Resident Evil 7 foi profundamente influenciado por PT
Resident Evil 7 foi profundamente influenciado por P.T.

Os jogos de terror são uma montanha-russa emocional, que vai do medo absoluto à euforia da sobrevivência. Recentemente, estive jogando Resident Evil Village e passei por uma experiência que me deixou tanto apavorado, quanto inspirado.

Em um capítulo específico, um feto gigante me perseguia incessantemente e, ao me alcançar, me engolia inteiro. A atmosfera opressora do jogo criava um verdadeiro pesadelo acordado.

Quando finalmente consegui entrar no elevador e me livrar daquela coisa grotesca, a sensação de alívio e euforia foi indescritível.

Todo gamer sabe que uma boa dose de adrenalina, medo e frustração faz parte da diversão. Experiências intensas como essa me inspiraram a escrever sobre este tema, trazendo alguns fatos históricos e destacando momentos que fazem nossos corações baterem mais rápido.

Você já se pegou jogando no escuro, com os fones de ouvido, quando de repente uma porta range ao fundo e seu coração dispara? Provavelmente sim e você não está sozinho.

Os jogos de terror têm um jeito especial de nos prender, nos fazer suar frio e, ao mesmo tempo, nos deixar pedindo por mais. Mas como esse gênero tão peculiar se tornou um dos favoritos dos gamers ao redor do mundo?

Tudo surgiu como uma tentativa de capturar a essência do medo e transformá-la em uma experiência interativa. Desde os primeiros jogos, os desenvolvedores têm explorado maneiras de induzir medo e tensão nos jogadores, criando atmosferas carregadas e narrativas que mexem com o psicológico.

Bora para uma viagem arrepiante pelo universo dos jogos de terror. Afinal, não há nada como um bom susto para nos lembrar de que estamos vivos. E quem sabe, você não descobre algo novo sobre seus jogos de terror favoritos?

Terror vs Horror – Entendendo a Diferença

Para começar, vamos entender que, embora os termos “terror” e “horror” sejam comumente usados de forma genérica, eles representam conceitos bem diferentes e desempenham papéis diferentes em uma narrativa e na experiência dos videogames.

Terror

Em termos simples, “Terror” é a sensação de medo antecipado, a ansiedade e a tensão que precedem um evento assustador. É aquele arrepio na espinha, aquela intuição de quando você sente que algo de ruim está prestes a acontecer, mas não sabe exatamente o quê.

Nos games, o terror é basicamente criado através de atmosfera, sons e todo um suspense. Para dar um exemplo, jogos classicos que utilizam o terror de forma magistral são Silent Hill e Amnesia: The Dark Descent.

No caso do Silent Hill, aquela névoa espessa, os sons distorcidos e os vislumbres de criaturas deformadas criam uma sensação constante de desconforto e medo do desconhecido. Talvez eu tenha pegado pesado com o exemplo de Silent Hill logo de cara, mas esse é talvez o maior ícone moderno.

Em resumo, o terror está mais em nossa mente e no medo do que poderia ser ou acontecer.

Horror

Já o “Horror”, por outro lado, é a reação visceral e emocional ao presenciar algo horrível. Ou melhor, é o choque e a repulsa diante de uma cena grotesca ou um monstro grotesco assustador. Jogos que focam no horror muitas vezes apresentam imagens explícitas e sustos repentinos (os famosos “jump scares”). Um outro exemplo icônico é, sem dúvida, Resident Evil. Em sua essência, os jogadores enfrentam zumbis e monstros grotescos em cenários cheios de sangue e destruição.

A diferença entre terror e horror é sutil em alguns casos, mas importante. O terror cria uma expectativa de medo, prolongando a tensão e a ansiedade do jogador. Já o horror oferece uma liberação imediata dessa tensão, geralmente através de uma revelação chocante ou uma cena aterrorizante e potencialmente mortal.

Jogos que conseguem equilibrar esses dois elementos tendem a ser os mais eficazes em criar uma experiência verdadeiramente assustadora. Afinal, quem é que não gosta de passar um medinho?

