Desde seu humilde começo como uma empresa de cartas de Baralho Hanafuda, a Nintendo tem desempenhado um papel fundamental na evolução da indústria de jogos eletrônicos. Hoje, a empresa é sinônimo de franquias icônicas como Super Mario, The Legend of Zelda e Pokémon, mas sua jornada até o estrelato começou de forma totalmente diferente.
Em um momento de crise histórica, a Nintendo deu um passo ousado no mundo dos consoles de videogame com o lançamento do Color TV-Game, seu primeiro console doméstico desenvolvido de forma simples e comercializado estrategicamente.
Embora muitos conheçam a Big-N pelos seus grandes sucessos como o NES/Famicon ou Game Boy, ela iniciou com um produto que não era inovador, mas era capaz de se conectar bem com o público.
Neste artigo, queremos mergulhar fundo na história da Nintendo e trazer o caso do Color TV-Game, abordando sobre sua concepção, conjuntura em que foi criado e seu legado na Nintendo.
História
A crise do petróleo de 1973 afetou vários países, inclusive o Japão, onde vários setores industriais foram prejudicados. A fabricação de brinquedos, baseada majoritariamente em plástico, se tornava cada vez mais cara, fazendo os negócios da Nintendo sofrerem prejuízo considerável.
Com um histórico de diversificação muito peculiar, a Nintendo, desde 1989, sempre foi um grande exemplo de resiliência, se adaptando em meio a crises econômicas e grandes depressões. Sua capacidade de se reinventar a fez experimentar diversos mercados muito distintos. Apesar de ter começado com a produção de Baralhos Hanafuda, a empresa já foi, em paralelo, dona de rede de Motéis, frotas de táxi e na década de 1960 havia se estabelecido como uma grande fabricante de brinquedos no Japão.
Diante do cenário de crise, o mundo enfrentava problemas financeiros e o habito de consumo passou por mudanças. Agora, o público consumidor tinha que optar cada vez mais entre o entretenimento e itens essenciais. Dessa forma, empresas como a Nintendo foram fortemente afetadas. Muitas delas foram à falência. Não foi o caso da Nintendo, que se pôs em movimento mais uma vez, fazendo o que fazia de melhor: Experimentar novos mercados.
Hiroshi Yamauchi, presidente da Nintendo naquele período, começou a apostar em produtos eletrônicos, aproveitando os avanços tecnológicos desse setor e a queda nos preços dos componentes. É nesse momento em que a Nintendo deu mais um salto audacioso, deixando para trás os brinquedos tradicionais e as cartas de baralho para mergulhar de cabeça no promissor mercado de eletrônicos. Claro que ainda estava longe de criar o NES ou o Mário, mas foi aqui que aconteceu a grande virada de chave.
Iniciando por arcades, a Nintendo experimentou seu primeiro sucesso e fracasso. Isso porque no Japão os arcades fizeram sucesso inicialmente, mas, quando tentaram exportar para outros países, como Estados Unidos e Europa, as coisas desandaram. O processo de fabricação era demorado, as unidades demoravam a chegar no destino, por complicações na logística, e a Nintendo acabou não conseguindo emplacar fora do Japão.
Apesar disso, Hiroshi Yamauchi não desistiu. O mercado de consoles domésticos também estava em ascensão, especialmente nos Estados Unidos, com os consoles da Atari e Magnavox ditando tendência. Inclusive, isso gerou uma enxurrada de consoles clones, à medida que as empresas competiam para capitalizar o sucesso dessa nova forma de entretenimento. “A era dos Pongs”.
Afim de surfar nessa grande onda, a Nintendo adquiriu uma licença da Magnavox para a produção de seu próprio console (clone do Pong) no Japão. Embora naquele período a Nintendo ainda não possuísse todo o KnowHow necessário, ela tinha uma parceria importante com a Mitsubishi Electronics. As duas empresas já tinham trabalho em colaboração para lançar os primeiros produtos eletrônicos da Nintendo.
Por outro lado, a Mitsubishi já estava com intenção de entrar no mercado de videogames. Anteriormente ela havia entrado em negociação com a Systek, porém, não chegaram a um acordo. Sendo assim, Nintendo e Mitsubishi Electronics estavam em total sintonia com o objetivo e não poderia ter sido melhor. Enquanto a Mitsubishi ficou responsável pela parte eletrônica, a Nintendo cuidaria do design e marketing.
Durante a elaboração do projeto, a estratégia de Hiroshi Yamauchi se baseava em criar um console mais barato. Ele acreditava que para iniciar bem, precisava de margem para oferecer um produto mais acessível do que de seus concorrentes, além de ter uma produção mais rápida. Evidentemente foram conceitos tirados da experiência anterior com os arcades.
