No último dia 3 de novembro, o mundo perdeu o lendário músico, produtor e maestro Quincy Jones, que faleceu em Los Angeles, aos 91 anos de idade. Jones deixou um enorme legado em sua premiada carreira que durou mais de sete décadas. O músico é especialmente conhecido por ter produzido os três melhores, mais conhecidos e mais bem-sucedidos álbuns da carreira de Michael Jackson, incluindo, “Thriller” (1982), que é, até os dias atuais, o álbum mais vendido de toda a história da indústria fonográfica mundial.
No entanto, o que muita gente não sabe é que além de ajudar a transformar Michael Jackson no “Rei do Pop”, de compôr inúmeras canções, produzir incontáveis álbuns e colaborar com diversos artistas importantes, Quincy Jones também compôs um sem-número de trilhas sonoras para cinema e televisão. E é sobre essa parte de sua carreira que falaremos hoje.
Especialmente, durante o período entre a metade dos anos 1960 e o início dos anos 1970, Jones compôs inúmeras trilhas sonoras, chegando a trabalhar em até seis filmes por ano. E mesmo depois desse período ele continuou, esporadicamente, compondo trilhas para cinema e televisão. Nesse texto, separamos dez trilhas sonoras emblemáticas compostas por Jones. Trilhas que aparecem em grandes clássicos do cinema e da televisão.
Quincy Jones: Talento desde a mais tenra idade
Quincy Delight Jones Jr. nasceu no sul de Chicago, nos Estados Unidos, em 14 de março de 1933. Ele era o mais velho de três filhos do casal Sara Frances e Quincy Delight Jones e recebeu o nome de seu pai que era, originalmente, da Carolina do Sul, um estado do sul dos Estados Unidos. Jones desenvolveu interesse por piano desde a mais tenra idade. Sua mãe costumava cantar músicas religiosas para ele e aos cinco ou seis anos de idade, ele teve contato pela primeira vez com um piano que pertencia a sua vizinha, Lucy Jackson.
Nessa época, ainda morando com sua família na região de Chicago, Jones se encantou pelo instrumento e queria passar todo tempo “brincando” com ele. Já no final de sua infância, sua mãe teve um colapso esquizofrênico e acabou sendo internada em uma instituição psiquiátrica. Seu pai, então, pediu divórcio, se casou com outra mulher e, em 1943, se mudou com toda a família para a cidade de Bremerton, no estado de Washington.
Nesse período, em plena Segunda Guerra Mundial, seu pai arrumou trabalho no Estaleiro Naval de Puget Sound, que ficava na cidade. Logo após o fim da guerra, a família inteira se mudou para Seattle, maior cidade do estado de Washington. Nessa época, já entrando na adolescência, Jones frequentou a Escola Secundária Garfield, onde estudou trompete e desenvolveu suas habilidades como arranjador.
Aos 14 anos de idade, Jones já tocava em bandas e aos 18, em 1951, ele recebeu uma bolsa de estudos para frequentar a Universidade de Seattle. Após apenas um semestre frequentando a instituição, ele recebeu uma bolsa para a prestigiada Faculdade Berklee de Música (Berklee College of Music) e seu mudou para Boston, para estudar música. Em 1953, com apenas 20 anos de idade, Quincy Jones, viajou com o famoso jazista Lionel Hampton e sua banda para a Europa, onde foram fazer um tour musical.
Quincy Jones e suas primeiras turnês na Europa
A experiência européia remoldaria a visão de mundo de Jones e a forma como ele via os conflitos raciais nos Estados Unidos. No ano seguinte, já fora da banda de Hampton, Jones se mudou para Nova York, onde começou a escrever música para qualquer um que pagasse por seus serviços. Em 1956, ele aceitou um emprego temporário no programa “Stage Show”, do canal CBS. O programa ir ao ar ao vivo e nesse período Quincy Jones chegou a tocar trompete na banda que acompanhou o jovem Elvis Presley em seis apresentações televisivas que ele fez em janeiro, fevereiro e março daquele ano.
Pouco tempo depois, Jones se tornou trompetista e diretor musical da banda do famoso jazista norte-americano Dizzy Gillespie e acampanhou ele por turnês no Oriente Médio e na América do Sul. Logo após regressar, ele conseguiu assinar um contrato com a gravadora ABC-Paramount, se tornando líder de sua própria banda e podendo gravar suas próprias composições.
Em 1957, querendo aprofundar seu conhecimento em composição e teoria musical, Quincy Jones se mudou para Paris, na França, onde estou com os famosos compositores e professores Nadia Boulanger e Olivier Messiaen. Nessa época, ele tocou no Olympia, a mais antiga sala de espectáculos musicais de Paris, e se tornou diretor musical na gravadora francesa Barclay.
Quincy Jones: Aprendendo a lidar com a indústria da música
Na década de 1950, Quincy Jones faria diversas turnês pela Europa. Primeiro, como diretor musical do musical “Free and Easy”, escrito pelo famoso compositor Harold Arlen e depois, com sua própria banda, chamada “The Jones Boys”, formada por músicos que haviam trabalhado com ele no musical de Arlen. Sua banda contava com 18 dos melhores músicos de jazz da epóca. No entanto, apesar das críticas positivas e do enorme entusiasmo do público que ia as apresentações, a turnê foi um imenso fracasso financeiro.
O planejamento financeiro ruim, fez com que Jones tivesse que dissolver a banda e o deixou endividado. “Tínhamos a melhor banda de jazz do planeta, e ainda assim estávamos literalmente morrendo de fome. Foi quando descobri que havia música e havia a indústria musical. Se eu fosse sobreviver, teria que aprender a diferença entre os dois”, disse ele sobre esse período conturbado de sua vida.
De volta aos Estados Unidos, Quincy Jones recebeu apoio de Irving Green, presidente e fundador da gravadora Mercury. Green lhe emprestou dinheiro e também lhe deu emprego como diretor musical da divisão da gravadora em Nova York. Em 1958, Jones conheceu Frank Sinatra, quando Grace Kelly, então Princesa de Mônaco, pediu a ele que fosse o arranjador musical de um concerto beneficiente que ela estava organizando.
Anos depois, Sinatra o convidaria para arranjar e conduzir um de seus álbuns, “It Might as Well Be Swing” (1964). Depois disso, os dois trabalhariam juntos em diversos projetos até a morte de Sinatra, em 1998. A parceria elevaria a carreira de Jones a um outro patamar. No início dos anos 1960, Jones foi promovido a vice-presidente da gravadora Mercury, sendo o primeiro afro-americano a ocupar essa posição.
Ainda nesse período, o grande cineasta Sidney Lumet, convidaria Quincy Jones para cômpor a trilha sonora de um de seus filmes, o drama O Homem do Prego (1964). O sucesso de público e crítica do filme, incluindo, elogios a trilha sonora, iniciariam a carreira de Jones como compositor de trilhas sonoras para cinema e televisão. Dessa forma, ele largou seu emprego na Mercury e se mudou para Los Angeles para trabalhar compondo trilhas sonoras.
Até a primeira metade dos anos 1970, Quincy Jones trabalhou incessantemente como compositor de trilhas sonoras para filmes e produções televisivas, chegando a compôr diversas trilhas sonoras em um mesmo ano. Depois desse período, ele continou a cômpor trilhas sonoras, mas em muito menor número, durante o final dos anos 1970 e durante os anos 1980, 1990 e 2000. Jones recebeu seis indicações ao Oscar por seu trabalho como compositor, além de uma indicação como produtor de cinema.
Ainda durante os anos 1960 e 1970, Quincy Jones continou a lançar seus próprios álbuns e também a produzir e arranhar álbuns de outros artistas consagrados, como Billy Eckstine, Ella Fitzgerald, Shirley Horn, Peggy Lee, Nana Mouskouri, Frank Sinatra, Sarah Vaughan, Dinah Washington e Lesley Gore. Para essa última, inclusive, Jones produziu quatro singles que ficaram entre os cinco mais tocados dos Estados Unidos, na época, e venderam milhões de cópias, incluindo, “It’s My Party”, que ficou em primeiro lugar nas paradas de sucesso dos Estados Unidos e de outros países do mundo.
Quincy Jones: O encontro com Michael Jackson e o surgimento do “Rei do Pop”
Em 1978, Quincy Jones aceitou compôr e produzir a trilha sonora do musical O Mágico Inesquecível, além de atuar como supervisor musical da produção. O filme em questão, era uma adaptação do livro O Mágico de Oz e era produzido pela poderosa gravadora Motown. O elenco que contava praticamente apenas com atores negros, era liderado por Diana Ross e Michael Jackson. Foi durante a produção do filme que Jones conheceu Jackson, que buscava um produtor para seu novo álbum.
Após oferecer os nomes de alguns produtores a Jackson, ele próprio se ofereceu para produzir o álbum. O resultado foi “Off the Wall” (1979), um sucesso de público e crítica, que vendeu 20 milhões de cópias no mundo todo, alçando as carreiras tanto de Jackson quanto de Jones a outro patamar. Três anos depois, no entanto, a dupla produziria a obra-prima “Thriller” (1982), que venderia 70 milhões de cópias no mundo todo, se tornando o álbum mais vendido de toda a história da indústria fonográfica.
