God of War 2 Kratos Wallpaper - Imagem por TheSyanArt - ArtStation
God of War 2 Kratos Wallpaper - Imagem por TheSyanArt - ArtStation

Do poder absoluto à vulnerabilidade, da vingança à redenção, a franquia God of War se reinventou, caminhando com o mundo que mudou ao seu redor.

Imagine um mundo de deuses, monstros e homens, todos presos em uma guerra infinita pelo poder, pela sobrevivência e pela própria alma. É nessa “realidade”, moldada pela ira e pela redenção, que God of War se ergueu como uma saga épica.

Mas, como em todas as grandes sagas, o que vemos na superfície é apenas parte do quadro. Ao rejogar God of War 1,2 e 3, surgiu um questionamento, que acredito ser o mesmo de muitos gamers 30+:

O que realmente aconteceu para que essa franquia mudasse tanto ao longo dos anos? O que a tornou tão visceral e brutal em seus primeiros dias, e tão introspectiva e emocional em sua fase mais recente?

Pense no início da década de 2000, uma época marcada a ferro com o apelo da ação desenfreada, pelos jogos que glorificavam o poder e a vingança sem remorso. “God of War” nasceu dessa tendência, trazendo consigo um herói (ou seria anti-herói?) guiado por uma fúria implacável.

Kratos, “o Fantasma de Esparta”, não era mais um personagem heroico; ele era de fato uma manifestação de uma era que ansiava por catarse, por um escapismo brutal e explosivo.

Mas o tempo passou. Gerações novas nasceram. E Kratos mudou com elas.

Nos últimos anos, a franquia “God of War” passou por uma transformação que poucos poderiam prever. Em 2018, o pesadelo dos deuses surgiu de novo, não como o guerreiro sanguinário que conhecíamos, mas como um pai, um mentor, um cara buscando redenção em meio à mitologia nórdica.

A fúria ainda estava lá, mas havia algo mais… Uma vulnerabilidade, uma profundidade emocional. Seria estranho falar sobre isso limpando a tela da TV suja de sangue ao final de God of War 3. Mas tudo iria mudar daí em diante.

Então, o que causou essa mudança radical? Será que o próprio Kratos se cansou de sua fúria eterna, ou será que nós, o público, crescemos e pedimos algo diferente?

Vamos mergulhar nas profundezas da história, na filosofia e nas mudanças culturais que moldaram o “deus da guerra” em sua jornada épica, buscando entender não apenas como ele mudou, mas por quê. Bora lá!

O Contexto Inicial do God of War de 2005

Volte no tempo para o início dos anos 2000. Era uma época peculiar, marcada por uma mistura de esperança e inquietação a nível mundial.

A história dos videogames estava em um ponto de inflexão, onde o poder de processamento dos consoles havia atingido um novo patamar. O PlayStation 2 estava no auge, prometendo mundos que pareciam quase reais, e a indústria estava sedenta por algo que fosse além do comum, algo que deixasse uma marca.

Foi nesse cenário que “God of War” emergiu. Não com um sussurro, mas com um grito de guerra. Kratos, o Fantasma de Esparta, surgiu de uma escuridão mitológica, empunhando as Lâminas do Caos, pronto para desencadear sua fúria contra os deuses do Olimpo. Mas, por que um jogo tão brutal e visceral fez tanto sucesso em uma época em que a indústria ainda buscava sua identidade?

A resposta pode estar no desejo insaciável da geração que o jogou. Os Millennials estavam crescendo em um mundo pós-11 de setembro, onde incertezas e conflitos globais moldavam o cotidiano.

Para muitos jovens, a raiva de Kratos era catártica; ela oferecia uma válvula de escape, uma forma de canalizar frustrações através de um personagem que não conhecia limites. A violência exagerada, as batalhas épicas e o tom sombrio do jogo capturavam perfeitamente a essência de uma geração que se sentia, de certa forma, traída — buscando vingança, justiça, ou simplesmente um senso de poder em um mundo que parecia fora de controle.

Mas a brutalidade de God of War não era apenas uma escolha estética. Ela fazia parte de uma estratégia mais ampla e os desenvolvedores da Santa Monica Studio sabiam o que estavam fazendo. Eles estavam criando algo que não tinha medo de ser ousado, algo que abraçava o tabu.

Desde os combates intensos e sangrentos até as cenas de intimidade, “God of War” parecia quase uma declaração de guerra contra o politicamente correto, que estava apenas começando a se formar.