Silent Hill é um exemplo perfeito de jogo que mistura terror e horror de forma brilhante, devo dizer. A atmosfera densa e os cenários surreais nos mantêm em um estado de constante de tensão (terror), enquanto as criaturas grotescas e as cenas perturbadoras fornecem os momentos de choque e repulsa (horror).

Um pouco mais recente, outro exemplo bom é Outlast, onde a tensão é criada através da exploração de um asilo abandonado, com a constante ameaça de ser perseguido por inimigos implacáveis (terror), culminando em encontros brutais e violentos (horror).

Em contraste, jogos como Five Nights at Freddy’s dependem fortemente de horror. Esse jogo indie é conhecido por seus “jump scares” e a tensão crescente enquanto quem joga tenta sobreviver a cada noite. A expectativa de que algo vai pular na sua cara a qualquer momento (terror) é rapidamente seguida por a aparição repentina de um animatrônico assustador (horror).

Percebe a diferença? Entender essa distinção nos ajuda a perceber as diversas formas de como os jogos de terror podem manipular nossas emoções e criar traumas… digo, experiências memoráveis.

Influências para os Jogos de Terror

Os jogos de terror não surgiram do nada e tão pouco foram os primeiros a acabar com nosso psicológico; nos anos 1980, os jogos foram profundamente influenciados por outras formas de mídia, especialmente o cinema, a literatura e também a cultura popular (lendas, mitos e folclore geral).

Essas influências moldaram o gênero e a definiram as características dos primeiros jogos. Na época, o gênero de aventura predominava não apenas nos filmes, mas também nos videogames.

Por isso, era comum encontrar jogos de aventura com temáticas de terror e castelos mal-assombrados, diretamente inspirados pelo cinema. Para se ter uma ideia, alguns filmes de com temática de terror dos anos 80 eram dignos de sessão da tarde.

No Cinema

O cinema de terror, tem sido uma fonte rica de inspiração para os desenvolvedores de jogos até hoje. Filmes como Psicose de 1960 e O Exorcista de 1973 introduziram técnicas de construção de suspense e sustos que foram adaptadas e reaproveitadas em outros formatos, como os videogames.

Quer mais?! A franquia Resident Evil deve muito a filmes de zumbis como “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) de George A. Romero. No Resident Evil 2, por exemplo, a cidade de Raccoon City infestada por zumbis remete diretamente à atmosfera claustrofóbica e apocalíptica dos filmes de Romero. O conceito de zumbi clássico (lerdo e bobão) veio de lá.

A Noite dos Mortos-Vivos (1968) - George A. Romero
A Noite dos Mortos-Vivos (1968) – George A. Romero

Silent Hill 2 foi inspirado por filmes de terror psicológico como “Jacob’s Ladder” (“Alucinações do Passado” ) de 1990. A cena inicial de Silent Hill 2, onde o James Sunderland caminha pela névoa espessa da cidade, é uma referência à atmosfera surreal e perturbadora do filme. O uso de iluminação, ângulos de câmera e música sombria cria uma sensação de constante desorientação e medo.

Mas antes de criarem essas franquias originais, adaptar filmes diretamente para jogos era a prática mais comum. As grandes empresas do mercado de videogames e consoles enxergou rapidamente a oportunidade de capitalizar ainda mais o sucesso de bilheteria de muitos filmes.

“The Evil Dead” (1984) e “Friday the 13th: The Computer Game” (1985) são exemplos de como a atmosfera e os sustos do cinema podem ser adaptados para uma experiência interativa. “Friday the 13th”, por exemplo, desafia os jogadores a sobreviver enquanto são caçados por Jason Voorhees, capturando a tensão dos filmes através de perseguições implacáveis e emboscadas súbitas.

Sobre essas adaptações, vale mencionar que muitos estudiosos e historiadores gostam de fazer a seguinte análise: O cinema foi uma evolução do teatro e o videogame é a evolução do cinema. (Plugar-se na matrix seria então a evolução dos videogames??)

Na Literatura

A literatura de terror, desde os clássicos góticos de Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft até os contos modernos de Stephen King, também teve (e têm) um impacto considerável nos jogos de terror. Elementos como ambientes opressivos, “criaturas indescritíveis” e temas de loucura e desespero são comuns tanto na literatura quanto nos jogos que tanto amamos.

