Entre muitos slice of life que já acompanhei, Ao Haru Ride foi um dos shoujos que mais me impactaram. Ainda é uma dúvida se me surpreendi por algo diferente do que esperava ou pela produção apresentar um estilo bem distinto em comparação com outros animes do gênero. Afinal, o que mais me atrai nas histórias shoujo são os laços que se formam entre os personagens, ver como eles enfrentam suas emoções, amadurecem com o tempo e deixam para trás antigas versões de si mesmos é o que torna esse tipo de narrativa tão envolvente para mim.
A obra animada, também conhecida como Blue Spring Ride, adapta o mangá de autoria de Io Sakisaka. Enquanto isso, a produção do estúdio Production I.G, foi ao ar no Japão entre julho e setembro de 2014. A série conta com 12 episódios regulares, além de 2 OVAs, com média de 23 minutos cada. Vale lembrar que a adaptação conseguiu preservar a sensibilidade da versão original, traduzindo com delicadeza as emoções presentes na trama e o estilo único da autora.
Não é à toa que tanto o anime quanto os OVAs foram muito bem recebidos pelo público, especialmente entre os adolescentes e jovens adultos, que se enxergaram nas experiências e conflitos vividos pelos protagonistas. É relevante destacar que o mangá também foi um enorme sucesso de vendas, figurando entre os títulos mais populares nos anos de 2013 e 2014. Afinal, a identificação com os personagens e os temas abordados ajudou a obra a alcançar esse reconhecimento.
Io Sakisaka tem uma habilidade especial para representar as emoções da juventude com sinceridade. Sua arte expressiva consegue comunicar sentimentos sutis apenas com mudanças no olhar ou na postura dos personagens. Além disso, ela cria figuras cativantes, com personalidades reais, que nos fazem torcer por cada um deles como se fossem amigos próximos. Desse modo, há um equilíbrio entre beleza, humor e profundidade que torna seu trabalho único. Com isso, Sakisaka reafirmou seu talento como uma das principais autoras do gênero shoujo.
Sinopse: “Futaba Yoshioka é uma adolescente que, durante o ensino fundamental, era excluída pelas colegas por ser considerada “fofa” e atrair a atenção dos garotos. Seu único interesse amoroso, Kou Tanaka, se mudou antes que ela pudesse confessar seus sentimentos. Determinada a mudar sua imagem e evitar novos conflitos, Futaba decide adotar um comportamento mais desleixado ao ingressar no ensino médio. No entanto, sua rotina muda quando reencontra Kou, agora chamado Kou Mabuchi, que está diferente: mais frio e distante. Ele revela que também gostava dela no passado, mas afirma que não podem voltar ao que eram. Futaba se vê dividida entre o garoto que conheceu e o jovem que ele se tornou, enquanto tenta entender seus sentimentos e reconstruir essa relação.”
Personagens simples, mas complexos

A história se desenrola durante o período escolar, acompanhando um grupo de adolescentes em suas experiências de crescimento. Assim, o ambiente da escola se mostra como um espaço de descobertas, onde cada um lida à sua maneira com os desafios de amadurecer. Futaba, por exemplo, busca romper com a imagem delicada que sempre teve. Em vez de tentar parecer perfeita, ela começa a adotar atitudes provocativas, como comer em excesso de propósito, para desafiar os padrões femininos que antes tentava seguir. No entanto, as amizades que constrói nesse processo acabam se mostrando frágeis e a afastam quando ela tenta se aproximar de sua verdadeira essência.
Na trama, quando Kou Mabuchi estava no ensino fundamental, era um menino doce e atencioso, e tinha um sentimento único por Futaba. Porém, após ouvir um comentário dela que o magoou, passou a acreditar que seus sentimentos não eram correspondidos. Para agravar a situação, ele precisou lidar com a doença terminal da mãe, um câncer agressivo nos pulmões que a levou rapidamente. A dor por não ter demonstrado amor suficiente à mãe antes de sua partida o marcou profundamente. Como resultado, Kou passou a se isolar, com medo de se envolver novamente e provocar sofrimento em outras pessoas, o que também prejudicou sua convivência familiar.
Futaba, por sua vez, era muito popular entre os garotos durante o fundamental, o que despertava inveja nas colegas. Por conta disso, enfrentava exclusão e isolamento. Ela gostava sinceramente de Kou, mas quando ele marcou um encontro e não apareceu, ela ficou decepcionada e magoada. Na tentativa de se sentir aceita, adotou um comportamento mais vulgar, acreditando que isso atrairia amizades femininas, ainda que superficiais. Essa mudança de atitude, no entanto, escondia seus verdadeiros sentimentos, criando um abismo entre quem ela é e quem ela fingia ser.