Era um reflexo de seu tempo… um tempo que adorava flertar com o perigo e romper com normas sociais estabelecidas. Assim como a Rockstar já vinha fazendo.

E então havia a questão da masculinidade. Kratos era o arquétipo do guerreiro indomável, uma figura de força pura e implacável, exalando testosterona. Em um período em que jogos como Grand Theft Auto estavam redefinindo o que significava ser “edgy” (provocador), God of War levou esse conceito a um novo nível.

Kratos era um símbolo de um tipo de masculinidade, que hoje é conhecida como “tóxica”, mas, na época, que muitos desejavam experimentar. Mas à distância, claro.

God of War 3 - Santa Monica Studios - Sony
God of War 3 – Santa Monica Studios – Sony

E o jogo oferecia isso de maneira brilhante, dando ao jogador a chance de ser implacável, cruel e, ao mesmo tempo, vitorioso por isso.

Mas havia um perigo em tal abordagem. Uma faísca que poderia se tornar um incêndio amazônico. O apelo de God of War estava enraizado na violência desenfreada e na sede de vingança de seu protagonista. Isso era suficiente para capturar a atenção em 2005, mas o mundo estava mudando rapidamente.

A geração que cresceu com Kratos começava a se perguntar: e depois da vingança? E depois do sangue? Havia um vazio crescente, uma lacuna que a narrativa pura de ação não conseguia preencher.

E, assim como os deuses do Olimpo, a indústria dos videogames começou a perceber que talvez fosse hora de reinventar. Perceba que talvez o verdadeiro horror não estivesse na violência física, mas na introspecção, na luta interna de Kratos contra seus próprios demônios, em vez de simplesmente contra os deuses. O tempo de vingança sem remorso estava prestes a terminar, e um novo capítulo estava à espreita.

Então, por que Kratos era o que era em 2005? Porque nós éramos. E porque precisávamos dele daquele jeito. Mas, à medida que o mundo mudou, nós mudamos. E Kratos, ainda que relutante, teve que mudar também.

Filosofia e Poder em God of War

“AÚ, AÚ, AÚ” – 300

Kratos era mais do que um guerreiro espartano; ele era uma revolta encarnada. Uma figura bruta e implacável, destinada a desafiar os próprios deuses. Mas, o que realmente estava em jogo na sua luta?

God of War 2 - Santa Monica Studios - Sony
God of War 2 – Santa Monica Studios – Sony

Para os olhares mais atentos, God of War sempre foi mais do que apenas uma franquia de violência e vingança e, no fundo, era um tratado sobre poder. E também os perigos que ele traz consigo.

Desde o início, Kratos se mostrou o símbolo perfeito da filosofia de Friedrich Nietzsche. Pense no conceito do “Übermensch”, o homem além do homem, que não é submisso às normas morais impostas por uma sociedade corrupta ou por divindades tirânicas.

Pois é, Kratos não seguia regras, ele as quebrava. Não porque queria, mas porque precisava. Porque, no mundo de God of War, o poder absoluto sempre corrompia absolutamente.

Vamos encarar os fatos: na visão de GoW os deuses gregos não eram benevolentes. Eles eram vaidosos, egoístas, e acima de tudo, imprevisíveis.

Veja bem, eles moldavam os destinos dos homens com o mesmo descaso de quem esmaga uma formiga na calçada. Kratos, um mero mortal, foi apenas mais uma vítima de suas intrigas. Mas, diferentemente dos outros, ele escolheu lutar de volta. E, ao fazer isso, ele questionou a própria legitimidade da divindade.

“Quem são esses deuses para decidir o destino dos homens? ”

Mas, ao desafiar os deuses, Kratos também abraça uma dicotomia fascinante: ele se torna aquilo que mais despreza. Ele se torna um deus, um novo tipo de tirano.

E a crítica aqui é evidente — e contundente. O poder não é apenas sedutor, mas transformador. E, na transformação, revela sua verdadeira face: aquela que destrói não apenas o inimigo, mas também o portador.

A filosofia da série, em sua essência, faz uma pergunta perturbadora: o que acontece quando o oprimido se torna o opressor?

Kratos, uma vez servo dos deuses, assume o trono da divindade, mas a custo de sua própria humanidade. Ele sacrifica tudo — sua família, sua alma, sua sanidade — em uma busca que o leva a um destino sombrio.