Considerado um dos mais importantes álbuns musicais da história, “Thriller” transformou Michael Jackson no artista mais popular e bem pago do mundo e Quincy Jones, no produtor musical mais poderoso do mundo. Com isso, Jackson ganhou a alcunha de “Rei do Pop”. A dupla trabalharia junta em mais um álbum “Bad” (1987), que venderia 35 milhões de cópias no mundo todo, antes de separarem de vez.
Ainda nos anos 1980, Jones produziria o single “We Are the World”, cuja renda seria voltada para ajudar a aplacar a crise de fome na Etiópia. A canção, que contava com a participação de alguns dos principais artistas norte-americanos da época, venderia 20 milhões de cópias no mundo todo, se tornando um dos 10 singles mais vendidos de toda a história da música.
Durante o resto de sua carreira, Jones ainda estaria a frente de produções de sucesso, como a série de televisão Um Maluco no Pedaço (1990-1996), que lançaria a carreira de Will Smith. Ele também usaria seu enorme prestígio, adquirido ao longo de décadas no show business, para promover diversas causas sociais. Agora, que você já sabe um pouco sobre a vida e a carreira de Quincy Jones, podemos te apresentar a lista de dez trilhas sonoras marcantes compostas por ele. Sem mais delongas, vamos lá.
O Mágico Inesquecível (1978)
Vamos começar a nossa lista com um filme que é meio controverso e que, apesar de ter sido uma superprodução, foi um tremendo fracasso de crítica e público na época de seu lançamento original, mas mesmo assim, mudou para sempre a carreira de Quincy Jones. Lançado no final dos anos 1970, O Mágico Inesquecível é uma produção da Motown Productions, que como o próprio nome já deixa claro, pertencia a famosa gravadora Motown.
Na época, a Motown ainda era muito poderosa e tinha grande influência na música norte-americana, especialmente aquela produzida por artistas negros. Aproveitando o enorme sucesso que a gravadora começou a fazer a partir da década de 1960, ela lançou sua própria produtora de cinema que, a partir dos anos 1970, produziu diversos filmes, estrelados por elencos formados majoritariamente por intérpretes negros e que servia, na maioria das vezes, como “veículo” para os artistas da própria Motown.
Na época, a gravadora também se aproveitou do enorme sucesso do chamado “Blaxploitation”, um subgênero de filmes produzidos e estrelados, majoritariamente, por artistas negros e que exploravam temas que interessavam a comunidade afro-americana e também o mundo vivido por essas pessoas e que não era mostrado na maioria das produções Hollywoodianas.
É nesse contexto que nasce O Mágico Inesquecível. O filme é uma adaptação de um musical de 1974 da Broadway, chamado “The Wiz: The Super Soul Musical “Wonderful Wizard of Oz””, que por sua vez, é uma adaptação do clássico livro infantil O Maravilhoso Mágico de Oz (1900), de L. Frank Baum. Mesmo livro que serviu de base para o famoso clássico O Mágico de Oz, de 1939.
Assim como o musical, O Mágico Inesquecível pretendia ser uma adaptação musical e contemporânea do livro, focada na cultura afro-americana. Por isso, quase todo o elenco do filme é formado por atores e atrizes negros. Além disso, toda a parte musical da produção também ficou a cargo de artistas afro-americanos. Curiosamente, tanto o diretor, quanto o produtor e o roteirista do filme não eram negros.
É nessa parte musical que entra Quincy Jones. Nessa época, o músico já estava meio que cansado de compor trilhas sonoras para filme. Entre 1964 e 1972, ele havia composto dezenas de trilhas sonoras, muitas vezes, inclusive, compondo até seis trilhas sonoras em apenas um ano. Por isso, Jones, a princípio, não queria trabalhar em O Mágico Inesquecível, mas aceitou o convite como um favor pessoal a Sidney Lumet, diretor do filme e que, em 1964, lhe havia dado sua primeira chance de compor uma trilha sonora para cinema.
Quincy Jones atuou como supervisor e produtor musical de O Mágico Inesquecível, trabalhando ao lado de Charlie Smalls, que compôs a maioria das canções para o filme, assim como havia feito com o musical de 1974, que havia servido de inspiração para o filme. Além de Lumet na direção, O Mágico Inesquecível contava com um roteiro escrito por Joel Schumacher e produção de Rob Cohen.
Desde o início, a produção de O Mágico Inesquecível foi conturbada. Berry Gordy, fundador e chefão da Motown, esperava que a jovem cantora Stephanie Mills, que havia estrelado a produção da Broadway, também estrelasse o filme. Contudo, logo Diana Ross se interessou pelo papel. A cantora estava no auge de seu sucesso, era uma das artistas da Motown que mais vendia e em, 1972, havia estreado no cinema com o papel principal em O Ocaso de uma Estrela, que lhe havia rendido, inclusive, uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.
Mesmo assim, Gordy disse não a ela. Contudo, Ross não desistiu do papel e resolveu ir direto a Universal Pictures, estúdio que distribuiria o filme. Ela convenceu Rob Cohen, então no início de sua carreira como produtor, a fechar um acordo com o estúdio para que ela estrelasse o filme e o próprio Cohen o produzisse e assim foi feito. A escalação de Ross para o papel gerou muita resistência desde o início, principalmente, devido a sua idade. A cantora já tinha 33 anos na época e iria intepretar uma jovem recém-saída da adolescência.
Por isso, assim que ela foi escolhida para o papel, John Badham, que estava inicialmente escalado para dirigir O Mágico Inesquecível pediu demissão, sendo substituído por Sidney Lumet. A contratação de Lumet também foi criticada, já que o diretor havia se especializado em filmes dramáticos, profundos e com pesada crítica social e não tinha nenhuma experiência com a direção de musicais.
Além disso, o roteiro de Joel Schumacher também foi extremamente criticado. Primeiro, porque ele não era fiel ao musical da Broadway que deveria servir de base para o filme. Contudo, quase nada de The Wiz foi usado no filme, sendo que a produção havia sido um imenso sucesso, ganhando sete Tony Awards (o prêmio mais importante do teatro norte-americano) em 1975. Além disso, o roteiro de Schumacher foi fortemente influenciado pelos ensinamentos do “guru” e palestrante Werner Erhard, de quem Schumacher era “seguidor” na época.
Ademais, diversos outros aspectos da produção também foram criticados, incluindo, a escalação de Michael Jackson para o papel de espantalho. O cantor não tinha na época, nenhuma experiência com atuação em cinema, mas era muito amigo de Diana Ross que o queria no filme. Tanto Sidney Lumet quanto Quincy Jones foram, a princípio, contrários a ideia de escalá-lo para o papel, mas mudaram de ideia ao conhecê-lo pessoalmente.
Mesmo com todos esses problemas, O Mágico Inesquecível era uma produção de primeira linha. Com um orçamento calculado em cerca de 24 milhões de dólares, o filme foi musical mais caro da história na época de seu lançamento. A obra contava com valores de produção de primeira linha, com figurinos desenhados pelo premiado figurinista Tony Walton e maquiagem concebida pelo genial Stan Winston.
Além disso, o elenco do filme era de primeira linha, contanto com diversos dos melhores atores e atrizes negras da época, incluindo, Richard Pryor, Lena Horne, Nipsey Russell, Ted Ross e Mabel King, além é claro, de Diana Ross e Michael Jackson. Nada disso, no entanto, salvou a produção do desastre total.
Lançado nos Estados Unidos em 24 de outubro de 1978, O Mágico Inesquecível arrecadou apenas 13.6 milhões de dólares em bilheterias. Ou seja, mais de 10 milhões de dólares a menos do que seu custo de produção. Os direitos de exibição do filme na televisão norte-americana já haviam sido vendidos para a CBS por 10 milhões de dólares, mas nem isso salvou o filme do desastre financeiro. Se somados custos de produção, distribuição e promoção, acredita-se que O Mágico Inesquecível tenha dado mais de 10 milhões de dólares de prejuízo a Motown e a Universal Pictures.
Além disso, O Mágico Inesquecível foi extremamente mal recebido pela crítica especializada. A escolha de Diana Ross para o papel principal do filme foi duramente criticada e apontada como um dos principais responsáveis pelo fracasso da produção. O roteiro de Joel Schumacher e a direção de Sidney Lumet também foram, igualmente, criticados. A falta de elementos do musical da Broadway no roteiro do filme foi mal recebida pela crítica especializada, assim como também a qualidade de algumas canções da trilha sonora, que foram consideradas ruins.
No entanto, alguns aspectos do filme, como a atuação de Ted Ross, Richard Pryor e, principalmente, Michael Jackson foram elogiadas. Aliás, a performance de Jackson foi considerada uma das poucas “boas surpresas” da produção, com seu trabalho no filme sendo considerada uma prova cabal de que ele sabia atuar. O fracasso de O Mágico Inesquecível praticamente enterrou o movimento em Hollywood de produzir filmes com elencos predominantemente formados por intérpretes afro-americanos e também representou o fim do auge do “Blaxploitation”.