Em 1977, a parceria entre a Mitsubishi Electronics resultou no lançamento de seus dois primeiros consoles: o Color TV-Game 6 e o Color TV-Game 15.
Lançamento
Em 1º de junho de 1977, a Nintendo lançou o Color TV-Game 6, o modelo mais básico que continha 6 variações do jogo Pong. Ele foi vendido apenas no Japão e seu preço de varejo, surpreendentemente acessível, era de apenas ¥ 9.800. Isso o tornou bem mais atraente do que os aparelhos concorrentes da época.
A Nintendo, obviamente utilizou a vantagem do preço como uma poderosa ferramenta de marketing para introduzir sua linha.
Apenas uma semana após o primeiro lançamento, que serviu de teste, a Nintendo lançou o Color TV-Game 15, um modelo aprimorado e mais robusto em relação ao primeiro. Com um preço de ¥ 15.000, chegou mais caro ao mercado, porém o preço se justificava por se tratar de um produto superior.
Modelos Diferentes
Entre 1977 e 1980 foram lançados 5 modelos diferentes na linha Color TV-Game. Esses consoles foram lançados apenas no Japão e, embora representassem os primeiros passos da Nintendo no mundo dos videogames, nenhum dos aparelhos levou o nome da empresa estampado como marca, exceto o penúltimo modelo, o Color TV-Game Block Breaker. Já os demais, receberam apenas uma menção bem discreta na caixa e também gravado na parte de baixo do dispositivo, junto das as informações técnicas.
O hardware era formado por um circuito simples e chips dedicados para cada jogo em si, bem como suas variações.
Color TV-Game 6 (CTG-6)
Lançamento: 1977
Preço: ¥ 9.800
Este foi o primeiro console da série Color TV-Game. Ele tinha seis variações de Pong, um popular jogo de arcade da época. No painel frontal existia um conjunto de chaves seletoras onde os jogadores podiam escolher entre diferentes modos de jogo, como tênis, hóquei e vôlei. Claro que, com gráficos muito simplórios, um pouco de imaginação do jogador se fazia necessário.
Os controles do “CTG-6” se baseavam em dois potenciômetros e eram integrados ao corpo do console, tudo fazendo parte de um único bloco laranja ou branco que era conectado direta com a TV. A primeira versão funcionava a base de 6 pilhas tipo C. Outras versões revisadas traziam a possibilidade de ser alimentado também por fonte adaptadora de 9v, além do punhado de pilhas.
O Color TV-Game 6 recebeu também 4 versões variantes:
Color Tv-Game 6 CTG-6S 9800 (na cor branca);
Color Tv-Game 6 CTG-6v (versão revisada laranja);
Color Tv-Game 6 CTG-6v House Shanmen (promocional)
Sharp Color TV-Game XG-106 e XG-106V (promocional).
Color TV-Game 15 (CTG-15)
Lançamento: 1977
Preço: ¥ 15.000
O CTG-15 expandiu a oferta de jogos em relação ao CTG-6, oferecendo 15 variações de Pong. No mesmo esquema de chaves seletoras localizadas no painel frontal, o jogador tinha muito mais opções.
Os controles deste modelo também se resumiam a dois potenciômetros, mas nesse eles eram destacáveis e podiam ser encaixados no chassi laranja.
Color TV-Game Racing 112 (CTG-RG112)
Lançamento: 1978
Preço: ¥ 18.000
Este modelo era bem diferente dos dois primeiros, pois não se baseava em variações de Pong. Em vez disso, era um jogo de corrida simples com um volante semelhante a um volante de carro e um câmbio que acionava movimento para frente e para trás.
O foco do produto era para um único jogador, entretanto, era possível “jogar de dois” também. O console vinha com dois controles destacáveis, com potenciômetros, bem semelhantes ao dos outros modelos.
O jogador controlava um carro que podia se mover para a esquerda e para a direita para evitar obstáculos na pista. A paixão por carros fez o produto atrair bastante a atenção dos adultos.
No painel seletor era possível escolher entre 3 modos de jogo, sua velocidade e alterar algumas regras.
Color TV-Game Block Breaker (CTG-BB)
Lançamento: 1979
Preço: ¥ 13.500
Este foi o penúltimo e, talvez, o mais importante console da linha Color TV-Game. Esse novo modelo executava uma versão portada e simplificada do jogo arcade Breakout, onde os jogadores controlavam uma barra que rebatia uma bola para quebrar blocos na parte superior da tela. Era um jogo de um único jogador e também foi projetado para ser jogado diretamente na TV.