A vingança se torna uma prisão de espelhos, cada um refletindo um pedaço do homem que ele poderia ter sido, mas que nunca será. Mas, então, algo muda. O reboot de 2018 coloca Kratos em um novo mundo, com novos deuses — e um novo dilema.

Kratos deixa de ser um guerreiro sanguinário
Em God of War (2018) Kratos deixa de ser um guerreiro sanguinário

Agora, Kratos é um pai do Atreus e está sempre tentando escapar das sombras do seu passado. A transição da mitologia grega para a nórdica é mais do que uma mudança de cenário; é uma mudança de filosofia também.

Enquanto os deuses gregos eram autoritários e arbitrários, os deuses nórdicos são mais trágicos, mais humanos, enfrentando o próprio destino inevitável do Ragnarök.

A vida adulta nos revela a cada dia que o nosso maior inimigo, na maioria das vezes, somos nós mesmos. Kratos, por sua vez, não é mais o guerreiro cego pela raiva, mas um homem que carrega o peso de seu passado e busca por uma forma de redenção. A narrativa o leva agora a confrontar não apenas novos inimigos, mas a si mesmo.

Ele é forçado a questionar suas antigas convicções e decidir se continuará no caminho de destruição ou encontrará uma nova maneira de viver.

E aí reside o verdadeiro dilema de God of War. Kratos percebe que sua luta não é apenas contra os deuses, mas contra o conceito de poder absoluto. Ele entende que a verdadeira força não vem do domínio, mas da compreensão, da capacidade de escolher um caminho diferente, mesmo quando tudo o leva para a escuridão.

Então, não dá para negar que a transformação de Kratos não é apenas um artifício narrativo; é uma crítica filosófica ao conceito de divindade e autoridade.

Porque, no final das contas, quem realmente tem o direito de decidir nosso destino? Kratos, o homem que ousou desafiar os deuses, começa a se perguntar se o verdadeiro poder reside na destruição… ou na criação de algo novo.

O Impacto do Politicamente Correto

À medida que os anos foram avançando, uma nova força invisível começou a moldar o mundo dos videogames. Uma força que, para alguns, soava como uma revolução; para outros, como uma ameaça. Essa força era a mudança geracional e, com ela, veio o impacto do chamado politicamente correto.

God of War e o Politicamente Correto - Charge por Rico Studio - blogspot
Politicamente Correto – Charge por Rico Studio – blogspot

E 2005, God of War floresceu em um terreno fértil para sua brutalidade. Uma época em que muitos de nós estavamos acostumados a heróis ultraviolentos, anti-heróis amorais, e uma abordagem sem remorso quanto à representação de gênero, raça e moralidade.

Kratos, com suas lâminas ensanguentadas e gritos de fúria, era o epítome do que essa geração desejava. Só que, enquanto Kratos estava preso em sua eterna busca por vingança, o mundo real continuava a girar. Aliás, capotar! E as gerações mudaram.

Chegamos ao limiar da Geração Z, uma galera que nasceu e cresceu em um mundo diferente, onde a informação era instantânea e as vozes antes silenciadas encontraram formas de se expressar.

Essa nova geração trouxe consigo novas expectativas para a cultura de entretenimento também. Como personagens mais diversificados, narrativas mais inclusivas, e uma representação mais consciente dos diferentes grupos sociais.

Para se ter uma ideia, o jogo que antes era visto como uma expressão da rebeldia contra o sistema agora começava a parecer antiquado, um eco de uma época que precisava ser deixada para trás.

Mas também não era apenas uma questão de público, se tivermos um olhar mais amplo. O impacto do politicamente correto começou a se infiltrar na própria indústria dos games.

Os desenvolvedores e, principalmente os executivos, perceberam que o mundo estava mudando e que eles precisavam mudar com ele. O antigo God of War, com suas representações estereotipadas e objetificantes de mulheres, e a forma selvagem como Kratos fazia “amor”, com foco quase exclusivo na violência, não poderia mais permanecer intocado.

Aventuras “românticas” de Kratos

As histórias de vingança brutal precisavam dar lugar a algo mais profundo, mais reflexivo, algo que pudesse falar com um público que exigia mais do que apenas sangue e fúria.

É aí que entra a reinvenção de 2018. Um novo God of War para um novo mundo.

Kratos reaparece, mas desta vez com um propósito diferente. Ele ainda carrega sua ira, mas agora há algo mais – uma responsabilidade, um senso de moralidade que parecia nem existir antes. Daí em diante ele não é mais um guerreiro furioso; ele é um pai tentando criar um filho em um mundo cruel.