Apesar de tudo isso, O Mágico Inesquecível foi indicado a quatro Oscars, nas categorias de Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora Adaptada, para Quincy Jones. Essa seria a quarta indicação de Jones ao Oscar e a primeira em dez anos. A produção, no entanto, acabou não levando nenhuma estatueta para casa. O filme também recebeu diversas indicações ao Saturn Awards, premiação dedicada a reconhecer as melhores produções cinematográficas e televisivas nos gêneros de fantasia, ficção científica e terror.
Além disso, o fracasso de O Mágico Inesquecível praticamente encerrou a carreira cinematográfica de Diana Ross, que nunca mais faria filmes para cinema. A atriz e cantora, ainda atuaria em mais dois filmes para televisão nos anos 1990 e encerraria sua carreira na intepretação. O Mágico Inesquecível também praticamente enterraria a Motown Productions. A produtora ainda produziria o filme de artes marciais O Último Dragão (1985), estrelado pelo artista marcial negro Taimak e depois disso seria vendida para a MCA.
Os outros envolvidos na produção de O Mágico Inesquecível, no entanto, teriam mais sorte. Sidney Lumet, dirigiria diversos outros clássicos do cinema nas três décadas seguintes, até falecer em 2011. Rob Cohen se tornaria um bem-sucedido produtor e diretor de filmes de ação a partir dos anos 1980, estando a frente de sucessos de bilheteria, como Coração de Dragão (1996) e Velozes e Furiosos (2002). E Joel Schumacher também se tornaria um diretor de sucesso, dirigindo clássicos, como Os Garotos Perdidos (1987) e O Cliente (1994).
Apesar de, atualmente, O Mágico Inesquecível ser considerado um clássico cult, sua maior importância talvez esteja no fato de que foi durante a produção do filme que Quincy Jones e Michael Jackson se encontraram pela primeira vez. Jackson e seus irmãos haviam acabado de deixar a Motown, gravadora a quem haviam pertencido durante toda suas carreiras, e o jovem cantor, agora já um adulto, procurava um produtor para se novo álbum solo.
Durante as filmagens de O Mágico Inesquecível, Jackson pediu a Quincy Jones recomendações de nomes de produtores que proderiam produzir seu novo álbum. Impressionado com a dedicação e talento de Jackson demonstrados durante a produção do filme, Jones se ofereceu ele mesmo para produzir o trabalho. Juntos, os dois conceberiam Off The Wall (1979), que seria um enorme sucesso de público e crítica, vendendo mais de 20 milhões de cópias no mundo todo.
Em seguida, ele produziriam Thriller (1982), que faria de Michael Jackson, o “Rei do Pop” e de Quincy Jones, o produtor musical mais poderoso e bem-sucedido do mundo. O álbum venderia 70 milhões de cópias no mundo todo, se tornando o disco mais vendido da história e mudando para sempre a música e a cultura pop mundiais. Os dois ainda trabalhria mais uma vez juntos, em Bad (1987), que seria, igualmente, um sucesso, vendendo 35 milhões de cópias no mundo todo. Por tudo isso, O Mágico Inesquecível pode ser considerado um dos trabalhos mais marcantes de toda a carreira de Quincy Jones.
Bob, Carol, Ted e Alice (1969)
Em 1969, Quincy Jones já tinha uma carreira estabelecida em Hollywood como compositor de trilhas sonoras para filme e televisão. Ele, inclusive, trabalhava bastante nessa época, compondo diversas trilhas sonoras para filme por ano, isso sem falar em seus trabalhos para televisão. Nessa época, Jones já havia estabelecido uma fama de grande compositor para filmes dramáticos e pesados e queria fugir desse estereótipo. Por esse motivo, ele resolveu aceitar o trabalho em Bob, Carol, Ted e Alice, uma comédia sobre “amor livre” e “troca de casais”.
Co-escrito e dirigido por Paul Mazursky, Bob, Carol, Ted e Alice conta a história do casal Bob e Carol Sanders (Robert Culp e Natalie Wood) que após um final de semana em uma espécie de “retiro alternativo”, decidem adotar um estilo de casamento aberto em que eles podem fazer sexo com outras pessoas, desde que o envolvimento seja puramente físico. Eles compartilham a novidade com um casal de amigos, Ted e Alice Henderson (Elliott Gould e Dyan Cannon), que são muito mais conservadores e, por isso também, muito mais céticos em relação a esse estilo de vida. Contudo, com o tempo, os dois também serão envolvidos no novo estilo de casamento de Bob e Carol.
Bob, Carol, Ted e Alice foi o primeiro filme dirigido por Paul Mazursky, que já tinha experiência com atuação e roteiro, mas nunca havia dirigido uma película. O cineasta insistiu em dirigir ele próprio a obra, cujo roteiro ele havia escrito em conjunto com Larry Tucker (que produziu o filme). O roteiro de Bob, Carol, Ted e Alice, foi inspirado em um artigo que Mazursky havia lido na Revista Time, sobre as experiências do psiquiatra e terapeuta Fritz Perls no Instituto Esalen, na Califórnia.
Apesar da “inexperiência” de Paul Mazursky na direção, Bob, Carol, Ted e Alice foi um enorme sucesso de público e crítica. Produzido a um custo estimado em cerca de 2 milhões de dólares, o filme arrecadou quase 32 milhões de dólares na época de seu lançamento original. Com isso, a produção se tornou dono da sexta maior bilheteria dos Estados Unidos em 1969.
Bob, Carol, Ted e Alice também foi muito bem recebido pela crítica especializada, sendo elogiado pela maioria dos principais críticos de cinema da época, incluindo, Roger Ebert, Charles Champlin, Gene Siskel e Pauline Kael. Entre os aspectos mais elogiados da produção estavam seu roteiro, as atuações de seu elenco e a trilha sonora de Quincy Jones, que foi considerado um marco em sua carreira, marcando uma virada no estilo de sua obra.
A trilha de Bob, Carol, Ted e Alice, “alegre”, divertida, leve e com muita influência do jazz, era diferente da maioria das trilhas sonoras que Jones havia composto até então. Além disso, a trilha do filme ficou marcada ainda por grandes sucessos, como a canção “What the World Needs Now Is Love”, interpretada por Jackie DeShannon e composta por Burt Bacharach e Hal David. Ademais, o tema de abertura da obra, uma adaptação feita por Jones do oratório “Messiah Part II”, composto por George Frideric Handel, em 1741, também ficou marcada na memória do público.
O sucesso de Bob, Carol, Ted e Alice resultou em quatro indicações ao Oscar daquela temporada, nas categorias de Melhor Ator e Atriz Coadjuvante (para Elliott Gould e Dyan Cannon, respectivamente), Melhor Roteiro Original (para Mazursky e Tucker) e Melhor Fotografia (para o consagrado fotógrafo Charles Lang). Incrivelmente, Quincy Jones não recebeu nenhuma indicação ao Prêmio da Academia, o que foi considerado uma injustiça por muitos críticos de cinema.
Bob, Carol, Ted e Alice também foi indicado a dois BAFTAs, nas categorias de Melhor Roteiro e Melhor Ator (para Elliott Gould), e a dois Globos de Ouro, nas categorias de Melhor Atriz – Comédia (para Dyan Cannon) e Estrela Mais Promissora (também para Cannon). O filme também recebeu indicações em outras premiações importantes e influenciou bastante o cinema hollywoodiano. Seu sucesso, fez com diversas outras obras com temática parecida fossem produzidas.
Um Golpe à Italiana (1969)
O próximo filme da nossa lista, é um clássico do cinema britânico e também um clássico do chamado “heist film”, ou seja, aquele subgênero do cinema em que um grupo de pessoas tenta realizar um grande roubo sem ser pego. Um Golpe à Italiana é dirigido por Peter Collinson e escrito por Troy Kennedy Martin e conta a história de um criminoso recém-saído da cadeia (Michael Caine), que pretende roubar um estoque de barras de ouro enquanto ele é transportado pelas ruas de Turim, na Itália.
Um Golpe à Italiana nasceu como um conceito simples para uma produção televisiva. A princípio, a obra seria sobre um roubo durante um congestionamento na movimentada Oxford Street, em Londres. A ideia foi, na verdade, concebida pelo roteirista Ian Kennedy Martin, irmão de Troy Kennedy Martin, que acabou comprando a ideia e desenvolvendo um roteiro para cinema.
Um Golpe à Italiana foi quase todo filmado em locação, no Reino Unido e também na Itália. O filme ficou conhecido por seus carros, suas cenas de perseguição automobilística, por seu final original e também pela trilha sonora composta por Quincy Jones, amplamente considerada uma das melhores de sua carreira.
Aqui, assim como Bob, Carol, Ted e Alice (1969), Jones procura fugir das trilhas sonoras mais sérias e obscuras que haviam caracterizado seu trabalho durante boa parte dos anos 1960. Em Um Golpe à Italiana, o compositor investe em temas mais animados e que misturam música contemporânea e clássica.
