Pôster de Oppenheimer (2023). Distribuição: Universal Pictures.
Pôster de Oppenheimer (2023). Distribuição: Universal Pictures.

Com 548 indicações (e 319 vitórias) nessa temporada de premiações, incluindo 13 ao Oscar e ao BAFTA e oito ao Globo de Ouro, Oppenheimer é o filme mais premiado de 2023 e também, com certeza, um dos mais premiados nos últimos anos. A produção também foi amplamente aclamada pela crítica especializada e atualmente mantêm uma taxa de aprovação de 93% no Rotten Tomatoes, principal agregador de críticas especializadas do mundo. Além disso, Oppenheimer também foi um enorme sucesso de público, tendo arrecadado mais de 964 milhões de dólares em bilheterias e se tornado o terceiro filme mais visto de 2023.

Por tudo isso, essa é uma produção que merece ser assistida por todos aqueles que gostam de bom cinema e também por aqueles que têm interesse por um dos momentos históricos mais relevantes e interessantes do século XX. Por esse motivo, nós assistimos a Oppenheimer e trazemos uma análise completa para você. Se você já assistiu ao filme, nossa análise pode ajudá-lo a eventualmente enxergar aspectos da obra que você não havia visto antes. E se você ainda não assistiu Oppenheimer, esperamos que nossa análise te encoraje a assistí-lo, Por isso, não deixe de ler esse texto até o final. Um aviso, se você ainda não viu o filme, esse texto contêm alguns spoilers.

Oppenheimer: Um drama histórico de primeira linha

Primeiro, é importante destacar que Oppenheimer é um filme histórico com pitadas de dramaticidade e também de suspense. Os fatos retratados na obra realmente ocorreram e com exceção de um ou outro detalhe o filme é bastante fiel ao que ocorreu na vida real. Aliás, a maioria dos historiadores consideraram o filme “altamente preciso” para uma produção hollywoodiana. Isso porque, em filmes e séries históricas é comum os roteiristas e diretores mudarem fatos para tornar a produção “mais interessante” para o público.

O roteiro de Oppenheimer foi escrito pelo próprio diretor Christopher Nolan e é baseado no livro American Prometheus (ou “Prometeus Americano”, na tradução literal para o português) de autoria de Kai Bird e Martin J. Sherwin. Lançado em 2005, o livro venceu o Prêmio Pulitzer (principal premiação da indústria editorial norte-americana) em 2006. Por esse motivo, desde praticamente seu lançamento existia interesse na adaptação do livro para cinema.

Continue depois da publicidade

Só para se ter uma ideia, o projeto passou pelas mãos de gente renomada, como os diretores Sam Mendes e Oliver Stone. Até que em 2015, J. David Wargo comprou os direitos de adaptação para o cinema do livro. Através do ator James Woods e do produtor Charles Roven, Wargo conseguiu marcar um encontro com Nolan e entregar-lhe uma cópia do livro. Contudo, foi apenas em 2020, após o fim da produção de Tenet, que o cineasta finalmente resolveu tirar o projeto do papel.

Cena de Oppenheimer. Créditos: Universal Pictures
Cena de Oppenheimer. Filme é favorito a vencer nessa categoria. Créditos: Universal Pictures

As filmagens de Oppenheimer, no entanto, só começaram realmente em fevereiro de 2022 e foram relativamente rápidas, terminando em maio do mesmo ano. Como é comum no trabalho de Nolan, muitas das cenas da produção foram filmadas em locação e grande parte dos efeitos necessários para o filme foram obtidos através de efeitos práticos. Inclusive, o diretor recriou de verdade algumas explosões que aparecem no filme, optando por não usar imagens geradas por computador, o famoso CGI.

Apesar disso, efeitos gerados por computador foram utilizados no filme, mas na maior parte das cenas, eles foram utilizados apenas para melhorar e dar mais realismo a cenas que já haviam sido filmadas de forma prática durante as gravações do filme. Segundo Nolan, a primeira pessoa a ver o filme pronto foi o lendário cineasta Steven Spielberg.

Oppenheimer: Um filme baseado em uma história real

Oppenheimer é baseado na vida de J. Robert Oppenheimer, o físico teórico norte-americano que liderou o Projeto Manhattan, responsável por desenvolver as primeiras armas nucleares utilizadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Por seu papel no desenvolvimento dessas armas, ele ficou mundialmente conhecido como o “pai da bomba atômica”.