Para ilustrar melhor do que estou falando, “Alone in the Dark” de 1992 foi fortemente influenciado pelos mitos de Cthulhu de Lovecraft, com sua atmosfera sombria e criaturas abomináveis. O jogo nos transporta para a mansão Derceto, repleta de horrores “indescritíveis” e segredos antigos, evocando a sensação de pavor e desconhecido típica das histórias de Lovecraft.

Outro exemplo mais recente é “Bloodborne” (queremos no PS5!), que combina elementos góticos com o terror cósmico lovecraftiano. O jogo é repleto de referências a obras de Lovecraft, como monstros tentaculares e a sanidade sendo corrompida pelo conhecimento proibido. Em Bloodborne, quanto maior o discernimento do personagem, mais doidão ele vai ficando e mais visões de criaturas bizarras ele vai tendo.

Quem jogou não tem como esquecer do momento épico que é a batalha contra o chefe “Ebrietas, Filha do Cosmos “, uma abominação INDESCRITÍVEL que parece saída diretamente dos contos do Lovecraft (cuja tarefa era descrever o indescritível).

Na Cultura Popular

A cultura popular, incluindo lendas urbanas, mitos e folclore mundial, também forneceu uma base importante. Jogos como “Fatal Frame” se baseiam em histórias de fantasmas e tradições espirituais japonesas. O uso de câmeras para capturar e exorcizar espíritos era uma inovação que se destacou muito no gênero.

Momentos como enfrentar o espírito vingativo de Kyrie na mansão Himuro criam uma tensão absurda e um medo profundo que nos desligam quase que por completo da realidade.

Until Dawn (dále mais remake/remaster) utiliza mitos e criaturas do folclore americano. Um momento marcante no jogo é a revelação do Wendigo no sanatório abandonado, que combina susto repentino com horror psicológico.

Jogos de Terror - Until Dawn - Sony Playstation
Wendigo em Until Dawn – Sony Playstation

Este é um jogo baseado em escolhas morais que afetam o destino dos personagens, e isso vai criando uma narrativa interativa onde cada decisão pode levar a um desfecho trágico. Isso sem falar nos gráficos super realistas e o uso de captura de expressões faciais, aumentando o medo e a tensão por meio da empatia.

Essas e outras influências contribuíram para a construção de um senso de autenticidade e profundidade nos jogos, tornando-os ainda mais assustadores e envolventes. Já que as influências externas não apenas enriqueceram as narrativas dos jogos de terror, mas também impactaram suas mecânicas de gameplay.

A ideia de sobrevivência contra probabilidades impossíveis, comum em muitos romances e filmes de terror, foi incorporada nos jogos, resultando no subgênero de “survival horror”. Este que é um dos mais explorados até hoje.

A gestão de recursos escassos, a resolução de puzzles complexos e a exploração de ambientes perigosos são elementos que mantêm os jogadores constantemente alertas e envolvidos (e viciados).

Survival Horror – O Rei dos Jogos de Terror

Nos anos 1990, os jogos de terror deram um salto gigantesco em termos de complexidade e imersão, impulsionados pelo avanço tecnológico e pela popularização dos gráficos em 3D nos consoles de nova geração, como o PlayStation, o Nintendo 64 e o Sega Saturn.

Não dá para negar, foi uma década marcada pelo surgimento de alguns dos títulos mais icônicos e influentes do gênero, que não apenas definiram um novo modelo de negócio, mas também se tornaram franquias que conquistaram legiões de fãs ao redor do mundo.

Em 1992, surge Alone in the Dark, trazendo gráficos em 3D e câmeras fixas, criando uma sensação de suspense e claustrofobia inédita até então.

Apesar de já existirem títulos com temática de terror desde a década de 1980, Alone in the Dark é considerado por muitos como o precursor do gênero horror e sobrevivência, ao incluindo puzzles mais elaborados que desafiavam o raciocínio e perspicácia dos jogadores, além de uma narrativa mais profunda e envolvente.