O reencontro entre Futaba e Kou acontece no ensino médio, mas agora ambos são pessoas diferentes. As experiências vividas os transformaram, mudaram seus pensamentos e a forma como se relacionam com os outros. Apesar dessas mudanças, algo ainda permanece: uma conexão silenciosa, um sentimento guardado que, embora enterrado, começa a ganhar força conforme passam mais tempo juntos. Por fim, o que parecia esquecido ressurge lentamente, dando início a um processo de redescoberta.
Futaba, ao perceber o quanto se afastou de si mesma, decide recomeçar. Ela escolhe ser autêntica e construir relações verdadeiras, mesmo que isso signifique começar tudo de novo. Aos poucos, forma um novo círculo de amizades mais sinceras. Mesmo assim, seus sentimentos por Kou permanecem vivos, e ela decide confessar seu amor. A resposta, no entanto, é uma rejeição. Kou está emocionalmente envolvido com outra garota que passou por uma perda e sente-se responsável por estar ao lado dela, o que o impede de se abrir para novos sentimentos.
Com o passar do tempo, Kou percebe que agiu de maneira injusta com Futaba. Ele reconhece que, apesar da dor que carrega, foi ela quem mais o ajudou a lidar com o luto. Futaba o encorajou a olhar para frente, mostrando que é possível seguir a vida apesar da ausência da mãe. Essa compreensão o faz enxergar o quanto ela significa para ele. Kou começa, então, a reconhecer que os sentimentos que tentou esconder são mais profundos do que imaginava.
Mesmo com a rejeição, Futaba mantém a amizade com Kou. Contudo, para tentar superar o que sente, passa a se aproximar de alguém que realmente demonstra interesse por ela. Essa escolha acaba servindo como um espelho para Kou, que passa a entender com mais clareza o quanto Futaba é importante em sua vida. Ela, por sua vez, decide se afastar emocionalmente dele e seguir em frente. No entanto, a constante presença de Kou em sua rotina torna essa decisão cada vez mais difícil de manter.
A história também se expande com a introdução de novos personagens que enriquecem as relações. Afinal, Futaba desenvolve uma amizade com Yuri, uma garota bonita que sofre com a rejeição das colegas, assim como ela mesma no passado. Também entram na trama Shuko Murao, uma jovem reservada, e Aya Kominato, mais impulsivo.
Além disso, Futaba se mostra uma jovem determinada, que não desiste fácil dos seus objetivos. Sua sinceridade e perseverança contrastam com a introspecção de Kou, criando momentos de tensão, mas também de ternura e humor. Essa oposição de personalidades dá um charme especial à narrativa. É fácil entender a perspectiva de Futaba, pois seus sentimentos são mais transparentes, enquanto os conflitos internos de Kou permanecem mais ocultos, o que torna sua jornada mais intrigante.
Os personagens têm perfis bem diferentes entre si, e isso enriquece a trama. Cada um contribui com um olhar próprio, e seus caminhos se cruzam de forma natural. Em determinado momento da série, todos participam de uma excursão, na qual precisam cooperar em atividades em grupo. Essa convivência fortalece os laços entre eles. Aos poucos, as emoções vêm à tona, como os sentimentos de Yuri por Kou, e o amadurecimento de Shuko, que começa a se abrir mais. Assim, as relações se constroem com leveza e realismo, mostrando como o amor e a amizade podem surgir de forma inesperada.
Além disso, há uma pureza especial nos vínculos que se formam entre os personagens. A honestidade com que se relacionam cria uma atmosfera tocante e verdadeira. No entanto, essa mesma sinceridade pode ser um risco: para alguns espectadores, o enredo pode parecer idealizado demais. Ainda assim, é justamente essa transparência que torna a história tão cativante. Ao Haru Ride oferece uma reflexão sensível sobre os caminhos que nos levam a nos conectar com os outros, sobre perdas, reencontros e a coragem de recomeçar.
Bom enredo e narrativa significativa

Narrativas com tramas semelhantes à de Ao Haru Ride são bastante frequentes no mundo dos animes, e suas conclusões normalmente não chocam. No entanto, a força da série não está em apresentar algo inovador, mas na maneira sensível com que os acontecimentos são conduzidos. O que realmente cativa é o desenrolar da trama e como ela consegue envolver emocionalmente o espectador. É justamente nesse percurso que a produção encontra sua essência, valorizando os pequenos gestos e as emoções silenciosas.
Um dos elementos mais notáveis está no desenvolvimento emocional dos personagens ao longo dos episódios. A narrativa mostra como cada vivência, boa ou ruim, influencia diretamente nas escolhas e comportamentos dos protagonistas. E isso é essencial em uma história que busca retratar o cotidiano e a evolução de jovens em formação. O anime acerta ao mostrar que, muitas vezes, são as dificuldades, os arrependimentos e as cicatrizes que moldam a personalidade e fazem crescer, tanto os personagens quanto o público que acompanha.