Jones também adapta diversas canções patrióticas britânicas para servirem de música de fundo para a ação que ocorre no filme. Um dos maiores destaque da trilha do filme, é “On Days Like These”, composta por Jones em conjunto com Don Black e interpretada por Matt Monro. A canção, que abre Um Golpe à Italiana, foi um grande sucesso na Inglaterra, vendendo 200 mil cópias e recebendo o disco de prata.
Lançado na Grã-Bretanha em 5 de junho de 1969, o filme foi um sucesso de público no país, se tornando o 14° filme mais visto em solo britânico naquele ano. Nos Estados Unidos, a produção, no entanto, não chamou tanto assim a atenção do público. No entanto, apesar disso, Um Golpe à Italiana, que havia custado cerca de 3 milhões de dólares para ser produzido, arrecadou aproximadamente 9 milhões de dólares em bilheterias na época de seu lançamento, se tornando assim um sucesso financeiro.
Com a crítica especializada, Um Golpe à Italiana também foi um sucesso. Bem recebido pela maioria dos principais críticos de cinema da época, o filme foi elogiado por seu roteiro, suas cenas de ação, seu final criativo e também pelas atuações, principalmente, de Michael Caine e Noël Coward. O filme também foi considerado um representante legítimo da Londres e do “estilo britânico” dos anos 1960.
Incrivelmente, apesar disso, Um Golpe à Italiana só recebeu uma indicação ao Globo de Ouro, de Melhor Filme Estrangeiro em Língua Inglesa (categoria que foi extinta pouco anos depois), tendo sido completamente ignorado pelo Oscar e até mesmo pelo BAFTA, premiação britânica dedicada a premiar principalmente produções produzidas no Reino Unidos. Com o tempo, no entanto, Um Golpe à Italiana se tornou um enorme clássico do cinema.
Atualmente, o filme é considerado um dos melhores filmes britânicos já feitos e também uma das mais importantes e influentes produções de seu subgênero cinematográfico. Sua influència, gerou cópias, homenagens, alusões, uma adaptação para video-game, um remake produzido nos Estados Unidos e lançado em 2003 e, até mesmo, um evento de caridade que ocorre anualmente desde 1990. Não a toa, esse é considerado um dos trabalhos mais importantes da carreira de Quincy Jones.
Os Implacáveis (1972)
O próximo filme da nossa lista é um dos melhores trabalhos de Quincy Jones nos anos 1970. No entanto, surpreendentemente, ele não foi o primeiro escolhido para compor a trilha sonora desse filme. Na verdade, ele só entrou no projeto com o filme já pronto, para compor uma trilha sonora para substituir a trilha que já estava pronta e que não agradou ao protagonista da produção. Te contamos tudo nos parágrafos a seguir.
Os Implacáveis é baseado no livro “The Getaway”, escrito por Jim Thompson e lançado em 1958. No filme, Steve McQueen interpreta Carter “Doc” McCoy, um ladrão condenado a 10 anos de prisão e que aceita roubar um banco para um político e empresário corrupto que tem poder para tirá-lo mais cedo da cadeia. Ele, no entanto, é traído pelo tal empresário e é obrigado a fugir para o México.
McQueen foi encorajado a protagonizar Os Implacáveis por seu empresário, David Foster, que inclusive, acabou produzindo o filme. O ator buscava um papel de “anti-herói” e o personagem principal do livro caia como uma luva para ele. O próprio Jim Thompson foi convidado a escrever o roteiro do filme e Peter Bogdanovich, foi convidado a dirigir a obra, depois que seu filme A Última Sessão de Cinema (1971), impressionou tanto a McQueen quanto a Foster.
Ambos, no entanto, deixariam o projeto devido a problemas com Steve McQueen, que tinha o direito ao “corte final” do filme, ou seja, era quem realmente mandava na produção. Thompson seria demitido por McQueen depois de o ator não gostar da versão final de seu roteiro que tinha um final considerado “deprimente” e “surrealista” demais e que era fiel ao final de seu livro.
Em seu lugar, foi contratado Walter Hill que faria diversas alterações no roteiro de Thompson, incluindo a adição de mais cenas de ação, o transporte do enredo para os dias atuais (a história no livro se passa nos anos 1950) e a inclusão de mais elementos de suspense na história. Curiosamente, Hill foi indicado para o trabalho pelo diretor Peter Bogdanovich, que deixaria o projeto logo depois.
Bogdanovich havia sido convidado pela Warner Bros. para dirigir a comédia Essa Pequena é uma Parada, estrelada por Barbra Streisand e Ryan O’Neal. O estúdio queria que ele começasse as filmagens imediatamente e negou o pedido de Bogdanovich para que eles esperassem que ele terminasse de dirigir Os Implacáveis. Quando Steve McQueen ficou sabendo disso, ele se irritou e disse para Bogdanovich que ia encontrar outro diretor para o seu filme.
Por sugestão do próprio McQueen, Sam Peckinpah foi contratado. Os dois haviam trabalhado pouco tempo antes no faroeste Dez Segundos de Perigo (1972) e McQueen havia gostado da experiência. O filme, no entanto, havia sido um enorme fracasso de bilheteria e Peckinpah estava desesperado para conseguir lançar um sucesso comercial. Além disso, o diretor já havia lido o livro de Jim Thompson e, inclusive, tinha conversado sobre adaptá-lo para o cinema. Por isso, ele não pensou duas vezes antes de aceitar o convite de McQueen.
A escolha da atriz que viveria o par romântico de McQueen no filme também foi um pouco complicada. Diversas atrizes, incluindo, Cybill Shepherd, Stella Stevens, Angie Dickinson e Dyan Cannon foram cogitadas para o papel, até Ali MacGraw finalmente ser escolhida. A atriz estava em alta devido aos sucesso de Love Story – Uma História de Amor (1970) e queria interpretar personagens diferentes dos que ela havia interpretado até então.
MacGraw temia se envolver em um projeto de McQueen e Peckinpah devido a “má fama” que os dois tinham na época. Contudo, a atriz acabou aceitando o papel ao encontrar o ator pessoalmente e se sentir bastante atraida por ele. As filmagens de Os Implacáveis ocorrem todas em locação em diversas regiões do Texas, nos Estados Unidos. Durante as filmagens, McQueen e MacGraw começaram um romance, o que deixou o estúdio temeroso, já que o fato poderia gerar um escândalo e prejudicar a bilheteria do filme. A atriz, acabaria por deixar seu marido e se casar com o ator no ano seguinte.
MacGraw, que ainda estava em começo de carreira, teve dificuldades durante as filmagens devido a sua falta de experiência e anos depois admitiria que não gostou de sua atuação no filme. Além disso, as filmagens de Os Implacáveis foram prejudicadas pela beberrância do diretor Sam Peckinpah, que começou a beber ainda mais do que de costume durante as filmagens, alegando que não conseguia trabalhar sem estar bêbado.
Com as filmagens já completadas, o músico Jerry Fielding foi contratado para compor a trilha sonora de Os Implacáveis. Fielding era um colaborador frequente de Peckinpah e havia trabalhado em diversos filmes do diretor, incluindo os clássicos Meu Ódio Será Sua Herança (1969) e Sob o Domínio do Medo (1971). No entanto, a trilha sonora composta por Fielding desagradou a Steve McQueen. Como o ator tinha a palavra final sobre todos os aspectos do filme, ele contratou Quincy Jones, para compor outra trilha sonora para Os Implacáveis.
A decisão de demitir Fielding e contratar Jones, revoltou a Peckinpah, que comprou uma página inteira na Variety, uma das principais revistas de entretenimento dos Estados Unidos, para públicar uma carta aberta em que agradecia o trabalho de Fielding no filme. Quincy Jones, que não tinha nada a ver com isso, compos uma trilha com forte influência do jazz e que contava com longos solos de gaita do genial gaitista belga Toots Thielemans e vocais performados pelo jazzista norte-americano Don Elliott.
O elogiado trabalho de Quincy Jones em Os Implacáveis lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro, na categoria de Melhor Trilha Sonora Original, a primeira dele nessa categoria, e a única indicação a qualquer premiação recebida por Os Implacáveis. Até porque, esse foi um dos únicos aspectos da produção elogiados pela crítica especializada na época de seu lançamento original. De forma geral, a maioria dos principais críticos da época não gostou do filme, chamando-o de “sem rumo”, “um brinquedo mecânico grande, brilhante e impessoal”, “um filme amargamente decepcionante, feio e inacreditável”, entre outras coisas.
A atuação de Ali MacGraw foi quase que unanimamente criticada, assim como também sua quimica em cena com Steve McQueen. Um dos poucos críticos respeitados que gostou do filme foi Gene Siskel, comparando o com o clássico Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas (1967). Com o tempo, no entanto, Os Implacáveis passou a ser visto de forma mais positiva, sendo, nos dias de hoje, considerado um clássico e mantendo, atualmente, uma taxa de aprovação de 83% no Rotten Tomatoes, principal agregador de críticas especializadas da internet.