Jogos de Terror Mansão Derceto - Alone in The Dark - 1992
Mansão Derceto – Alone in The Dark – 1992

Nessa época, como os desenvolvedores começaram a explorar o uso dos gráficos tridimensionais, iluminação dinâmica e das trilhas sonoras mais ricas e atmosféricas, os jogos começariam a fazer um paralelo com o cinema.

As narrativas ganharam mais espaço e atenção e, praticamente qualquer equipe de desenvolvimento possuía um escritor/roteirista dedicado somente para esse aspecto. Os videogames começaram a se parecer mais com filmes interativos e menos com “joguinhos”.

De repente, os jogadores podiam se encontrar em ambientes claustrofóbicos, onde a sensação de espaço e profundidade aumentava a tensão e o medo. Se nos anos 80 o gênero de aventura era predominante, nos anos 90, o terror tomou conta. E foi só ladeira acima.

Resident Evil: Um Divisor de Águas

Em 1996, a Capcom lançou Resident Evil para o PlayStation, e temos que admitir; nada mais foi o mesmo…

Resident Evil (1996) - Imagem Capcom
Resident Evil (1996) – Imagem Capcom

Considerado o maior clássico dos jogos de terror de sobrevivência, o primeiro Resident Evil nos apresentou uma fórmula que se tornaria a espinha dorsal do gênero: exploração, resolução de quebra-cabeças e combate limitado, tudo ambientado em uma atmosfera de constante tensão e medo.

O jogo se passava em uma mansão infestada de zumbis e outras criaturas monstruosas. O jogador assumia o papel de um dos membros da equipe S.T.A.R.S., desvendando os mistérios do lugar enquanto lutava para sobreviver.

A combinação de uma narrativa intrigante, personagens memoráveis e a mecânica de gerenciamento de recursos criou uma experiência que foi tanto desafiadora quanto assustadora.

Se a Capcom sabia que estava criando uma das maiores franquias de todos os tempos? Não, nem podia imaginar!

Mas, Shinji Mikami, o diretor/criador de Resident Evil, teve um baita desafio para trazer o jogo à vida. Inicialmente, Mikami recebeu um orçamento bem limitado e uma pequena equipe, composta principalmente por novatos da Capcom.

O projeto, que era chamado de “Biohazard” no Japão, enfrentou várias dificuldades, incluindo a quase desistência por parte da Capcom. Inclusive, uma consultoria chegou a recomendar a descontinuação do projeto, no entanto, a persistência de Mikami e o apoio do produtor Tokuro Fujiwara foram fundamentais para que o projeto chegasse a fase final.

Com poucos recursos, a equipe teve que trabalhar na base da gambiarra, e muitas vezes fazendo turnos até as 3 da manhã. O desenvolvimento começou com a ideia de um jogo em primeira pessoa, mas devido às limitações técnicas dos consoles, Mikami optou por usar gráficos pré-renderizados com uma câmera fixa, usando como referência o jogo Alone in the Dark.

Além disso, como produzir as cutscenes em CGI estava fora de questão, a equipe teve a ideia de produzir um live-action. Foi anunciado no jornal local que a Capcom estava à procura de atores e modelos caucasianos que estivessem no Japão.

As cenas live-action, que incluíam a famosa introdução do jogo, foram filmadas com atores estrangeiros, muitos dos quais eram amadores e iniciantes na atuação. Isso resultou em um charme “caseiro” que se tornou parte da identidade do primeiro jogo.

Resident Evil se estabeleceu como uma nova referência para o gênero de terror e sobrevivência, se tornando um sucesso comercial massivo e referência entre os jogos de terror.

O primeiro Resident Evil deu origem a uma das franquias mais icônicas e influentes, com inúmeras sequências, spin-offs e adaptações para outros formatos, como filmes, séries, animações, livros e até quadrinhos. Algo que não era comum na época.

Silent Hill – A Psicologia Aplicada aos Jogos de Terror

O terror psicológico nos jogos é uma busca profunda no nosso subconsciente, uma exploração dos nossos medos mais íntimos e das nossas ansiedades mais profundas.

