus próprios demônios.
Mas, quanto mais exploramos o mundo caótico de Silent Hill, mais descobrimos mensagens ocultas, referências cinematográficas e literárias que se revelam como pistas, quase como se o jogo estivesse brincando de esconde-esconde com quem estiver jogando.
E não são apenas as referências óbvias. Já percebeu que muitas vezes, os jogos cult utilizam a metalinguagem para quebrar a “quarta parede” e nos fazer questionar sobre a própria natureza da experiência de jogar aquilo?
Em Metal Gear Solid (1998), por exemplo, o vilão Psycho Mantis “lê” o Memory Card (do Playstation) e faz comentários sobre o jogador. O que é isso senão um diálogo direto entre o jogo e o jogador, quebrando as regras tradicionais da narrativa e criando uma conexão única, quase conspiratória, entre o jogador e a máquina?
Essa subversão da narrativa convencional é parte do que torna os jogos cult tão fascinantes. Eles não se contentam em seguir as regras estabelecidas. Em vez disso, brincam com as expectativas, introduzem elementos inesperados, e, muitas vezes, subvertem a própria lógica dos jogos tradicionais.
Em Undertale (2015), um jogo indie que alcançou rapidamente status de jogo cult, a ideia de que você pode “salvar” ou “matar” todos os personagens não é só uma escolha moral, é um comentário profundo sobre o próprio conceito de moralidade nos videogames.
E o jogo não se esquece! Cada escolha que você faz é lembrada, mesmo quando você tenta reverter suas ações, como se o próprio algoritmo do jogo estivesse se vingando de você.
E esses elementos não estão presentes por acaso. Eles são a premissa de muitos jogos cult, que utilizam a metalinguagem para transformar o ato de jogar em algo mais significativo.
EarthBound (1994), que citamos acima, subverte as expectativas ao quebrar a quarta parede repetidamente, abordando o jogador diretamente e até mesmo pedindo ajuda na batalha final. Ao fazer isso, o jogo questiona o próprio papel do jogador na história, o transformando em um cúmplice.
E então, há o humor peculiar, quase esotérico, que permeia muitos jogos cult. Eles brincam com a própria existência, rindo das falhas e tropeços que outros jogos tentam esconder.
Quem pode esquecer o famoso “Erro 404” de The Stanley Parable (2013), onde o narrador interage com o jogador de forma humorística, comentando sobre o próprio conceito do jogo e suas escolhas?
Ele não apenas quebra a quarta parede — ele destrói completamente, nos deixando em um estado de constante surpresa e desconforto.
Esses jogos usam a subversão como ferramenta narrativa e também como um grito de identidade. Eles são, muitas vezes, uma reação contra o conformismo da indústria, uma tentativa de criar algo que se destaca em um mar de títulos previsíveis.
E, ao fazer isso, eles criam uma conexão com jogadores que buscam algo diferente, algo que os faça pensar, rir, ou até mesmo questionar o que significa jogar.
Talvez seja por isso que os jogos cult nunca desaparecem completamente. Eles vivem nas margens da indústria, nas sombras do mainstream, mas é justamente essa metalinguagem “underground” que lhes conferem uma vida própria.
Um jogo cult sempre parece estar à espreita, pronto para revelar um novo segredo a quem estiver disposto a procurar. E, nesse sentido, cada easter egg, cada elemento de metalinguagem, é como um convite para se aventurar mais fundo.
Representatividade e Experimentação nos Jogos Cult
Vejamos The Path (2009), um jogo que, à primeira vista, parece ser uma reinterpretação sombria do conto de Chapeuzinho Vermelho. Mas, ao mergulhar mais fundo, descobrimos que não se trata apenas de um jogo sobre um caminho na floresta.
Em vez disso, The Path é uma exploração surrealista do amadurecimento feminino, dos perigos ocultos da psique humana, e dos segredos que carregamos conosco.
Repare que cada personagem representa uma faceta diferente da transição da infância para a idade adulta, e cada escolha feita por quem joga ressoa como um eco de decisões maiores, mais profundas, que todos enfrentamos na vida real.
A recepção de The Path foi, como é comum nos jogos cult, um misto de confusão e admiração.
Muitos críticos e jogadores não sabiam como categorizá-lo. Não havia combate tradicional, objetivos claros ou missões épicas para completar. Em vez disso, havia uma experiência intimista, emocional e visualmente arrebatadora, algo que desafiava a própria definição do que um “jogo” deveria ser.
E, ainda assim, para aqueles que se permitiram absorver sua atmosfera onírica, o jogo se revela uma obra de arte interativa, uma reflexão profunda sobre os limites da narrativa e da experiência sensorial.
E sempre fica aquela pergunta: Como o mundo deixou passar batido essa obra prima em seu lançamento? Bom, The Path não está sozinho.
Olhemos para um título ainda mais obscuro: Caper in the Castro (1989). Considerado o primeiro jogo de aventura LGBTQ+ da história, Caper in the Castro foi desenvolvido como uma espécie de “brincadeira entre amigos” por C.M. Ralph, uma designer que queria criar algo representativo para sua comunidade.
O jogo, um mistério noir protagonizado por uma detetive lésbica, circulou em redes de compartilhamento de arquivos da época e nunca foi lançado oficialmente.
Ignorado durante anos, Caper in the Castro foi redescoberto recentemente e elogiado por sua inovação e coragem em abordar temas que a indústria de games evitava a todo custo nos anos 80.
E aqui reside outro dos segredos mais profundos dos jogos cult: a capacidade de dar voz às narrativas marginais, de oferecer espaço para a representatividade e a experimentação em um meio que, por muito tempo, foi dominado por narrativas convencionais.