O tom muda, a narrativa muda drasticamente, e, de repente, o que antes era apenas uma saga de vingança se torna uma história de redenção.

Mas por que isso ressoa tão profundamente com o público moderno? Porque Kratos não é mais um símbolo de masculinidade, mas um reflexo da luta interna que todos nós enfrentamos. Ele é uma figura que tenta conciliar seu passado com seu presente, que luta contra seus próprios demônios e busca um caminho melhor.

Sun Tzu, o autor do “A Arte da Guerra” diz em seu livro: “O supremo guerreiro é aquele que vence sem lutar.” Kratos passa a ser alguém que entende que a força verdadeira não vem da violência, mas da capacidade de escolher não seguir o caminho mais fácil. Com a barba longa veio a sabedoria.

E isso toca em um ponto crucial: a relação com o politicamente correto. O “novo” Kratos, aquele que aparece ao lado de Atreus, não é só uma resposta às mudanças culturais, mas também uma crítica à ideia de que força significa dominar.

O God of War de 2018 confronta de frente o que significa ser um homem, ser um pai, ser um ser humano, e faz isso de uma forma que ressoa com os valores de hoje.

Assim, o impacto do politicamente correto não deve ser visto em todos os casos como uma forma de censura, mas como uma oportunidade de crescimento em alguns casos.

A franquia God of War não se diluiu; ela evoluiu. Ao adicionar novas camadas de profundidade emocional e reflexões sobre o que significa ser verdadeiramente forte, vemos que ela se tornou mais relevante do que nunca.

Então, quando olhamos para Kratos hoje, não se vê apenas um guerreiro. Você vê um espelho. Um reflexo da própria indústria dos games, tentando equilibrar entre tradição e progressão, entre as sombras de seu passado e a luz de um futuro incerto. Um símbolo de que, mesmo no mundo de deuses, o homem — e o jogo — pode mudar.

God of War no Fluxo Evolutivo da Indústria dos Games

Conforme podemos observar, a indústria dos videogames sempre foi um reflexo dos tempos em que vive. Em constante transformação, ela segue as mudanças de tendências, inovações tecnológicas e, claro, as expectativas do público.

E3 2001 - Sony - PlayStation 2
E3 2001 – Sony – Playstation 2

E God of War não foi exceção. Desde o seu lançamento em 2005, a série navegou pelas marés agitadas de um mercado competitivo e sempre mutante.

Os jogos de ação estavam no auge de sua popularidade nos anos 2000. Títulos novos como Devil May Cry, Ninja Gaiden e o próprio God of War dominavam as prateleiras, cada um competindo para oferecer a nós uma experiência de poder mais intensa possível.

O Combate Visceral de God of War
O Combate Visceral de God of War

Naquela época, o foco estava em gráficos impressionantes, combate visceral e o prazer puro de esmagar inimigos em uma sucessão rápida de combos e golpes. Os jogos eram feitos para entreter, para maravilhar e, acima de tudo, para vender.

E como em todas as coisas, o mercado começou a se saturar. Os jogadores, que antes buscavam escapismo através da violência estilizada, começaram a desejar algo mais.

Conforme o tempo passou, o público queria histórias que fossem além da matança, personagens com quem pudessem se conectar de maneira mais profunda.

Foi então que a indústria começou a se voltar para uma nova tendência: a narrativa cinematográfica.

O ano era 2013, e um jogo desconhecido chamado The Last of Us estava prestes a redefinir o que significava contar uma história em um videogame. Não mais apenas cenas de corte entre batalhas, mas narrativas integradas, personagens complexos, trilha sonora inesquecível e um foco na emoção humana que elevava a experiência do jogo a algo quase literário.

A recepção crítica foi esmagadoramente positiva, e as vendas foram igualmente impressionantes. E o mercado tomou nota. (Ninguém é bobo!)

Os jogadores queriam mais do que o simples derramamento de sangue; eles queriam se sentir parte de algo mais significativo.

O God of War de 2018 respondeu a esse chamado. Não apenas com gráficos fodásticos e combate redesenhado, mas com uma história que mexia com a nossa alma.

A câmera agora permanecia próxima, como se estivesse sempre ao lado de Kratos e Atreus, sem cortes. Isso não era um truque; era uma escolha deliberada de design, para criar uma experiência cinematográfica contínua, que envolvesse o jogador de uma maneira íntima e pessoal. Muitos podem criticar Resident Evil 4, mas ele foi uma das fontes de inspiração para o novo God of War, não dá para negar.