Apesar da recepção ruim por parte da crítica, Os Implacáveis foi um imenso sucesso de bilheteria. Produzido a um custo estimado em pouco mais de 3 milhões de dóláres, a produção arrecadou quase 37 milhões de dólares somente nos Estados Unidos, se tornando dono da oitava maior bilheteria do ano no país. Se tornando, assim, uma das maiores bilheterias da carreira de McQueen e a maior bilheteria da carreira de Peckinpah até então.
O diretor, principalmente, que era conhecido por dirigir produções que não davam tanto lucro, se regozijou com o sucesso do filme. “Ele foi bem pago e o filme rendeu muito dinheiro; ele ganhou uma boa quantia de dinheiro também. Depois de toda a decepção e desgosto de todos aqueles (outros) filmes, em que ele não havia sido recompensado ou sido bem pago, (o sucesso de Os Implacáveis) significou muito para ele”, disse Walter Hill muitos anos depois. Pelo trabalho incrível de Quincy Jones no filme e por ser uma das poucos ocasiões em que ele foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Trilha Sonora Original, Os Implacáveis merece um lugar nessa lista
Ironside (1967)
Além de compor trilhas sonoras para cinema, Quincy Jones também compôs trilhas para produções televisivas, como é o caso do próximo título da nossa lista. Ironside era uma série policial, sobre um detetive-chefe que é obrigado a se aposentar ao ficar paraplégico depois de ser atingido por um tiro durante suas férias. Mesmo assim, ele acaba conseguindo ser nomeado para o cargo de “consultor especial” da polícia de San Francisco, nos Estados Unidos, onde ele continua a combater o crime e a ajudar a polícia a desvendar mistérios.
Estrelada por Raymond Burr, que já era consagrado como ator de séries policias e tinha estrelado outra série famosa do gênero (Perry Mason), Ironside foi um grande sucesso de crítica e público, ficando oito temporadas no ar, entre 1967 e 1975 e recebendo diveras indicações ao Globo de Ouro e ao Emmy Awards, principal premiação da televisão norte-americana. A série também deu origem a um filme feito para televisão e lançado em 1993.
Um dos aspectos mais lembrados de Ironside é justamente seu tema de abertura, composto em 1967 por Quincy Jones. O tema foi o primeiro baseado em sintetizadores eletrônicos da história da televisão norte-americana e, como não poderia deixar de ser, tem forte influência do jazz. O enorme sucesso do tema composto por Jones, influenciou outras produções televisivas da época e acabou criando uma notoriedade para além da própria série televisiva, sendo copiado, parodiado e homenageado por diversas outras produções cinematográficas e televisivas até os dias atuais.
Entre as produções recentes mais notórias que utilizaram o tema de Ironside está Kill Bill: Volume 1 (2003), em que o tema aparece com destaque em diversos momentos da história. Além disso, o tema tem sido remixado constantemente e foi rearranjado pelo próprio Quincy Jones em seu álbum “Smackwater Jack”. Além de compor o tema de abertura de Ironside, Jones também compôs a trilha sonora completa dos oito primeiros episódios da série. Por tudo isso, esse é um dos trabalhos mais notórios de sua carreira e merece estar nessa lista.
O Homem do Prego (1964)
O próximo filme da nossa lista, tem uma grande importância não apenas para a carreira de Quincy Jones, mas também para a história do cinema como um todo. O Homem do Prego foi a primeira trilha sonora composta por Jones e mudou totalmente os rumos de sua carreira. Além disso, o filme foi também pioneiro em diversos outros aspectos, sendo a primeira produção norte-americana a tratar sobre o Holocausto do ponto de vista de um sobrevivente e também um dos primeiros filmes lançados nos Estados Unidos, a mostrar um personagem sabidamente homossexual. Além disso, a produção foi também uma das primeiras a contar cenas de nudez durante o período do famigerado Código Hays e a primeira a contar com cenas de seios desnudos a receber aprovação do Código para ser lançado.
Lançado em 1964, ou seja, menos de 20 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, O Homem do Prego conta a história de Sol Nazerman (Rod Steiger), um judeu sobrevivente dos campos de concentração nazistas e que agora vive em Nova York e opera uma casa de penhor em uma das piores regiões do Harlem, que na época, era um dos bairros mais pobres da cidade. Totalmente alienado e anestesiado pelo que viveu durante o Holocausto, Nazerman vive anonimamente, sem falar sobre seu passado e sem esboçar nenhum tipo de sentimento ou empatia pelos miseráveis que vivem a sua volta e que, a todo tempo, tentam ganhar algum dinheiro empenhando objetos em sua loja.
Dirigido por Sidney Lumet, O Homem do Prego foi escrito por Morton S. Fine e David Friedkin e é baseado no livro “The Pawnbroker” (1961) escrito por Edward Lewis Wallant. A princípio, o filme deveria ser produzido na Inglaterra, afim de aproveitar os incentivos financeiros que o pais dava a cineastas na época, mas a produção acabou se movendo para os Estados Unidos. Pelo menos três diretores, atualmente, renomados, estiveram atrelados ao projeto, mas acabaram não aceitando dirigí-lo.
Stanley Kubrick, que não aceitou o convite porque achou que o ator Rod Steiger não estava “tão empolgado” assim com o projeto; Karel Reisz, que disse que não poderia aceitar dirigir um filme que tratasse do Holocausto por “motivos pessoais”, já que seus pais haviam sido mortos em um campo de concentração nazista; e Franco Zeffirelli, que na época era diretor teatral e até se interessou pelo projeto, mas disse que aquele não era o tipo de filme que ele gostaria de dirigir, principalmente, porque aquela seria sua estreia no cinema.
Já o ator Rod Steiger esteve envolvido no projeto desde 1962, na época em que Arthur Hiller estava contratado para dirigir o filme. Com a demissão de Hiller e a contratação de Lumet, o novo diretor passou a procurar por um novo ator para o papel, acreditando que Steiger não era a pessoa certa para interpretar Sol Nazerman. Nessa época, James Mason e até mesmo o comediante Groucho Marx, chegaram a ser considerados para o papel.
Contudo, Steiger acabou por convencer Lumet de que ele era o ator certo para protagonizar O Homem do Prego. O ator chegou até mesmo a aceitar trabalhar no filme 50 mil dólares, um sálario muito abaixo do normal para ele. Steiger, no entanto, confiava no talento de Sidney Lumet com quem já havia trabalhado na série de televisão “You Are There”. Com o tempo, a escolha do ator, se provou acertada, já que o sucesso de O Homem do Prego não apenas fez com que Steiger recebesse uma indicação ao Oscar, mas também colocou seu nome definitivamente na lista de principais atores de Hollywoo, na época.
O Homem do Prego foi quase todo filmado em locação, com pouquíssimas cenas sendo rodadas em estúdio. A maioria das cenas do filme foram rodadas na própria cidade de Nova York, mas algumas filmagens foram feitas no estado de Connecticut e em outras cidades do estado de Nova York. A maioria das cenas de O Homem do Prego foram filmadas no próprio Harlem, onde se passa grande parte da história do filme, com as cenas que se passam na loja de penhor, sendo filmadas em uma loja de penhor localizada em Park Avenue.
O Homem do Prego estreou no Festival de Cinema de Berlin em junho de 1964. O filme seria, inclusive, indicado ao Urso de Ouro e venceria o prêmio de Melhor Ator, para Rod Steiger, além de receber uma menção honrosa no FIPRESCI Award. A produção, no entanto, teve enormes dificuldades para encontrar distribuidores nos Estados Unidos e também na Inglaterra, devido a seu tema pesado e também as suas cenas de nudez explícita.
Contudo, o produtor Ely Landau conseguiu programar a exibição do filme em uma sala de cinema de Londres e o sucesso da produção foi instantâneo, fazendo com distribuidores interessados nos dois países fossem encontrados. Nos Estados Unidos, O Homem do Prego enfrentou um desafio adicional. O famigerado Código Hays ainda estava em vigor no país e obrigava a censura de filmes lançados comercialmente em solo norte-americano.
Depois de muita polêmica, Landau conseguiu lançar O Homem do Prego em Nova York sem o selo de aprovação da Motion Picture Association of America (MPA), entidade responsável por impor o código e aprovar os filmes que estreavam nos Estados Unidos. Com isso, pouco tempo depois, por 6 votos a 3, o MPA resolveu aprovar a distribuição nacional de O Homem do Prego em Nova York com pouquíssimos cortes abrindo uma exceção em um “caso especial e único”.
Dessa forma, o filme foi o primeiro a conter nudez explícita, no caso, seios de fora, a estrear no país com a aprovação do Código Hays. O caso, na verdade, ao invés de ser um caso “único”, acabou por se tornar um precendente que acabaria por dar fim ao Código apenas alguns anos depois.
O Homem do Prego também ficou marcado por conter a primeira trilha sonora composta por Quincy Jones. Na época, o diretor Sidney Lumet procurava um jazzista para compor a trilha sonora do filme e, a princípio, desejava contratar John Lewis, diretor musical do grupo Modern Jazz Quartet. Contudo, o montador Ralph Rosenblum não gostou da escolha, dizendo a Lumet que a música de Lewis era “muito cerebral”. Ele próprio sugeriu o nome de Jones, que foi aceitou pelo diretor.