A era dos Pongs estava chegando ao fim, junto com a década, e já havia muitos consoles clones de Pong com preços baixíssimos. Sendo assim, o Color TV-Game Block Breaker (CTG-BB) não faria sentido se trouxesse mais do mesmo.
Pouco tempo depois de lançado, a Nintendo precisou baixar o preço de ¥13.500 para apenas ¥ 8.300 para tentar enfrentar a concorrência que havia crescido bastante. A moda dos clones agora mirava os jogos de blocos.
O Color TV-Game Block Breaker foi o primeiro console a trazer o logo da Nintendo. E não é foi por acaso… O design refinado foi criado por ninguém menos que o gênio dos videogames Shigeru Miyamoto. Ele entrou para o time da Nintendo em 1977, quando era recém-formado em design industrial e ficou responsável pelo setor criativo.
Dentre todos os modelos da linha, esse foi o que recebeu maior atenção na qualidade de construção e no design.
Color TV-Game Computer (CTG-CTC)
Lançamento: 1980
Preço: ¥ 48.00
O Color TV-Game Computer foi uma adição posterior à linha Color TV-Game. Ele era mais do que apenas um console de jogos e incluía algumas funcionalidades de computador simples. O “CTG-CTC” tinha dois teclado embutidos (os controles) e oferecia cinco jogos diferentes, incluindo jogos de tênis, futebol, hóquei, vôlei e uma versão de tênis de mesa. Os jogadores podiam alternar entre os jogos usando o teclado central.
Este console/computador representou um passo adiante em termos de funcionalidade em comparação com os modelos anteriores da série Color TV-Game e demonstrou a vontade da Nintendo de experimentar novas ideias no campo dos videogames e dos computadores domésticos. No entanto, a tecnologia do dispositivo ainda não estava completamente refinada para esse tipo de lançamento comercial (e uso doméstico), o que resultou em uma máquina grande e pesada que necessitava de uma fonte de alimentação robusta, pesando mais de 2 quilogramas por si só. Além disso, o console era vendido por um preço muito elevado e acabou não fazendo tanto sucesso quanto seus antecessores.
Marketing
A estratégia de marketing da Nintendo era mais complexa do que se imagina. Ela usou o Color TV-Game 6 como uma “droga de entrada” para obter sucesso no projeto como um todo. Deixa-me explicar…
Cada unidade vendida resultava em pequeno prejuízo calculado para a empresa. Para obter lucro, a Nintendo teria que vender o console por 12.000 ienes, o que não seria atraente.
Para contornar essa situação, eles lançaram o Color TV-Game 15, que era muito melhor e, inclusive, acabou vendendo aproximadamente o dobro das unidades do CTVG6. Como planejado…
Enquanto que o modelo mais simples e barato servia para o público experimentar, o modelo melhor e mais caro era para a total apreciação.
O Color TV-Game 15 oferecia uma experiência mais completa, contando com nove jogos adicionais, controles removíveis e um design mais sofisticado, tornando-o mais atraente para os consumidores. E o importante aqui é que o seu custo de produção não era muito elevado em relação ao seu irmão menor e era com ele que a Nintendo obtinha o lucro.
Com o tempo, a Nintendo conseguiu enxugar ainda mais o custo de produção do aparelho, o que permitiu que eles baixassem o preço do Color TV-Game de 6 para ¥ 5.000 e ainda incluíssem um adaptador AC, tornando-o mais acessível e atraente para um público mais amplo. Essa estratégia ajudou a Nintendo a superar os desafios de entrada no mercado e a estabelecer uma base sólida para lançar os outros modelos de console.
Legado
O início da Nintendo no mundo dos videogames se deu por uma questão de sobrevivência e o legado do Color TV-Game serve de inspiração, nos ensinando que, mesmo diante dos piores cenários, é possível se adaptar e contornar as dificuldades. Tendo perseverança, sendo capaz de se reinventar e fazer o necessário para sobreviver, Nintendo significa “deixe o destino para o Céu”.
Apesar de ser uma parte esquecida da história da Big-N, o primeiro console é parte muito importante de sua trajetória, pois fez com que a empresa sobrevivesse a uma crise econômica e migrasse de vez do mercado de brinquedos para o de videogames que conhecemos. E, convenhamos, a herança dos brinquedos vive até hoje em seus produtos. É possível observar tais traços no design e concepção das linhas que foram lançadas ao longo de quase 50 anos de mercado.
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