Oviamente até hoje muitas pessoas podem não gostar ou, nem mesmo aceitar, mas fato é que jogos como Caper in the Castro não foram apenas pioneiros — eles criaram uma base para que outros desenvolvedores ousassem explorar temas de identidade, gênero, e experiências de vida que não se encaixavam nos moldes pré-estabelecidos da indústria.
Há uma ironia nisso também. Veja bem, enquanto muitos jogos comerciais são projetados para atrair o maior público possível, diluindo suas histórias para se tornarem mais “acessíveis”, alguns jogos cult fazem o oposto.
Eles se aprofundam, eles vão a lugares desconfortáveis, eles desafiam os jogadores a pensar, a sentir, a se conectar com narrativas que são cruas e reais. Eles se tornam um refúgio para aqueles que querem algo mais do que o simples entretenimento — eles buscam a arte, a reflexão, o espelho.
Essas joias raras oferecem muito mais do que mecânicas inovadoras ou gráficos incomuns; eles oferecem uma janela para experiências de vida que muitas vezes são ignoradas ou marginalizadas. E é exatamente essa autenticidade que ressoa profundamente com certos jogadores.
Para muitos, encontrar um jogo que reflita sua própria identidade ou experiência de vida é algo raro e poderoso já que mesmo nas sombras, há espaço para todas as vozes, para todas as histórias.
Além disso, a experimentação estética e narrativa dos jogos cult frequentemente influencia o mainstream de maneiras inesperadas. Veja o caso de Kentucky Route Zero (2013), um jogo episódico de aventura que combina elementos de teatro, literatura gótica e surrealismo para criar uma experiência única.
Embora tenha nascido em um espaço cult, sua abordagem de design não linear e foco na narrativa atmosférica impactou até grandes títulos AAA, que começaram a explorar mecânicas e estilos narrativos menos convencionais.
Encontrando Jogos Cult
Chega uma hora na vida de todo gamer em que você olha para o seu PC e percebe: “Já deu.” O pobre coitado está dando seus últimos suspiros, sem mais espaço para melhorias, e você sabe que chegou a hora de montar um novo.
Só que, enquanto isso não acontece, algo curioso começa a acontecer. Em vez de olhar para o futuro, com os grandes lançamentos que exigem cada vez mais poder de processamento e placas de vídeo caríssimas, você se pega olhando para trás.
E então surge a pergunta que muitos gamers já fizeram em algum momento: “O que eu deixei passar batido?”
Já aconteceu comigo…
Em 2010 meu PC simplesmente não conseguia rodar os lançamentos mais recentes. Qualquer jogo de 2008 em diante era praticamente injogável. Frustrado, comecei a pensar: “Ok, já que não posso rodar os jogos de agora, que tal explorar o que veio antes?”
E foi aí que a mágica aconteceu.
Comecei a mergulhar em uma busca por títulos que, por algum motivo, nunca tinham chamado minha atenção. Eu estava fora de sintonia com os grandes lançamentos, mas, curiosamente, isso me levou a descobrir jogos incríveis que eu nem sabia que existiam.
Foi nessa busca que me deparei com uma verdadeira joia da LucasArts: Grim Fandango (1998). Um jogo que, na época, tinha passado completamente despercebido por mim, mas que agora, mais de uma década depois, me cativava de uma maneira que eu não esperava.
E o que eu encontrei ali foi algo raro, quase mágico: um jogo que não só passava no “teste dos 15 anos”, como parecia até melhor, mais cativante, visto à luz do presente.
Grim Fandango é uma obra-prima do gênero point-and-click, ambientada em um mundo inspirado na mitologia asteca sobre o pós-vida, misturado com uma estética “noir” que lembra os filmes clássicos dos anos 40. Ah! E tudo isso com uma trilha sonora sensacional.
Mas o que realmente pega de surpresa é o carisma dos personagens, o humor afiado e o mundo rico e detalhado. E, para a nossa alegria, era um dos poucos jogos da época com dublagem PT-BR, o que só torna a experiência mais carismática e imersiva.
Eu me perguntava: “Como eu não conheci isso antes?”
Talvez essa seja a grande beleza de buscar jogos do passado. No hype de acompanhar os grandes lançamentos é fácil deixar passar jogos incríveis que, na época, estavam fora do radar.
Mas, quando você finalmente os encontra, eles têm a capacidade de te surpreender, como se estivessem esperando pacientemente para que você os descobrisse. Eu descobri um clássico que não só resistiu ao tempo, mas que parecia estar à minha espera.
E essa experiência parece não ter sido única. Muitos jogadores, por diversas razões, acabam se voltando para o passado em busca de jogos que nunca tiveram a chance de jogar e, em 2015, a Double Fine (os criadores de Psychonauts) trouxe uma nova versão de Grim Fandango, totalmente remasterizada e mantendo a dublagem original.
Às vezes, é uma questão de hardware ultrapassado, outras vezes é pura casualidade, mas o fato é que há um tesouro de jogos cult esperando para serem redescobertos, e a GoG está cheia deles.
Buscar por jogos cult é como explorar um mapa antigo, cheio de segredos e surpresas. Cada título encontrado é uma descoberta, uma pequena vitória pessoal que nos conecta com uma parte da história dos videogames que, de outra forma, poderia ter sido perdida.
O verdadeiro charme dos jogos cult se revela não como relíquias obsoletas, mas como experiências atemporais que esperam apenas pelo jogador certo, no momento certo.
Então, da próxima vez que você perceber que seu PC está na hora de ser aposentado, ou quando os lançamentos da 9ª geração não estiverem mais te empolgando tanto, considere fazer essa mesma pergunta: “Quais jogos incríveis eu deixei passar?” Talvez você se surpreenda com os jogos cult que encontrará ao olhar para trás.
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