Mas a mudança em GoW também foi tecnológica. Os consoles modernos, como o PlayStation 4/Pro, abriram novas possibilidades. O poder de processamento permitia mundos mais ricos, mais complexos, mais imersivos.

A antiga fúria de Kratos agora em 4k (ou quase isso...)
A antiga fúria de Kratos agora em 4k (ou quase isso…)

A física do jogo, a renderização em tempo real, as animações detalhadas – tudo contribuía para uma experiência mais envolvente e intima. Os estúdios Santa Monica, junto com a Sony, souberam usar cada bit de poder disponível para criar uma jornada emocional que se sentia viva e respirava junto conosco.

Claro, não foi apenas tecnologia que guiou essa evolução. Foi também a percepção de que a indústria precisava crescer e se adaptar, abraçando novos modelos de narrativa, novas formas de interação, e novas maneiras de conectar o jogador à experiência.

God of War definitivamente abandonou o modelo antigo de fases lineares, substituindo por um mundo semiaberto, que estimula a exploração e a descoberta.

Uma mudança que não foi só estética, mas filosófica. Isso por quê em vez de empurrar o jogador de um ponto A a um ponto B, ele agora podia se perder, explorar, encontrar histórias escondidas em cada canto. Bom demais!

Essa abordagem refletia uma mudança maior na indústria: a busca por experiências mais imersivas, mais ricas, que tratassem o jogador não apenas como um consumidor, mas como um participante ativo em uma narrativa em evolução.

O jogo passou a ser uma jornada emocional tanto quanto uma jornada física. E dessa forma, ficou claro que a transformação de God of War foi mais do que apenas uma resposta ao mercado; foi uma declaração.

Uma afirmação de que os videogames podiam — e deveriam — ser mais do que simples diversão. Eles podiam ser uma forma de arte, uma janela para a alma humana, um espelho onde até mesmo um deus caído poderia encontrar seu reflexo.

God of War entre Esparta e Midgard

Se pararmos para pensar, mitologias são mais do que histórias antigas; são o tecido que forma a identidade de uma cultura. Elas nos dizem quem somos, de onde viemos e, às vezes, para onde estamos indo.

God of War Grego (2005) - Sony
God of War “Grego” (2005) – Sony

God of War entendeu isso desde o início, utilizando o poder das mitologias para criar um universo que ressoasse não apenas com jogadores, mas com as histórias que carregamos há milênios.

Quando Kratos apareceu pela primeira vez lá em 2005, ele era uma encarnação viva da mitologia grega. Um mortal que ousou desafiar os deuses, tornando-se ele mesmo uma figura mitológica em seu próprio direito. A Grécia Antiga, com seus deuses temperamentais e heróis trágicos, era o cenário perfeito para uma história de vingança, poder e destruição.

Mas não era apenas um cenário, mais sim uma recriação moderna das tensões culturais da época. Uma catapulta acertando um grande colosso, com alguma imaginação, poderia ser análogo ao atentado das torres gêmeas. Guerra!

Indo mais a fundo, podemos observar que os mitos gregos, repletos de deuses que refletem as falhas humanas, são espelhos culturais que revelam a natureza volúvel do poder e da moralidade.

Kratos, ao lutar contra esses deuses, não estava apenas batalhando contra inimigos; ele estava lutando contra os próprios alicerces da cultura que os criou.

O jogo, portanto, não apenas explorava a mitologia grega, mas a desconstruía, expondo as fragilidades e contradições de uma divindade que, em vez de ser venerada, era temida e odiada.

Mas o verdadeiro salto da franquia God of War veio em 2018, quando Kratos deixou para trás os templos de mármore e as montanhas do Olimpo para vagar pelas florestas sombrias e gélidas da mitologia nórdica.

God of War 2018 - Santa Monica Studios - Sony
God of War 2018 – Santa Monica Studios – Sony

Essa transição foi uma reinvenção completa da identidade cultural do jogo. Onde a mitologia grega era um estudo sobre o poder absoluto e suas consequências, a mitologia nórdica introduziu temas de fatalismo, honra e tragédia.

Os deuses nórdicos, diferentemente dos gregos, sabem que estão condenados. Já parou pra pensar?

O Ragnarök, o fim dos tempos, é inevitável. E mesmo assim, eles lutam. Eles não são divindades distantes, mas figuras trágicas, presas em um ciclo de morte e renascimento. E para o Kratos, essa nova mitologia apresentou um desafio diferente.