Continue depois da publicidade

O filme se concentra principalmente no período em que Oppenheimer ajudou a conceber e a liderar o Projeto Manhattan, que reuniu alguns dos maiores físicos e cientistas do mundo e logrou êxito em desenvolver as duas primeiras bombas atômicas do mundo. Além disso, o filme também conta um pouco da história c do físico, tanto de forma linear quanto através de alguns flashbacks. Ademais, a produção se concentra também, principalmente no final da história, a mostrar o que ocorreu com Oppenheimer após o desenvolvimento das bombas.

Utilizando bastante tempo do filme para mostrar as suas dúvidas em relação ao uso das bombas, a crença de que a bomba poderia pôr fim a todas as guerras e também as consequências históricas e políticas de seu uso. A produção também mostra em detalhes a tentativa de Oppenheimer de evitar uma corrida armamentista (que acabou ocorrendo) e a sua luta para tentar convencer o governo americano a não desenvolver outras armas nucleares, como a bomba de hidrogênio.

Além de suas tentativas de convencer o governo norte-americano a compartilhar a tecnologia com outras potências militares da época, incluindo a União Soviética, principal rival dos Estados Unidos na época, e também sua tentativa de fazer com que as nações do mundo assinassem um acordo de não proliferação nuclear.

Ademais, o filme dá bastante destaque a sua ascenção, queda e depois restabelecimento dentro da comunidade científica e dentro do governo dos Estados Unidos. A obra mostra em detalhes o processo que levou Oppenheimer a perder suas credenciais de segurança e assim ser desacreditado junto a comunidade científica da época. Mostra também seu envolvimento político, principalmente, com o Partido Comunista dos Estados Unidos. Fato que depois foi utilizado contra ele.

Continue depois da publicidade
Elenco e equipe de produção de Oppenheimer recebem o Oscar de Melhor Filme. Imagem: grazia.co.in
Elenco e equipe de produção de Oppenheimer recebem o Oscar de Melhor Filme. Imagem: grazia.co.in

No tocante a vida pessoal de Oppenheimer, o filme dá bastante destaque a sua relação com sua esposa, Katherine “Kitty” Oppenheimer, mas também mostra que o cientista era um mulherengo que teve diversas amantes, sendo a principal delas a psiquiatra Jean Tatlock, que é interpretada por Florence Pugh. Tatlock era militante comunista e foi a principal responsável por introduzir Oppenheimer ao mundo da política. O papel de Kitty é tão importante no filme que a atriz que a interpreta, Emily Blunt, acabou recebendo indicações ao Oscar e a diversas premiações importantes. Kitty funciona quase como um contraponto a Oppenheimer e a sua personalidade, por vezes, passiva demais.

O obra dá bastante destaque a relação problemática dos dois e também mostra como que o aparente suicídio de Tatlock, que tinha diversos problemas psicológicos, afetou profundamente Oppenheimer em um dos momentos mais importantes de sua vida. A produção dá ainda bastante destaque para relação entre Oppenheimer e Albert Einstein, que no filme é mostrada quase como se fosse uma relação de amor e ódio ou do velho e do novo, já que Einstein era 25 anos mais velho que Oppenheimer e, naquela época, era visto quase como um cientista aposentado.

Mas acima de tudo, o filme se concentra na relação entre Oppenheimer e Lewis Strauss, interpretado por Robert Downey Jr. Strauss foi um ex-oficial da marinha, empresário e político americano que teve enorme importância no programa nuclear norte-americano, sendo um dos membros originais da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos e seu presidente durante boa-parte dos anos 1950.

Devido as posições e opiniões diferentes sobre como o programa nuclear norte-americano deveria ser conduzido e também sobre como a energia e armas nucleares deveriam ser utilizadas, Strauss e Oppenheimer se tornaram rivais durante os anos 1940 e 1950. Strauss defendia que os Estados Unidos deveriam continuar a pesquisar e desenvolvendo armas nucleares, incluindo a temida bomba de hidrogênio, e monitorando as outras potências rivais para estar sempre a frente delas no desenvolvimento de armas nucleares.