A trilha sonora composta por Quincy Jones para o filme, que misturava jazz, bossa nova e soul, acabou sendo um sucesso. É no filme também, que aparece pela primeira vez o tema “Soul Bossa Nova”, que ficaria bastante famoso, sendo usado em diversas outras produções, inclusive, nos filmes da franquia Austin Powers. Escrevendo para o site Allmusic, Stephen Cook disse: “Esta trilha sonora de O Homem do Prego, pode não ser tão bem avaliada quanto outras de Quincy Jones, como No Calor da Noite (1967), mas sua mistura fina de jazz, bossa nova, soul e vocais ainda a torna uma de suas melhores. O Homem do Prego é essencial tanto para os fãs de Jones quanto para os fãs de trilhas sonoras de filmes”.
Lançado comercialmente nos Estados Unidos, apenas em abril de 1965, O Homem do Prego foi muito bem recebido pela crítica especializada, sendo elogiado pela grande maioria dos principais críticos de cinema da época. A atuação de Rod Steiger foi unanimemente laureada e lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator daquele ano. Aliás, a única indicação ao Oscar recebida pelo filme.
Steiger também recebeu indicações ao Globo de Ouro e ao BAFTA e tanto ele quanto o filme foram, igualmente, indicados a outras premiações importantes. Devido a sua natureza, O Homem do Prego causou bastante polêmica na época de seu lançamento. Contudo, atualmente, críticos de cinema e estudiosos acreditam que o filme abriu caminho para outras produções que também tratavam do Holocausto do ponto de vista das vítimas do genocídio.
Por toda sua importância, em 2008, O Homem do Prego foi escolhido para preservação no National Film Registry, devido a sua importância estética, cultural e histórica para o cinema norte-americano. O sucesso do filme, fez com que Quincy Jones decidisse deixar de lado sua carreira em gravadoras musicais para se dedicar durante anos a composição de trilhas sonoras para cinema e televisão. Por sua qualidade e por sua importância na carreira de Jones, O Homem do Prego merece estar nessa lista.
Sanford and Son (1973)
O próximo título da nossa lista é outra produção televisiva. Comédia de situação (ou “sitcom”, como é mais conhecido esse gênero) adaptada de uma produção britânica (no caso, a também sitcom Steptoe and Son (1962-1974)), Sanford and Son foi lançada em 1973 para competir com outra sitcom, All in the Family, coincidentemente também adaptada de uma produção britânica. Aliás, nem tanta coincidência assim, já que tanto Sanford and Son quanto All in the Family foram criadas pela mesma pessoa, Norman Lear.
Sanford and Son contava com um elenco formado majoritariamente por intérpretes negros, liderados por Redd Foxx e Demond Wilson, nos papéis de Fred G. Sanford e seu filho, Lamont Sanford. A produção foi ar entre 1972 e 1977 e durante quase todo esse período foi um imenso sucesso de público. Só para se ter uma ideia, em cinco de suas seis temporadas, a sitcom ficou entre os 10 programas mais vistos da televisão norte-americana.
Só em sua última temporada, que sua audiência caiu significativamente e Sanford and Son deixou de ser um dos dez programas televisivos mais vistos dos Estados Unidos. Além disso, sua segunda e quarta temporadas ficaram em segundo lugar entre os programas de televisão mais vistos nos Estados Unidos, ficando atrás apenas (e por pouco), justamente de All in the Family, seu principal concorrente durante quase toda sua existência. O sucesso da série foi tão grande que causou o cancelamento de The Brady Bunch, que acabou perdendo grande parte de seu público para Sanford and Son.
Utilizando uma comédia que poderia ser considerada politicamente incorreta, Sanford and Son fazia muito uso de humor racial, piadas recorrentes e bordões e contava com personagens desbocados, preconceituosos e que faziam parte da classe trabalhadora norte-americana. Muito da graça de Sanford and Son estava justamente no contraponto entre Fred G. Sanford (Redd Foxx), um homem já antiquado, rabugento e cheio de preconceitos e seu filho, um rapaz mais jovem, atualizado e consciente.
O enorme sucesso de Sanford and Son ajudou a redefinir e a popularizar as chamadas “sitcoms negras”, ou seja, aquelas comédias de situação protagonizadas majoritariamente por intérpretes negros, que utilizavam de um tipo de comédia popular entre a comunidade afro-americana e que, com isso também, tentavam representar e, de alguma forma, penetrar o mundo dessa parte da população norte-americana.
O grande sucesso de Sanford and Son também fez de Redd Foxx, uma figura nacionalmente conhecida nos Estados Unidos. Apesar de o comediante já ser famoso entre a comunidade afro-americana, principalmente, devido a seus discos de piadas, é inegável que com a sitcom ele conseguiu atingir nossos públicos. Foxx, no entanto, jamais repetiria o sucesso alcançado com Sanford and Son. Aliás, o sucesso da produção foi tão grande que houveram inúmeras tentativas de recriá-lo com spin-offs. Todas elas, no entanto, malsucedidas.
Como não poderia deixar de ser, um dos fatores que ajudaram na popularidade da série, foi seu tema de abertura composto por Quincy Jones. Com uma pegada descolada, dançante e ousada e contando com um baixo tocado pelo lendário Chuck Rainey, “Sanford and Son Theme” (ou “The Streetbeater, como também ficou conhecido) acabou se tornando parte do imaginário popular.
Apesar de não ter conseguido entrar nos charts da Billboard quando foi lançado em disco em 1973, o tema acabou ficando na memória de muita gente, sendo escolhido em 2011, pelos leitores da famosa revista Rolling Stones, como o 9º melhor tema de abertura de uma série televisiva na história da televisão norte-americana. O tema também foi incluído pelo próprio Quincy Jones em seu álbum de Maiores Sucessos. Por tudo isso, Sanford and Son merece estar nessa lista.
A Sangue Frio (1967)
O ano de 1967 foi um dos melhores da carreira de Quincy Jones. Pode-se dizer que foi nesse ano que ele consolidou sua carreira como compositor de trilhas sonoras em Hollywood e um dos motivos para isso foi ter composto a trilha sonora de A Sangue Frio, uma mistura de thriller, drama criminal e filme de tribunal. A produção que foi dirigida por Richard Brooks é baseada no clássico livro de mesmo nome de Truman Capote que, por sua vez, é baseado em um caso real que chocou todos os Estados Unidos em 1959.
O filme segue basicamente a mesma estrutura do livro, contando através de flashbacks a história do assassinato de quatro membros da família Clutter, ocorrida em novembro de 1959, na pequena cidade de Holcomb, no Kansas. Assim, como no livro o filme também tenta desvendar a personalidade, as intenções e o passado de Perry Smith e Richard “Dick” Hickock, os dois criminosos responsáveis pelos assassinatos.
O filme de Books, no entanto, inclui um personagem extra (“O Repórter”), omite alguns outros personagens, como as duas filhas dos Clutter que não estavam na casa no momento do crime e, por isso, não foram assassinatos e também inclui alguns momentos que não existem no livro. De resto, pode-se dizer que o filme é bastante fiel ao livro. Brooks também quis fazer com que A Sangue Frio tivesse um estilo quase documental.
Por esse motivo, o diretor filmou todas as cenas que pôde em locação, inclusive, na casa onde ocorreram os assassinatos e também comprou diversos objetos e vestimentas relacionadas ao crime para serem utilizadas em cenas. Além disso, Brooks também fez questão de escalar dois atores desconhecidos para os papéis de Perry Smith e Richard “Dick” Hickock para evitar que o público fosse “distraído” por intérpretes já conhecidos. Nesse afã, inclusive, ele recusou uma oferta do estúdio para que A Sangue Frio fosse estrelado por Paul Newman e Steve McQueen, preferindo escalar Robert Blake e Scott Wilson para os papéis principais.
Blake tinha sido um ator mirim, mas a maioria do público não o reconhecia como adulto, já Wilson estava em início de carreira e A Sangue Frio seria seu segundo filme. Aliás, o ator ganhou o papel após ser recomendado por Sidney Poitier e Quincy Jones, que haviam trabalhado com ele em No Calor da Noite (1967), seu primeiro e único filme até então. Jones também estava no início de sua carreira como compositor de trilhas sonoras, que havia começado, como falamos acima, em 1964.
Por isso, antes de 1967, ele havia composto a trilha sonora de apenas outros quatro filmes. Aquele foi seu ano de virada. Já que em 1967, ele compôs a trilha sonora de cinco produções cinematográficas. Ou seja, em apenas um ano, ele trabalhou mais do que em toda sua carreira até então. Além disso, foi nesse ano que ele compôs duas das melhores trilhas sonoras de sua carreira, justamente as de A Sangue Frio e No Calor da Noite.
Incrivelmente, Truman Capote não queria que Quincy Jones composse a trilha sonora de A Sangue Frio, já que o filme não possuia pessoas negras em sua história. Ele teria ligado furioso para Richard Brooks querendo explicações e o diretor o teria mandado se ferrar e confirmado que seria realmente Jones quem comporia a trilha sonora do filme. Depois Capote teria se arrependido e pedido desculpas ao compositor.