Silent Hill (1999) - Imagem Teneesh - steamgriddb
Silent Hill (1999) – Imagem Teneesh – steamgriddb

Diferente do terror explícito, que se baseia em sustos repentinos e monstros grotescos, o terror psicológico nos faz enfrentar o desconhecido e nos perder na escuridão da própria mente.

“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido. ” (H.P. Lovecraft).

É bem nessa vibe que Silent Hill, lançado pela Konami em 1999, se destacava como uma obra-prima do gênero. Enquanto Resident Evil dominava com o horror de sobrevivência mais orientado para a ação, Silent Hill se diferenciou por sua ênfase na psicologia e na atmosfera de pesadelo vivido.

Em vez do medo de ser morto de forma selvagem, Silent Hill mergulhava os jogadores profundamente nos medos e nas ansiedades, criando uma experiência perturbadora e inesquecível. Afinal, existem destinos muito piores do que simplesmente morrer.

A cidade enevoada de Silent Hill, com sua trilha sonora perturbadora e design de som magistral, era um personagem por si só. O jogo utilizava a névoa e a escuridão para limitar a visibilidade e assim lidar com limitação do hardware do Playstation, e isso aumentava a sensação de claustrofobia e desorientação.

A narrativa complexa e cheia de simbolismos abordava temas pesado como trauma, culpa e redenção, diferenciando Silent Hill de outros jogos de terror que focavam mais em sustos diretos.

Cada jogo da série Silent Hill traz uma história única, mas todas são ligadas pelo tema comum do terror psicológico. O interessante é que os jogadores não são apenas espectadores passivos; eles são participantes ativos na descida ao inferno pessoal de cada protagonista.

E isso, de certa forma, cria uma experiência profundamente pessoal e emocional, que ressoa de maneiras que poucos outros jogos conseguem, mesmo nos padrões de hoje.

Além do Suvival Horror

Ainda sobre Terror Psicológico, gostaria de trazer o exemplo de “Amnesia: The Dark Descent” (2010) um título que apesar de indie, é notável e, particularmente, me surpreendeu na época.

Em Amnesia controlamos um personagem que perdeu a memória e deve explorar um castelo sombrio, afim de reconstituir seus passos. Durante o “rolê insano”, nos deparamos uma série de puzzles desafiadores enquanto tentamos escapar de monstros perseguidores e assombrações sorrateiras.

O grande destaque, porém, é a mecânica de sanidade: ela simplesmente se deteriora ao olharmos diretamente para os monstros ou só de ficar no escuro por muito tempo.

Isso eleva a tensão e o medo a novos patamares, proporcionando uma experiência de terror psicológico extremamente intensa. Outro detalhe importante é que “Amnesia” se destaca pela impossibilidade de se defender das ameaças.

Se antes estávamos acostumados a atirar na cara de monstros, só nos resta fugir e se esconder nas sombras.

Jogos de Terror Amnesia The Dark Descent - Frictional Games
Amnesia The Dark Descent – Frictional Games

Inicialmente, os desenvolvedores planejavam implementar mecânicas de combate “ruins” propositalmente para aumentar a tensão por meio da sensação de impotência do personagem. No entanto, durante o frigir dos ovos, mudaram de ideia por receio de que a maioria dos jogadores não compreendesse a proposta e simplesmente achassem o jogo malfeito.

E, no final das contas, nesse formato, o jogador se torna uma vítima indefesa, sendo essa a maior fonte do medo; a falta de controle sobre a situação.

Jogos de Terror Japonês

Embora muitos jogos de terror sejam desenvolvidos no Japão, na maioria das vezes apresentam enredos e personagens americanizados para atender ao público ocidental.

Voltando um pouco, em meados da década de 2010 vimos um aumento na popularidade do terror autêntico japonês, graças a filmes como “O Grito” (2004), que conseguiram furar a bolha dos filmes de terror de Hollywood e capturar a atenção ocidental. Esse sucesso abriu um caminho para a indústria de videogames japonesa introduzir jogos com temáticas de folclore japonês no Ocidente.