A trama, como é de se esperar nesse gênero, envolve relações afetivas complicadas, desentendimentos e sentimentos não correspondidos. O mais interessante é a forma como Futaba, mesmo temendo magoar os outros, acaba se prejudicando emocionalmente. Esse comportamento reflete dilemas reais e torna sua jornada ainda mais próxima do espectador. Embora a história utilize fórmulas conhecidas, como o triângulo amoroso, consegue manter um bom ritmo graças à sinceridade emocional das situações.
Um dos conflitos centrais gira em torno da dificuldade de Futaba em expressar seus sentimentos a um colega de classe, que, ironicamente, também tem sentimentos semelhantes por ela. Esse tipo de impasse, embora previsível, se apresenta com cuidado e acrescenta tensão dramática à história. São esses momentos delicados que mais se destacam, pois conseguem refletir a confusão emocional da adolescência sem exageros ou artificialidades.
Apesar dos temas sensíveis, a série mantém um equilíbrio entre drama e leveza. Quando o clima começa a pesar, o humor surge como um respiro, com piadas sutis e interações espontâneas que suavizam a narrativa. As conversas, em sua maioria, são bem construídas, embora em alguns trechos haja certa tentativa forçada de criar emoção, o que pode soar pouco natural. Ainda assim, a leveza se mantém como uma característica constante e bem-vinda.
Contudo, o drama, mesmo quando envolvente, às vezes se apoia demais em soluções simples ou pouco convincentes. As emoções nem sempre atingem o impacto esperado, e os personagens secundários acabam sendo subutilizados. Afinal, a relação entre Kou e Futaba domina tanto a narrativa que ofusca as demais histórias, criando uma sensação de desequilíbrio na distribuição do foco dramático e emocional da série.
No entanto, não existe muito espaço para a maioria dos personagens que acabam definidos por traços superficiais. Além disso, o triângulo amoroso, por exemplo, serve mais como um mecanismo narrativo do que como um conflito bem desenvolvido. Com isso, personagens que poderiam ter mais relevância se tornam quase decorativos. A falta de consequências reais em certas interações reduz o impacto da história como um todo.
Em contrapartida, a amizade entre Futaba, Yuuri e Murao traz momentos de ternura e identificação. O vínculo entre elas é construído com sinceridade e mostra como relações verdadeiras podem transformar vidas. O apoio mútuo, o respeito pelas diferenças e a honestidade são pilares dessa amizade, que reforça a importância do afeto nos momentos mais difíceis.
Por fim, ainda vemos bastante sobre a conexão entre Kou e seu irmão, Yoichi, ainda que de maneira sutil. As poucas cenas entre eles revelam diferenças de personalidade, mas também um vínculo fraterno que contribui para a formação de Kou. Há diálogos que parecem estagnados ou pouco relevantes, mas o humor presente em personagens como Aya Kominato ajuda a manter o tom leve. Aya traz energia às cenas e atua como contraponto aos dramas mais introspectivos da série.
Aya, inclusive, protagoniza interações engraçadas com Murao, que geralmente ignora suas investidas. Essas cenas servem como alívio cômico, embora não avancem como subtrama romântica. No final, o foco permanece em Futaba e Kou, enquanto os demais personagens ocupam uma posição de menor importância. É uma escolha narrativa clara, mas que limita o potencial emocional dos outros integrantes do elenco.
Estilo e arte acima da média

O estilo do desenho se mostra plenamente adequado ao tipo de obra proposta. Afinal, as linhas são simples e delicadas, ganhando força apenas nos pontos mais importantes. Além disso, não existem características físicas excessivas nos personagens, nem olhos desproporcionalmente grandes, como é comum em animes. Tanto os cenários quanto os personagens seguem uma estética mais próxima do estilo ocidental, o que reforça o equilíbrio visual da composição.
Todo o aspecto artístico evoca uma impressão de juventude e leveza. A escolha pelo tema da primavera estabelece um clima sereno, com elementos visuais que seguem uma estrutura sutil, mas eficaz. Enquanto isso, o ambiente externo e a atmosfera são apresentados de forma coerente e bem trabalhada. No entanto, os flashbacks recebem um tratamento especial, com cores suaves que lembram aquarela, reforçando o tom nostálgico e a juventude dos personagens.
Por fim, a construção das cenas é contida e bem pensada. Os personagens demonstram firmeza, ainda que seu desenvolvimento não seja tão profundo. Desse modo, a atenção não recai tanto sobre a aparência, mas sim sobre os momentos que eles protagonizam. As cenas de maior importância são mais detalhadas, e existe uma pausa intencional antes de cada transição, valorizando a narrativa.