Continue depois da publicidade

Já Oppenheimer acreditava que o desenvolvimento de novas armas nucleares deveria ser controlado e o projeto da bomba de hidrogênio abandonado. Além disso, ele acreditava que deveria haver uma limitação internacional em relação ao desenvolvimento de novas armas nucleares e que para evitar uma corrida armamentista, os Estados Unidos deveriam compartilhar seu conhecimento no tema com outras potências internacionais, incluindo, a rival União Soviética.

Emily Blunt em cena de Oppenheimer. Distribuição: Universal Pictures.
Emily Blunt em cena de Oppenheimer. Distribuição: Universal Pictures.

Devido a essa rivalidade, Strauss procurou retirar Oppenheimer da discussão pública sobre o tema. Já que na época, o físico era considerado o principal especialista do mundo em armas nucleares e um dos cientistas mais famosos do planeta. Na tentativa de desacreditar Oppenheimer e retirá-lo da discussão, Strauss manobrou para que o cientista perdesse suas credenciais de segurança em 1954, fazendo assim como sua confiabilidade e sua lealdade aos Estados Unidos fossem questionadas e assim ele perdesse sua credibilidade como cientista e figura pública.

A manobra de Strauss foi a princípio bem-sucedida, já que Oppenheimer perdeu suas credenciais em 1954, o que efetivamente encerrou seu trabalho de pesquisa junto ao governo norte-americano e também sua carreira como físico nuclear. Contudo, a longo prazo, Strauss acabou por sofrer as consequências de seus atos. Em 1959, ele sofreu uma humilhação pública quando sua nomeação a Secretário do Comércio dos Estados Unidos foi rejeitada pelo Senado Americano.

Aquela era a primeira vez desde 1925 em que o Senado rejeitava uma indicação do Presidente da República. A rejeição foi atribuída em boa parte, ao enorme número de inimigos que Strauss fez durante o processo de descrendenciamento de Oppenheimer em 1954, principalmente, na comunidade científica. A rejeição do Senado praticamente deu fim a carreira política de Strauss, que ficou extremamente magoado com o fato.

Continue depois da publicidade

Em 1963, menos de dez anos após perder suas credenciais, Oppenheimer recebeu das mãos do presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, o importante Prêmio Enrico Fermi, como um gesto de reconciliação política. Em 2022, seu descrendenciamento foi considerado oficialmente sem efeito pelo governo norte-americano.

Um filme tecnicamente perfeito

Oppenheimer é um filme tecnicamente impecável e praticamente sem defeitos. Não a toa, a produção recebeu 13 indicações ao Oscar e ao BAFTA. A reconstituição histórica é de encher os olhos de qualquer um que ama cinema e enxerga o fazer cinematográfico como uma arte. Aspectos como figurino, cenários e direção de arte estão irretocáveis. A fotografia é quase um destaque a parte já que o filme é parte em cores e parte em preto e branco (falaremos mais sobre isso abaixo), uma escolha estética feita por Nolan para diferenciar os pontos de vista de Strauss e Oppenheimer.

Não por acaso, o diretor de fotografia holandês Hoyte van Hoytema ganhou um Oscar e um BAFTA por seu trabalho no filme. A montagem de Oppenheimer também é extremamente interessante, com um ritmo dinâmico que consegue transmitir muito bem momentos de suspense e também de ansiedade e medo do personagem principal do filme. O interessante é que tanto a montadora do filme quanto o diretor escolheram inserir imagens rápidas durante as cenas para tentar demonstrar o que Oppenheimer estava pensando ou sentindo em determinados momentos do filme, com o uso, inclusive, de imagens do cosmo e de fenômenos físicos.

Robert Downey Jr. em Oppenheimer
Robert Downey Jr. em Oppenheimer – Imagem: Universal Pictures

Novamente, não surpreende que a montadora Jennifer Lame também tenha ganho um Oscar e um BAFTA por seu trabalho no filme. Até mesmo a trilha sonora e o trabalho de maquiagem de Oppenheimer são impecáveis. A maquiagem é usado de forma muito eficiente na caracterização dos atores e também em seu rejuvenescimento e envelhecimento. Como o filme é baseado em fatos reais e todos os personagens do filme são pessoas que existiram na vida real, o trabalho de caracterização dos atores é de suma importância para dar realismo a história que está sendo contada.