Ele não é mais o destruidor de deuses, mas um forasteiro tentando se encontrar em uma cultura que ele não entende completamente. E, ao fazer isso, ele se torna o “Outro”, aquele que está fora dos mitos que agora enfrenta.

E é aqui que a antropologia das mitologias se torna crucial, meus amigos.

Kratos não só desbrava esses novos mundos; ele os desafia, confrontando suas normas, suas tradições e suas crenças. Na Grécia, ele era o herói trágico que destrói os deuses. No Norte, ele é o estrangeiro que traz consigo a promessa de mudança e, possivelmente, a destruição.

Através dos olhos de Kratos, a série God of War faz muitos de nós questionar as mitologias que sustentam nossas próprias identidades culturais. O que significa ser um deus? O que significa ser humano? E o que acontece quando esses dois conceitos batem de frente?

Perceba que essa transição entre mitologias também reflete um movimento maior na cultura global. Em um mundo cada vez mais interconectado, as fronteiras culturais estão se desvanecendo.

As histórias que uma vez pertenciam a uma cultura específica agora são partilhadas, reinterpretadas e reinventadas por outros. Kratos, um guerreiro espartano, encontrando seu lugar entre os deuses nórdicos, é um reflexo dessa mistura cultural. Ele carrega consigo o peso de sua própria raça e mitologia, mas deve navegar por uma nova, onde as leis são diferentes e as consequências são desconhecidas.

E, ao atravessar as fronteiras entre essas mitologias, Kratos nos mostra que, independentemente de onde viemos, as histórias que contamos sobre deuses e monstros são, no fundo, histórias sobre nós mesmos.

A Desconstrução da Masculinidade e a Complexidade Humana

Antigamente Kratos era o retrato perfeito do guerreiro implacável. Um homem forjado pela violência, pela dor e pela ira. Desde seu início, God of War nos apresentou a figura clássica do herói mitológico.

A desconstrução da masculinidade em God of War
A desconstrução da masculinidade em God of War

Kratos era capaz de destruir qualquer um que atravessasse seu caminho. Mas, mesmo naquele tempo, havia algo mais nele… uma dor interna, um grito silencioso por redenção que poucos perceberam.

Ele era um anti-herói, mas também um reflexo distorcido de um ideal de masculinidade que começava a ser questionado. O mundo, é claro, mudou.

As conversas sobre masculinidade, força e vulnerabilidade se tornaram mais complexas, mais nuançadas. E, com isso, a própria imagem de Kratos mudou.

A mudança no personagem reflete uma desconstrução da masculinidade tradicional. Ele não é mais apenas um avatar de fúria e destruição; agora, ele é um pai tentando criar seu filho em um mundo novo, cheio de desafios e de escolhas morais. E ao fazer isso, ele nos mostra que a força não reside na violência, mas na capacidade de mudar, de crescer e de buscar alguma redenção.

Pense nos tempos em que vivemos. Há uma nova ideia sobre o que significa ser “forte” ou “masculino”. Em um mundo onde a empatia, a vulnerabilidade e o crescimento emocional são cada vez mais valorizados, a antiga imagem de Kratos, um cara destemido, mas emocionalmente descontrolado, já não é tão bem visto.

God of War - Um novo Kratos
Kratos, um “novo” homem

Temos um novo Kratos, um que não tem medo de admitir seus erros, suas falhas, e de se abrir ao amor, ao perdão e à vulnerabilidade.

A relação com Atreus é a chave para essa mudança. Kratos, o homem que perdeu tudo por causa da sua raiva, tem uma nova chance de recomeçar. E não é um papel fácil. Ele se esforça para ensinar a Atreus o valor da compaixão, do autocontrole, e da responsabilidade, enquanto luta contra seus próprios instintos de violência e dominação. É um confronto interno constante, uma batalha que é, em muitos aspectos, mais difícil do que qualquer deus ou monstro que ele já enfrentou. Como menciono acima, nosso maior inimigo, muitas vezes, somos nós mesmos.

A transformação do Kratos reflete o movimento da sociedade em direção a uma nova compreensão da masculinidade. Uma que permite espaço para fraquezas, para emoções, para o crescimento pessoal.

No fim das contas, o verdadeiro ato de força não é apenas superar os inimigos, mas encontrar paz consigo mesmo. E, em um mundo que parece sempre à beira do caos, essa pode ser a lição mais poderosa de todas.

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