Tudo indica que a intenção é criar novas memórias e mostrar como elas são absorvidas e transformadas pelos personagens em poucos, mas intensos, minutos. Ainda assim, é evidente o cuidado do estúdio Production I.G, que entrega um trabalho visual diversificado e tecnicamente bem executado.
A trilha sonora importa, e muito!

A trilha sonora de Ao Haru Ride se destaca como um dos elementos mais marcantes da obra. As composições, delicadas e emotivas, contribuem para aprofundar a atmosfera de diversas cenas. Além disso, nos momentos de maior intensidade, algumas faixas específicas são reutilizadas de forma estratégica, acentuando a importância emocional de certos acontecimentos ao longo da narrativa.
Essa escolha musical se revela especialmente eficaz nas cenas em que os laços entre os personagens se tornam mais evidentes, mesmo dentro de suas próprias realidades limitadas. Desse modo, é difícil não perceber a voz única de uma das personagens femininas, que se sobressai de maneira positiva. Também é perceptível a evolução entre as versões anteriores e atuais de Kou, de Tanaka a Mabuchi. Shuuko, por sua vez, inicia a história como uma figura fria e isolada, mas aos poucos revela uma personalidade mais introspectiva e madura. Em contrapartida, a voz de Futaba pode soar um tanto comum em certas partes, tornando mais difícil estabelecer uma ligação imediata com a personagem.
Embora a trilha seja inicialmente discreta, ela se torna mais presente e marcante à medida que a história avança. Isso reflete tanto a qualidade das músicas quanto o cuidado na forma como foram inseridas na narrativa, principalmente a partir da metade até o desfecho da trama.
Já a abertura e o encerramento compartilham uma atmosfera semelhante, ambas com melodias suaves e agradáveis. Enquanto a abertura foca em ressaltar a conexão entre Mabuchi e Futaba, o encerramento oferece destaque ao elenco principal, apreciando a interação entre os cinco personagens principais da narrativa.
Conclusão de Ao Haru Ride

Vale destacar que Ao Haru Ride não se sobressai por um começo eletrizante nem por um desfecho cheio de reviravoltas. Ou seja, a grande força da adaptação do mangá de Io Sakisaka está na maneira como a história se desenrola a partir de personagens cativantes, construídos com um cuidado especial. É isso que dá vida ao anime, que se enquadra no gênero slice of life, trazendo nuances de romance e algumas pitadas de comédia bem dosadas.
O anime é leve e envolvente, com personagens que se diferenciam bastante entre si e cujas personalidades são bem trabalhadas. A combinação entre o romance e o humor é equilibrada e contribui para tornar a experiência mais prazerosa. Um dos motivos pelos quais chama mais a atenção é seu visual marcante. Afinal, a arte lembra bastante Kimi ni Todoke, mas, parece que Ao Haru Ride é ainda mais bonito, especialmente nos momentos em que a técnica de aquarela é aplicada, esse efeito visual me conquistou totalmente, pois sou apaixonado por aquarela.
Para uma história com essa sensibilidade, o ambiente construído é adequado e cumpre bem seu papel. A trilha sonora, mesmo sem grande destaque, é de excelente qualidade e complementa os episódios de forma discreta, mas eficiente, ajudando a compor a atmosfera sem tirar o foco dos acontecimentos principais.
Embora o romance esteja presente, ele não assume o papel central da narrativa. Em vez disso, o foco maior é colocado no amadurecimento dos personagens, tanto os protagonistas quanto os secundários. O envolvimento amoroso aparece como uma meta que eles podem alcançar, não como algo que guia a trama o tempo todo. A prioridade está nas transformações internas e no crescimento emocional dos personagens.
Os momentos de humor e os episódios mais românticos aparecem ao longo da história, mas de forma ocasional. O anime trata, acima de tudo, das situações comuns da adolescência e das dificuldades emocionais que podem surgir nesse período. A atmosfera, no geral, é mais séria do que a de outros animes do mesmo gênero, o que traz um tom mais realista à obra.
É importante mencionar que o anime termina sem entregar uma conclusão definitiva. A história permanece em aberto, o que pode deixar uma sensação de incerteza em quem espera uma resolução clara. Para descobrir o desfecho completo da narrativa, é necessário continuar acompanhando a história através do manga.
Ao Haru Ride é um slice of life que aposta em realismo emocional e reflexões sobre a vida. A obra vale a pena tanto pelo entretenimento quanto pelas pequenas lições que transmite sobre amadurecimento e relações humanas.
Para quem quiser assistir, o anime Ao Haru Ride (ou Blue Spring Ride) está disponível na Crunchyroll. A versão live-action, de 2023, está disponível com legendas em português na plataforma Viki. Já o mangá está à venda no Brasil pela editora Panini, também em português.