Continue depois da publicidade

Já a premiada trilha sonora de Oppenheimer ajuda a construir o clima do filme, auxiliando também no processo de transmissão dos sentimentos e pensamentos dos personagens. Como todo mundo que acompanha cinema sabe, uma boa trilha é fundamental na construção de um bom filme. Não a toa, muitas vezes, a trilha sonora de um filme fica até mais conhecida do que o próprio filme. A qualidade da trilha de Oppenheimer é tamanha que deu a seu compositor, o sueco Ludwig Göransson, vitória em todas as principais premiações do ano, incluindo o Oscar.

O trabalho técnico em Oppenheimer é tão impecável que de todas as chamadas categorias técnicas do Oscar, o filme só não foi indicado em duas, Melhor Canção Original e Melhores Efeitos Visuais. Isso porque a trilha sonora do filme não é muito focada em canções e também porque o filme utiliza poucos efeitos visuais por assim dizer, preferindo utilizar efeitos práticos realizados durantes as filmagens e utilizar efeitos visuais apenas para corrigir e melhorar o que foi feito no set de filmagens. De resto, em todas as outras categorias, o filme recebeu pelo menos uma indicação.

Dois atores principais e um elenco estelar

É impossível falar de Oppenheimer sem falar do trabalho impecável realizado por seu elenco. Não a toa, o filme venceu o Screen Actors Guild Awards (ou SAG Awards, como é mais conhecido) de Melhor Elenco em um Filme. O prêmio é organizado pelo poderoso Sindicato dos Atores dos Estados Unidos (ou “Screen Actors Guild”, em inglês) e é a mais importante premiação de Hollywood dedicada a reconhecer exclusivamente o trabalho de atores e atrizes.

Talvez, o mais impressionante do elenco de Oppenheimer é que ele está recheado de atores e atrizes talentosos e premiados em papéis relativamente pequenos ou mesmo apenas participações. Só para se ter uma ideia, o presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman, é interpretado pelo talentosíssimo ator britânico Gary Oldman, que aparece em apenas uma breve (mas, importante) cena no filme. Oldman é um dos atores mais importantes de sua geração e tem três indicações ao Oscar e seis ao BAFTA. No entanto, ele aceitou fazer essa pequena participação no filme que, aliás, foi filmada em apenas um dia.

Continue depois da publicidade

Exemplos assim não faltam. Isso porque diversos físicos e cientistas importantes da época fazem pequenas aparições no filme e muitos deles são interpretados por atores com carreira já consolidada no cinema. Talvez entre esses cientistas que fazem aparições pontuais no filme os mais importantes no contexto da obra sejam Niels Bohr e Albert Einstein interpretados, respectivamente, por Kenneth Branagh e Tom Conti. Esse último é um ator escocês premiado. Contudo, Branagh tem uma carreira ainda mais laureada.

Cillian Murphy em cena de Oppenheimer. Créditos: Universal Pictures.
Cillian Murphy em cena de Oppenheimer. Créditos: Universal Pictures.

O ator e diretor britânico é um dos mais importantes nomes do cinema e do teatro britânico de sua geração, já tendo obtido oito indicações ao Oscar e oito ao BAFTA e sendo um dos mais importantes atores e diretores shakesperianos vivos. Por isso, é interessante ver ele interpretando um personagem importante no filme (afinal de contas Bohr é uma espécie de ídolo para Oppenheimer), mas que aparece apenas em poucas cenas.

Entre outros personagens importantes na narrativa, mas que aparecem apenas em momentos específicos do filme estão o militar e oficial da inteligência Boris Pash e o físico nuclear David L. Hill, interpretados respectivamente por Casey Affleck e Rami Malek. Ambos os atores já venceram o Oscar de Melhor Ator. E apesar de seus papéis no filme serem importantes, eles aparecem relativamente pouco. Pash foi fundamental para a derrocada de Oppenheimer, agindo como uma espécie de algoz do cientista. Enquanto Hill foi fundamental para a derrocada de Lewis Strauss, já que foi seu depoimento que enterrou de vez as chances de Strauss de ser aprovado pelo Senado.

Pode-se dizer que o elenco principal de Oppenheimer é constituído basicamente por Cillian Murphy, como J. Robert Oppenheimer; Emily Blunt, como sua esposa, Katherine “Kitty” Oppenheimer; Matt Damon, como o General Leslie Groves; Robert Downey Jr., como Lewis Strauss; Florence Pugh, como Jean Tatlock e Josh Hartnett, como o físico nuclear Ernest Lawrence. São esses os intérpretes e personagens que aparecem com mais constância no filme e que também são os mais importantes para a condução da história.