Apesar desse embróglio, a escolha de Quincy Jones se mostrou acertada. Sua trilha sonora pesada, com tons dramáticos e, por vezes, quase que hitchcockianos fez bastante sucesso com o público e com a crítica. O uso de baixos acústicos, trompas, tambores e outros instrumentos de percussão e sopro foi tão bem recebida, que o compositor recebeu, inclusive, sua primeira indicação ao Oscar pelo trabalho no filme.
Além da indicação ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original, por seu trabalho em A Sangue Frio, naquele mesmo ano, Quincy Jones também foi indicado na categoria de Melhor Canção Original, pela canção “The Eyes of Love”, do filme Um Homem em Leilão. As indicações, consolidaram de vez a carreira de Jones como compositor para cinema e televisão e foram um grande feito em uma época em que pouquíssimos compositores negros trabalhavam em Hollywood.
A Sangue Frio também recebeu mais três indicações ao Oscar daquele ano, nas categorias de Melhor Direção, Roteiro Adaptado e Fotografia. Apesar de não vencer em nenhuma delas, o filme foi um grande sucesso de público e crítica, sendo elogiado pela grande maioria dos principais críticos de cinema de sua época e arrecadando cerca de 13 milhões de dólares em bilheterias, bem mais do que os 3.5 milhões de dólares que o filme custou para ser produzido.
Com o tempo, A Sangue Frio foi ganhando ainda mais status entre cinéfilos e críticos de cinema. Além de ser, atualmente, considerado um dos melhores trabalhos da carreira tanto de Quincy Jones quanto do diretor Richard Brooks, em 2008, a produção também foi considerada, pelo respeitado American Film Institute (AFI), o oitavo melhor filme de tribunal de toda a história do cinema norte-americano.
No mesmo ano, A Sangue Frio também foi escolhido para preservação no National Film Registry, devido a sua importância estética, histórica e cultural. Atualmente, o filme é amplamente considerado um dos exemplos mais marcantes do “novo realismo” que tomou conta do cinema hollywoodiano a partir dos anos 1960. Por tudo isso, essa obra-prima do cinema e da carreira de Quincy Jones merece um lugar especial em nossa lista.
No Calor da Noite (1967)
Como dito acima, 1967 foi o ano que mudou a carreira de Quincy Jones para sempre. Isso porque, nesse ano, ele compôs duas trilhas sonoras que estabeleceram de vez seu nome como um dos principais compositores de Hollywood. Já falamos sobre uma dessas trilhas sonoras acima e agora, falaremos sobre a outra. Lançado em 1967, No Calor da Noite é sobre um policial, o Detetive Virgil Tibbs, que está visitando sua mãe em uma cidadezinha do Mississippi e que por ser negro acaba sendo implicado no assassinato de um magnata que está na cidade para construir uma fábrica que dará emprego para mais de mil moradores locais.
Desfeito o mal entendido inicial, Tibbs é obrigado a auxiliar na investigação do assassinato e tem que lidar com a incompetência dos policiais locais, o racismo escancarado de praticamente todos os moradores e o interesse político que gira em torno da construção da fábrica. Dirigido por Norman Jewison e estrelado por Sidney Poitier, no papel do Detetive Virgil Tibbs, e Rod Steiger, no papel do Chefe de Polícia Bill Gillespie, No Calor da Noite é baseado em um livro de mesmo nome escrito por John Ball e lançado em 1965.
Apesar de se passar no Mississipi, No Calor da Noite foi quase todo filmado no estado do Illinois, com pouquíssimas cenas sendo filmadas no sul dos Estados Unidos. A trilha sonora composta por Quincy Jones, tenta trazer para o filme toda a atmosfera musical do sul dos Estados Unidos, onde se passa a história de No Calor da Noite, e por isso, conta com forte influência do blues e do jazz.
Ao mesmo tempo, o trabalho de Jones também tem que dar conta do clima pesado do filme e das muitas cenas dramáticas que a produção possui. Afinal de contas, No Calor da Noite é um drama policial com fortes tons de mistério, suspense e, claro, política, como não poderia deixar de ser em um filme protagonizado por um ator negro e que se passa no sul dos Estados Unidos durante os anos 1960.
É claro que com o imenso talento que Quincy Jones sempre teve, ele deu conta do recado e essa é considerada por muitos críticos, inclusive, a melhor trilha sonora de sua carreira. Além de contar com a genialidade de Jones, a trilha sonora de No Calor da Noite conta também com o trabalho de outros gênios, incluindo, Ray Charles que interpreta o tema principal do filme, a canção “In the Heat of the Night”, que foi composta por Quincy Jones em parceria com o casal de compositores Marilyn e Alan Bergman.
Lançada em disco no mesmo ano de lançamento do filme, a canção foi um sucesso de vendas, ficando em 33º lugar entre as 100 músicas mais tocadas dos Estados Unidos na época. Além de Charles, a trilha sonora de No Calor da Noite conta também com vocais de Glen Campbell e Gil Bernal e com o trabalho de outros músicos geniais, como o multi-instrumentista Roland Kirk, considerado um dos principais nomes do jazz avant-garde nos anos 1960 e 1970.
O incrível trabalho de Quincy Jones em No Calor da Noite, ajudou a dar ainda mais brilho a um filme que acabou por se tornar um dos mais importantes dos anos 1960. Lançado comercialmente nos Estados Unidos em 2 de agosto de 1967, a produção foi um sucesso de público e crítica. Produzido a um custo estimado em cerca de 2 milhões de dólares, o filme arrecadou mais de 24 milhões de dólares durante sua passagem pelos cinema norte-americanos.
Além disso, No Calor da Noite foi muito bem recebido pela crítica especializada da época, recebendo elogios da maioria dos principais críticos de cinema que atuavam nos Estados Unidos naquele momento. As atuações de Sidney Poitier e Rod Steiger foram unanimemente elogiadas, assim como também a direção de Norman Jewison e o roteiro de Stirling Silliphant, entre outros aspectos do filme.
No Calor da Noite recebeu sete indicações ao Oscar daquele ano, incluindo indicações nas categorias de Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado, Ator (para Rod Steiger) e Montagem. O filme acabou vencendo em cinco categorias, incluindo, Melhor Filme, Ator e Roteiro Adaptado, se tornando o maior vencedor da noite. Surpreendentemente, nem Quincy Jones nem Sidney Poitier foram indicados ao Oscar por seus trabalhos no filme.
No caso de Jones, a ausência talvez se justifique pelo fato de ele já estar indicado por seus trabalhos em A Sangue Frio e Um Homem em Leilão. No Calor da Noite também foi indicado a quatro BAFTAs e a sete Globos de Ouro. Jones também não foi indicado nessas premiações, mas foi indicado a um Grammy Awards (principal premiação da indústria fonográfica norte-americana), por seu trabalho em No Calor da Noite.
Atualmente, No Calor da Noite é amplamente considerado um dos melhores trabalhos de Quincy Jones e também um dos melhores e mais importantes filmes de toda a história do cinema norte-americano. Em 2002, a produção foi escolhida para preservação no National Film Registry, devido a sua importância estética, histórica e cultural. No Calor da Noite gerou duas continuações e uma série de televisão e se tornou extremamente influente com o passar dos anos. Por tudo isso, esse filme não poderia deixar de constar em nossa lista.
A Cor Púrpura (1985)
Em 1985, Quincy Jones estava há sete anos sem compor nenhuma trilha sonora para cinema e televisão. Seu último trabalho nesse sentido, havia sido em O Mágico Inesquecível (1978). Apesar de seu trabalho no filme ter sido reconhecido com uma indicação ao Oscar, a produção em si, havia sido em um enorme fracasso de público e crítica. No entanto, sete anos depois, Jones era o produtor musical mais poderoso do mundo, graças ao seu trabalho em parceria com Michael Jackson. Jones havia produzido os dois últimos trabalhos de Jackson, que haviam sido enormes sucessos de público e crítica, sendo que um deles, Thriller (1982), ainda é, até hoje, o álbum mais vendido da história da indústria fonográfica.
Foi nesse contexto, que Quincy Jones assumiu a produção da adaptadação para o cinema do livro A Cor Púrpura, de Alice Walker. Romance que se passa no sul dos Estados Unidos e toca em temas pesados, como pobreza, racismo, incesto, exploração e abuso sexual, violência doméstica e sexismo, A Cor Púrpura era de dificilmente adaptação para o cinema norte-americano da época, Walker, inclusive, resistia em comercializar os direitos sobre o livro temendo o que Hollywood faria com ele.
Contudo, ela resolveu permitir a adaptação do livro para cinema desde que ela pudesse servir como consultora do filme e que a produção contasse com ao menos metade da equipe de produção formada por mulherees, pessoas negras ou “do terceiro mundo”. Walker chegou, inclusive, a escrever uma primeira versão do roteiro, mas essa função foi dada ao roteirista e cineasta holandês Menno Meyjes, como ela apenas aprovando a versão final do roteiro.