O terror japonês, ou “J-Horror”, é conhecido por sua capacidade de criar atmosferas de medo e desconforto através de elementos sobrenaturais, psicologia perturbadora e histórias profundamente enraizadas no folclore e nas lendas locais japonesas.

Bem antes do advento do cinema, o Japão já possuía uma rica tradição de narrativas perturbadoras e inexplicáveis através do teatro, dança, brincadeiras e conto de histórias em volta da fogueira. Histórias e crenças tradicionais, as quais foram transmitidas de geração para geração.

Por exemplo, o Hyaku Monogatari, que significa “cem histórias” em japonês, é uma brincadeira tradicional japonesa de contar histórias de terror. Começou durante o período Edo (1603-1868), onde pessoas se reuniam à noite, acendiam cem velas e contavam histórias assustadoras. Após cada história, apagava-se uma vela, aumentando a tensão e o suspense. Acredita-se que essa prática tinha o propósito de invocar espíritos ou testar a coragem dos participantes.

Pintura Japonesa Hyaku Monogatari - O jogo das 100 velas
Pintura Japonesa Hyaku Monogatari – O jogo das 100 velas

Muitos jogos se baseiam em histórias e lendas japonesas, apresentando espíritos vingativos, entidades malignas, maldições antigas e rituais sombrios. Ao invés de focar em sustos repentinos, o J-Horror cria uma sensação constante de medo e desconforto através da atmosfera, sons inquietantes e cenários perturbadores da era feudal.

Outro aspecto interessante é que, nos jogos de terror do tipo J-Horror, os protagonistas são sempre pessoas comuns, sem habilidades de combate excepcionais, aumentando a sensação de vulnerabilidade e impotência.

Talvez o exemplo de J-Horror mais famoso aqui no Brasil seja Fatal Frame (2001). Também conhecido como “Project Zero”, essa série se destacou por seu uso inovador da “Camera Obscura”, um dispositivo que permitia aos jogadores capturar e “exorcizar” espíritos tirando fotos deles.

A sensação de ter que enfrentar diretamente os fantasmas através da lente da câmera criava uma experiência de terror muito singular. O jogo não pega leve e um momento épico é o confronto com Kirie, o espírito principal, onde devemos usar todas as habilidades aprendidas para sobreviver ao encontro.

Outro bom exemplo é “Ju-On: The Grudge” (2009) – Baseado no filme O Grito, este jogo tenta recriar a atmosfera assustadora do cinema. Nesse jogo de terror você assume o papel de diferentes personagens que entram em contato com a maldição de Kayako.

Sendo um jogo exclusivo de Nintendo Wii, a utilização do Wii Remote como uma lanterna adiciona uma camada extra de imersão e medo. (A aparição de Kayako descendo as escadas, exatamente como no filme, causando um terror visceral.)

A introdução de jogos de terror com temáticas japonesas no Ocidente foi um passo importante para diversificar o gênero, que já estava saturado de zumbis e soldados.

Oferecer novas formas de contar histórias de horror, principalmente o jeito peculiar japonês, não apenas nos trouxeram uma nova perspectiva para os produtores ocidentais, mas também destacou a riqueza do folclore japonês e sua capacidade de criar narrativas envolventes e assustadoras.

P.T.: A Demo que Influenciou os Jogos de Terror

O ano era 2014, muito tempo se passara desde o último lançamento bem-sucedido de Silent Hill. E Resident Evil havia se tornado uma franquia de ação digna de Seção da Tarde. A indústria tinha perdido a mão aparentemente.

Até que, em agosto daquele ano, uma demo enigmática apareceu, “do nada, na PlayStation Store, sob o título “P.T.”, ou “Playable Teaser”. Desenvolvida pela Konami, sob a direção de Hideo Kojima e com a colaboração do cineasta Guillermo del Toro, “P.T.” rapidamente se tornou um fenômeno no mundo dos videogames.

Jogos de Terror - PT (Silent Hills) 2014 - Imagem Konami Divulgação
P.T. (Silent Hills) 2014 – Imagem Konami Divulgação

A demo, do que seria o próximo Silent Hill, não apenas viralizou, revelando o potencial do projeto “Silent Hill”, mas também deixou um impacto que perdurou na indústria de jogos de terror.

Do nada e para o nada, depois de muito Hype, o Kojima Anuncia o fim do projeto e também sua saída da Konami, pegando todos de surpresa. Embora o projeto completo tenha sido cancelado, “P.T.” deixou uma formula de jogo perfeita e um mercado aquecido.

Para se ter uma ideia, quando o Playable Teaser foi removido da Playstation Store, haviam anúncios de consoles Playstation 4 sendo vendidos a valores surreais, apenas por contes a demo instalada.

P.T. foi capaz influenciar profundamente o design e a abordagem de futuros títulos de terror, incluindo o aclamado “Resident Evil 7: Biohazard”. A Capcom entendeu o recado e trouxe uma surpresa muito agradável para o público carente de jogos de terror.

Resident Evil Village - Feto Gigante
Resident Evil Village – Feto Gigante

Mas por que P.T. fez tanto barulho?

A demo colocava o jogador em um ciclo repetitivo de corredores de uma casa aparentemente comum, mas que se revelava um labirinto de horrores psicológicos e sobrenaturais. A demo utilizava perspectiva em primeira pessoa para aumentar a imersão, fazendo com que cada detalhe do ambiente se tornasse crucial em algum momento.

Os jogadores eram forçados a resolver enigmas ambientais enquanto lidavam com aparições realmente perturbadoras e uma atmosfera sufocante de terror crescente. E, claro, o uso magistral do som binaural, iluminação e design de ambientes criavavam uma sensação de claustrofobia e desespero. Algo que os grandes estúdios pareciam ter se esquecido.

Jogos de Terror - PT (Silent Hills) - Imagem Konami divulgação
P.T. (Silent Hills) – Imagem Konami divulgação

Em P.T. a presença fantasmagórica de Lisa, uma entidade que persegue e assombra o jogador, é uma constante fonte de medo. Momentos épicos, como a primeira aparição ou a descoberta de mensagens criptografadas nos rádios, destacavam a habilidade de P.T. em criar sustos inesperados e uma tensão contínua. Tudo isso e nem se quer era um jogo completo.

No entanto, a demo foi amplamente aclamada pela crítica e pelos jogadores por sua capacidade de evocar um medo visceral e psicológico. Após críticas de que a série Resident Evil havia se afastado de suas raízes de terror em favor da ação, a Capcom finalmente decidiu reconsiderar. A atmosfera opressiva, o design detalhado dos ambientes e a ênfase em sustos psicológicos em “Resident Evil 7” devem muito à fórmula entregue por “P.T.”.

E a influência de “P.T.” não para por aí… Vários jogos de terror contemporâneos adotaram elementos que se tornaram populares graças à demo.

Em Layers of Fear (2016), por exemplo, você entra na pele de um pintor que enfrenta sua própria loucura enquanto explora sua mansão, cheia de corredores em constante mudança.

A perspectiva em primeira pessoa e os elementos de puzzle ambiental mostram claras influências de “P.T.”, criando uma experiência de terror psicológico intensa.

Em 2020, Visage chega trazendo uma atmosfera perturbadora e foco em terror psicológico, também declarando grande influência de P.T. Já que é situado em uma casa mal-assombrada.

O jogo desafia quem estiver jogando a desvendar mistérios enquanto enfrenta entidades paranormais e eventos inexplicáveis. A sensação de isolamento e a tensão crescente em Visage são reminiscentes do que tornou “P.T.” tão impactante. Seis anos de P.T e a demo mal resolvida ainda continuava a influenciar toda uma indústria de jogos.

“P.T.” demonstrou o poder do design atmosférico e da narrativa ambiental em jogos de terror, algo que, por algum motivo, parecia ter se perdido através do tempo. A abordagem minimalista, combinada com uma execução técnica impecável, redefiniu as preferencias para o gênero.

Mais do que isso, a capacidade de “P.T.” de criar medo através da sugestão e da construção de tensão, ao invés de sustos baratos é o que faltava em muitos jogos. Até mesmo a indústria indie estava sofrendo uma espécie de crise criativa nesse gênero.

O cancelamento de “Silent Hills” foi uma grande decepção para os fãs, mas o impacto de “P.T.” parece continuar a influenciar a forma como os jogos de terror são desenvolvidos e também apreciados. Se dúvida, um divisor de águas, mesmo sem nem ter sido lançado.

Alan Wake II e a Visão de Sam Lake

No final de 2023 tivemos uma grande surpresa; Alan Wake II. Numa geração ávida por jogos originais, esse lançamento foi muito bem recebido, mais ainda, redefinindo os padrões narrativos dos jogos de terror modernos.

Sam Lake, a mente criativa por trás de Alan Wake, Control e Quantum Break, trouxe uma abordagem única e inovadora ao gênero de terror. Como diretor criativo da Remedy Entertainment, Lake sempre foi conhecido por seu talento em criar narrativas profundas e atmosferas imersivas.

Em Alan Wake II, Lake se superou ao explorar temas de dualidade e ecos, nos levando a uma jornada tanto psicológica quanto assustadora. Tudo isso se baseando na filosofia existencialista de Sartre e Camus, onde a realidade é frequentemente um reflexo distorcido do nosso próprio estado interior​.

Mesmo achando que já vimos de tudo, Alan Wake II se diferencia por sua mecânica de “Sobreviver com Luz”, onde a luz é uma ferramenta crucial para enfrentar inimigos e resolver puzzles.

Esse conceito, que remonta ao jogo original (Alan Wake 2010), foi refinada para criar uma experiência de terror de sobrevivência mais metódica e envolvente​. O uso da lanterna não é apenas uma mecânica de combate, mas um símbolo da luta contra a escuridão, tanto literal quanto metaforicamente.

Em um nível mais profundo, Alan Wake II explora o medo existencial. O personagem de Alan está preso em uma dimensão (Dark Place), um reflexo de seus próprios tormentos e falhas. Esse cenário metafórico obriga o jogador a confrontar perguntas sobre identidade, propósito e a natureza do bem e do mal. A luta de Alan para escapar do Dark Place pode ser vista como uma luta pela própria alma. Como mencionei anteriormente, há destinos piores do que apenas simplesmente morrer.

Para aqueles que buscam uma experiência que combine medo visceral com uma narrativa profunda e complexa, Alan Wake II é uma sugestão valiosa em gênero de terror contemporâneo.

Se tem o trabalho de Sam Lake envolvido, podemos sempre esperar que futuras iterações e expansões continuem a desafiar e fascinar jogadores de todo o mundo.

O Fascínio por Jogos de Terror

E por falar em fascínio por jogos de terror nos envolvem através de atmosferas opressoras, narrativas envolventes e personagens complexos, criando um vínculo emocional que nos faz voltar por mais sustos e desafios. Seja enfrentando zumbis, monstros sobrenaturais ou explorando nossos medos psicológicos, esses jogos nos oferecem uma experiência única que poucos outros gêneros conseguem proporcionar.

Com a rápida evolução das tecnologias, o futuro dos jogos de terror promete ser ainda mais imersivo (e aterrorizante). A integração de VR com IA avançada, som 3D, e iluminação dinâmica criará experiências que são quase indistinguíveis da realidade. À medida que os roteiristas e game designers exploram novas maneiras de envolver os jogadores, o terror nos videogames continuará a evoluir, oferecendo novas e emocionantes formas de experimentar o medo.

Jogos de Terror - As definições de maldade foram redefinidas
As definições de maldade foram redefinidas

No final, acredito que o que torna os jogos de terror tão cativantes é a combinação de medo e prazer. Eles nos lembram da nossa vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, nos dão a chance de superar nossos medos, proporcionando uma catarse emocional.

Então, da próxima vez que você estiver jogando no escuro, com os fones de ouvido, e escutar uma porta rangendo ao fundo, lembre-se: é essa adrenalina que nos mantém vivos e nos faz voltar por mais. Afinal, não há nada como um bom susto para nos fazer sentir mais humanos. Não é mesmo!?

Obrigado por nos acompanhar até aqui. Compartilhe nos comentários qual foi o jogo de terror que mais te marcou.

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