Continue depois da publicidade

Além de Murphy, Blunt, na pele de sua esposa Kitty, funciona como um contraponto a personalidade do personagem principal e é, provavelmente, a personagem que mais aparece no filme depois do protagonista. Aliás, ela e Downey Jr., como Strauss, são os que mais aparecem no filme depois de Murphy. Depois deles, Damon, vivendo o General Leslie Groves, talvez seja o personagem mais importante na condução da históra.

Groves foi o diretor e grande força motriz por trás do Projeto Manhattan, sendo, inclusive, ele quem contratou Oppenheimer para liderar o projeto. Depois vem Hartnett, na pele do físico nuclear Ernest Lawrence. O personagem é o braço direito e principal aliado de Oppenheimer durante a construção da primeira bomba atômica. Por último, temos Pugh, como Jean Tatlock, personagem que ajuda a moldar a personalidade de Oppenheimer e que por isso tem grande importância no filme.

Todos esses atores têm desempenho impecável no filme e se qualquer um deles fosse indicado ao Oscar não seria surpresa. Aliás, todo o elenco de Oppenheimer está muito bem, a verdadeira definição de “ensemble cast”, ou seja, um elenco composto quase que exclusivemente de estrelas e intérpretes com carreiras proeminentes e premiadas.

No final, as intepretações destacadas de Cillian Murphy, Emily Blunt e Robert Downey Jr. foram as que despertaram a atenção da crítica especializada e também das principais premiações da temporada, incluindo, é claro, o Oscar. Não há o que se dizer da interpretação de Blunt que está impecável no filme, no que talvez seja o mais importante papel de sua carreira. Blunt interpreta brilhantemente uma personagem que tem uma personalidade forte e que funciona como um balanço perfeito ao personagem principal do filme.

Continue depois da publicidade

Apesar disso, é impossível negar que o filme seja de Cillian Murphy e Robert Downey Jr. São os dois atores (e os dois personagens que eles interpretam) que conduzem a trama do início ao fim. Os dois funcionam o tempo todo como forças antagonistas, como Quimera e Belerofonte. Nesse sentido, é até dificil dizer que Downey Jr. seja coadjuvante no filme. Contudo, é claro que a produção é sobre a vida de Oppenheimer e, na maioria do tempo, acompanhamos a história através dos olhos dele. É claro que, por isso também, Murphy tem mais tempo de tela do que Downey Jr. e, assim, é considerado o protagonista do filme.

J. Robert Oppenheimer e Albert Einstein.
J. Robert Oppenheimer e Albert Einstein.

Contudo, até mesmo a estrutura da obra, criada por Christopher Nolan é feita para dar destaque aos dois personagens e destacar seu antagonismo. Oppenheimer é praticamente dividido em dois. Uma parte do filme é composta por cenas em cores e outra por cenas em preto e branco. As cenas em cores tem sempre Oppenheimer como personagem principal e mostram a trama sob o ponto de vista dele.

Já as cenas em preto e branco são sempre protagonizadas por Lewis Strauss e nelas vemos a trama através de seu ponto de vista, apresentando um contra-ponto a visão de Oppenheimer. Assim, Nolan criou uma obra propositalmente construída para dar destaque a esses dois personagens e, consequentemente, aos atores que os interpretam. Não a toa, o diretor demonstra plena confiança em ambos os atores, investindo em close-up e outros subterfúgios que dão enorme destaque a interpetação dos dois.

Por isso, se Oppenheimer se consolidou como o principal filme de 2023, não é surpresa para ninguém que desde o inicio da temporada de premiações tanto Murphy quanto Downey Jr. tenham se tornado rapidamente favoritos a vencer todas as premiações nas categorias de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante. Aliás, seria até uma injustiça premiar um e não premiar o outro. Até porque, é possível dizer, os dois são igualmente importantes para condução do filme e têm, obviamente, atuações impecáveis.

Continue depois da publicidade

Roteiro e direção de primeira qualidade

Já falamos de todos os aspectos de Oppenheimer, menos dos dois que são, provavelmente, os mais importantes em qualquer produção cinematográfica, roteiro e direção. A frente dessas duas funções está a grande mente por trás de Oppenheimer, Christopher Nolan. O cineasta costuma roteirizar todos os filmes que dirige e aqui não foi diferente. Adaptando o livro American Prometheus (ou “Prometeus Americano”, na tradução literal para o português) de autoria de Kai Bird e Martin J. Sherwin, Nolan fez um trabalho brilhante.