Á procura de um cineasta para dirigir A Cor Púrpura, Jones foi atrás de Steven Spielberg, mas o diretor que até aquele ponto só havia dirigido produções mais comerciais relutou em aceitar o trabalho. Alice Walker também não acreditava que ele era a pessoa certa para o trabalho, até assistir a E.T. O Extraterrestre (1982). Spielberg abriu mão de seu cachê e trabalhou pelo salário mínimo exigido pelo sindicato dos diretores (DGA), na época.
Para o elenco, Walker queria atores e atrizes desconhecidos. Na época, Whoopi Goldberg estava se apresentando com um monólogo cômico na Broadway e era totalmente desconhecida do grande público. A atriz tinha atuado em apenas um filme em sua carreira, uma produção independente que praticamente não tinha tido nenhuma repercussão nem entre o público e nem entre a crítica especializada. Mesmo assim, seu desempenho nos palcos impressionou a Alice Walker e a Steven Spielberg e ela foi escolhida para protagonizar A Cor Púrpura.
A grande maioria dos outros atores do elenco também não tinha experiência em cinema e vinha do teatro. Esse eram os casos de Danny Glover, Adolph Caesar e Carl Anderson. Já a atriz ganesa Akosua Busia, que era filha do ex-primeiro ministro de Gana Kofi Abrefa Busia, só havia tido papéis pequenos em produções televisivas e cinematográficas. Já Oprah Winfrey era apresentadora de rádio e televisão e não tinha qualquer experiência com atuação. Winfrey, no entanto, foi contratada devido a insistência de Quincy Jones que, inclusive, queria que ela tivesse mais falas no filme.
A única atriz de carreira mais consolidada do elenco era Margaret Avery, que foi escolhida para interpretar Shug Avery, e que atuava profissionalmente em televisão e cinema desde o início dos anos 1970. O papel de Shug, inclusive, foi oferecido as cantoras Chaka Khan e Tina Turner, mas elas não se interessaram.
Já Patti LaBelle e Sheryl Lee Ralph chegaram a ser testadas para o papel antes que Avery fosse escolhida. Apesar de sua experiência musical, sua voz nas canções que aparecem no filme foi dublada por Táta Vega, incluindo no clássico “Miss Celie’s Blues (Sister)”. Grande parte das cenas de A Cor Púrpura, foi filmada em locação em cidades do estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Alguns cenas foram filmadas no país africano do Quênia por Frank Marshall, que além de produtor do filme também atuou como diretor de segunda unidade. Cenas adicionais também foram rodadas nos estúdios da Universal, em Los Angeles. Curiosamente, como o filme foi quase todo rodado no verão, as cenas que contêm neve foram feitas com neve artificial. Além disso, as ruas asfaltadas da cidade Marshville, tiveram que ser cobertas de barro para darem a impressão de não estarem asfaltadas, já que iriam aparecer assim em algumas cenas do filme.
Além de produtor de A Cor Púrpura, Quincy Jones também compôs a trilha sonora do filme, marcando a primeira vez na carreira de Steven Spielberg em que a trilha sonora de um de seus filmes não foi composta por John Williams. Para compor a trilha sonora de A Cor Púrpura, Jones contou com a ajuda de outros 11 músicos, já que ele estava exercendo dupla função, como compositor e produtor.
A trilha sonora de A Cor Púrpura, combina elementos de jazz clássico e de época, blues e gospel, e apresenta diversas canções populares da década de 1880. A mistura deu bastante certo e a trilha sonora do filme foi um de seus aspectos mais elogiados recebendo, inclusive, duas indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Canção Original, para “Miss Celie’s Blues (Sister)”. A canção, inclusive, chegou a ser lançada como single e atingiu o número 55 da lista de canções de R&B mais escutadas dos Estados Unidos na época. As três indicações recebidas por Quincy Jones (as duas já citadas e a de Melhor Filme) por seu trabalho em A Cor Púrpura foram as últimas de sua carreira.
A Cor Púrpura pré-estreou em Los Angeles em 18 de dezembro de 1985, afim de que o filme se tornasse elegível para o Oscar daquela temporada e só foi estrear comercialmente em todos os Estados Unidos em fevereiro de 1986. A produção foi um imenso sucesso de público. Mesmo com seus temas pesados, o filme arrecadou quase 100 milhões de dólares em bilheterias, se tornando dono da quarta maior daquele ano. Levando em conta que a obra custou cerca de 15 milhões de dólares para ser produção, ela acabou dando bastante lucro para a Warner Bros., estúdio que a distribuiu.
A Cor Púrpura também foi bem recebido pela crítica especializada da época, que elogiou diversos aspectos de sua produção, incluindo, seu roteiro, seus valores de produção e a atuação de seu elenco e, principalmente, de Whoopi Goldberg, que muitos consideraram a melhor atuação do ano e digna de um Oscar. O filme, como não poderia deixar de ser em uma produção desse tipo, também recebeu críticas negativas e suscitou debates sobre como os negros, principalmente, homens eram retratados no filme e também em relação a escolhas feitas ao se adaptar o livro para telonas, como a escolha de não retratar o relacionamento lésbico entre as personagens Cellie e Shug.
No entanto, de forma geral, o saldo de A Cor Púrpura foi positivo e o filme recebeu 11 indicações ao Oscar daquele ano, incluindo indicações a Melhor Filme, Atriz, Atriz Coadjuvante (tanto para Margaret Avery quanto para Oprah Winfrey) e Roteiro Adaptado. Incrivelmente, Spielberg não foi indicado na categoria de Melhor Direção. Mais increvelmente ainda é o fato de que a produção acabou não levando nenhuma estatueta para casa, perdendo em todas as categorias e empatando o recorde negativo de Momento de Decisão (1977), de mais indicações ao Oscar sem obter uma vitória sequer.
Nem mesmo a atuação de Goldberg, amplamente considerada a melhor do ano foi reconhecida pelos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, instituição que organiza e entrega o Oscar. O maior vencedor daquele ano foi o drama histórico Entre Dois Amores, que venceu em sete categorias, incluindo Melhor Filme, Direção e Roteiro Adaptado. A Cor Púrpura foi ainda indicado a um BAFTA, de Melhor Roteiro Adaptado, e a cinco Globos de Ouro, onde Goldberg venceu na categoria de Melhor Atriz – Drama.
O filme também foi indicado e venceu diversas outras premiações importantes daquela temporada. Por ser uma das produções mais conhecidas e laureadas tanto da carreira de Steven Spielberg quanto da carreira de Quincy Jones. Por ser também um de seus trabalhos mais conhecidos e elogiados, além de ser a única ocasião em que Jones recebeu três indicações ao Oscar em um mesmo ano, A Cor Púrpura não poderia faltar em nossa lista.
Bônus
Roots (1977)
Além das dez produções listadas acima, decidimos listar ainda um produção “extra”, a minissérie Roots (1977), que conta a saga de uma família de afro-americanos durante a era da escravidão nos Estados Unidos. A produção foi um imenso sucesso de público e crítica, atingindo recordes de audiência durante sua exibição original e sendo indicada a 37 Emmys, o prêmio mais importante da televisão norte-americana.
Quincy Jones compôs música para a produção, mas só compôs realmente a trilha sonora do primeiro episódio de Roots. Sendo que, a trilha sonora do resto dos episódios, assim como o tema principal da série, foram compostos pelo veterano músico Gerald Fried. Contudo, o trabalho de Jones na produção é até hoje elogiado e ele, junto com Fried, foram indicados ao Emmy por seus trabalhos de composição musical na minissérie. Além disso, Roots foi tão importante para a televisão norte-americana que seria impossível deixá-la totalmente de fora dessa lista.
Tanto é assim, que a produção gerou uma continuação, um filme para televisão, um spin-off e também um remake. Isso sem falar que um álbum com música retirada da minissérie e que foi rearanjada e conduzida pelo próprio Quincy Jones foi lançado em 1977 e foi um grande sucesso de vendas. Por tudo isso, tinhamos que pelo menos citar Roots aqui, mesmo que a participação de Jones na produção não tenha sido grande o suficiente para que ela constasse em nossa lista principal.
Conclusão
Quincy Jones foi um mestre da música, exercendo com sucesso quase todas as funcões possíveis na indústria musical, compositor, performer, produtor, diretor musical, etc. Trabalhando na indústria fonográfica, em televisão e em cinema, sempre com muito sucesso e competência. Por esse motivo, ele está entre os grandes da arte que escolheu praticar. Por isso também, recebeu indicações ao Oscar, ao Globo de Ouro, ao BAFTA, ao Emmy, ao Tony Awards (principal premiação do teatro norte-americano), além de 80 indicações ao Grammy, principal premiação da indústria da música nos Estados Unidos.
Por tudo isso, Jones merece todas as homenagens possíveis e essa lista é uma delas. Esperamos que você tenha gostado. Comente abaixo qual é sua trilha sonora favorita de Quincy Jones. Ou talvez você prefira o trabalho dele como produtor musical. Não importa. O importante é comentar, pois seu cometário é muito importante para nós.