Oppenheimer não tem heroís ou vilões e nem certo ou errado. Como ocorre na vida real, o que existem são pontos de vista ou visões de mundo diferentes. Mesmo que Oppenheimer e Lewis Strauss funcionem como personagens antagônicos, Strauss nunca é tratado como um vilão no sentido clássico do termo. Ele apenas tem uma visão de mundo que era defendida por muitos na época. Aliás que, provavelmente, era defendida pela maioria dos políticos e pessoas na época.

Seus planos para acabar com a carreira de Oppenheimer não são nada mais, nada menos do que sempre foi feito na política de bastidores no mundo todo. Além disso, o próprio Oppenheimer nunca é tratado como herói. Ele tem dúvidas, medos e esperanças. Ele constrói a bomba simplesmente porque sabe que não pode deixar os nazistas construirem primeiro. Essa era, aliás, a motivação de todos os cientistas envolvidos no Projeto Manhattan.

Christopher Nolan recebe o Oscar de Melhor Direção. Imagem: grazia.co.in
Christopher Nolan recebe o Oscar de Melhor Direção no Oscar 2024 por seu trabalho em Oppenheimer. Imagem: grazia.co.in

Ele, contudo, sabe muito bem o que a arma que ele criou pode fazer e sente culpa por isso. Contudo, tem a esperança que uma arma tão poderosa possa acabar definitivamente com todas as guerras, já que todos sabem que uma guerra nuclear seria o fim do mundo e da humanidade como conhecemos. Essa sempre foi a esperança de muita gente.

Continue depois da publicidade

Ao perceber que a arma não acabará com a guerra e engolido pela culpa, ele tenta de todas as formas limitar a construção de nossas armas nucleares, sem muito sucesso. O personagem é também um mulherengo inveterado que trai a esposa com várias outras mulheres, o que para os padrões de hoje, seria algo inaceitável em um “heroí”, no sentido clássico da palavra.

Nolan, com seu roteiro, constroí um filme com uma história muito bem contada e amarrada e com personagens muito bem construídos. E o melhor é que ele faz isso da forma mais simples possível, não inventando nada. Apenas contando a história basicamente da forma como ela aconteceu na realidade. Deixando que a complexidade e o emaranhado sem fim da vida real invada a trama ficcional do filme. Seria uma benção se todos os que adaptassem histórias reais fizessem o mesmo.

No mais, sua direção, como sempre, é sólida, criativa e muito inteligente, demonstrando o talento que ele exala desde o início de sua carreira nos anos 1990. Todas as marcas da obra de Nolan estão lá. A estrutura intricada da narrativa que muitas vezes não é linear. O uso abundante do simbolismo e de temas metafísicos. A discussão insensante de temas filosóficos. Os personagens estão sempre discutindo ideias entre si e consigo mesmo.

O mais interessante é que em Oppenheimer, Nolan usa um “dispositivo narrativo” que funciona como uma espécie de “MacGuffin”, ou seja, um objeto, dispositivo ou evento que é necessário para o enredo e a motivação dos personagens, mas insignificante, sem importância ou irrelevante em si mesmo. O “MacGuffin” de Oppenheimer é uma conversa que o personagem principal teve, em determinado momento da narrativa, como o famoso físico Albert Einstein e cujo conteúdo desperta o interesse dos personagens do filme, mas cujo teor só saberemos no final do filme.

A conversa, simbólicamente, resume todos os temores de Oppenheimer durante toda a trama do filme. O medo de criar uma bomba que gerasse uma reação em cadeia e ficasse explodindo para sempre destruindo o mundo, era um temor real na época do Projeto Manhattan e um medo que hoje parece até pueril. Contudo, no final, fica claro que a construção da primeira arma atômica realmente gerou uma reação em cadeia. Não uma bomba que nunca parará de explodir, mas uma corrida armamentista que não terá fim até que a humanidade tenha fim.

Conclusão

Esperamos que você tenha gostado da nossa análise. Tentamos nos aprofundar o máximo possível nos diversos temas do filme e também analisar todos os seus aspectos técnicos e artísticos. Se você gostou, não esqueça de deixar o seu comentário, pois ele muito importante para nós.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui