Se você é daqueles que se aventuram em jogos de mundo aberto, já deve ter jogado pelo menos um Far Cry — uma franquia que há duas décadas combina liberdade, ação desenfreada e, principalmente, histórias com vilões inesquecíveis.
Mas não dá para fugir da pergunta que paira no senso comum da comunidade gamer: “Far Cry é sempre o mesmo jogo apenas com personagens e temáticas diferentes? ”
É verdade que a série segue uma formula familiar. Capturar bases inimigas, explorar cenários exóticos e causar o máximo de caos possível é praticamente o DNA da franquia.
Ainda assim, ao longo dos últimos 20 anos, cada título trouxe sua dose de novidade, seja na forma de mecânicas revolucionárias, como o sistema de crafting de Far Cry 3, cenários absurdamente realistas, ou até mesmo mudanças ousadas, como ambientar a ação na pré-história em Far Cry Primal.
A ideia aqui é percorrermos toda a evolução dessa franquia, explorando como cada jogo trouxe suas próprias inovações e por que, mesmo com críticas sobre repetição, a série continua um nome muito forte.
Vamos relembrar florestas tropicais repletas de perigos, savanas em chamas, cultos apocalípticos e até revoluções políticas intensas. Porque, no final das contas, Far Cry não é apenas uma fórmula — é a maneira como ela se transforma, desafiando o jogador e o próprio conceito de caos intencional.
Onde tudo começou – Far Cry 1 (2004)
Vamos voltar 20 anos no passado. Em um mercado dominado por shooters lineares e experiências limitadas, Far Cry chegou em 2004 como um grito de inovação, anunciando uma nova era para os jogos de tiro em primeira pessoa.
O que poucos imaginavam é que essa franquia, hoje um dos pilares da Ubisoft, nasceu nas mãos da alemã Crytek, uma desenvolvedora que ainda engatinhava, mas já vislumbrava o futuro.
Construído sobre o então revolucionário motor gráfico CryEngine, o jogo não se limitava a oferecer gráficos impressionantes — ele praticamente redefinia o que os jogadores acreditavam ser possível em termos de realismo e imersão.
Os gráficos podem parecer datados hoje, mas era algo que desafiava os sentidos: você podia enxergar colinas a quilômetros de distância, sentir a densidade opressiva da selva ao seu redor e perceber como a luz do sol se filtrava pelas folhas, criando um ambiente tão vivo que parecia respirar com você.
Mas não era só uma questão de gráficos. Far Cry foi pioneiro ao entregar algo um tanto raro na época: liberdade real.
Ao assumir o papel de Jack Carver, um ex-militar que se vê preso em uma ilha tropical infestada de mercenários e criaturas mutantes, o jogador não era conduzido por corredores invisíveis ou trilhos narrativos óbvios.
Cada encontro, cada missão, parecia ser uma escolha sua — mesmo que fosse uma ilusão bem orquestrada.
As inovações que Far Cry 1 trouxe foram marcantes:
- IA que pensava (ou parecia pensar): Mercenários não eram apenas sacos de pancada ambulantes. Eles flanqueavam, procuravam cobertura, trabalhavam em equipe. Era frustrante e fascinante na mesma medida.
- Um mundo que deixava você decidir: Chegar ao objetivo poderia significar escalar um morro para obter uma vantagem estratégica, nadar silenciosamente até a costa ou avançar com um veículo, espalhando destruição pelo caminho. A escolha da abordagem era sempre nossa.
- Estética que ultrapassava o visual: Mais do que gráficos, havia uma sensação de escala e possibilidade que tornava o mundo mais vasto, mais perigoso — mais real. Algo que virou tendência para muitas outras franquias.
E o enredo? Bom, ele é uma combinação curiosa de ação militar e ficção científica, com mutantes inesperados surgindo no caminho. Embora não fosse o aspecto mais aclamado do jogo, servia como uma desculpa convincente para o caos controlado que definia a experiência.
O sucesso foi imediato, mas a Crytek tinha ambições diferentes. Após o lançamento, a Ubisoft adquiriu os direitos da franquia e tomou as rédeas da série, enquanto a Crytek seguiu em frente para criar outro marco técnico: Crysis.
Essa troca de mãos marcaria o início de uma transformação que levaria a franquia Far Cry a novos patamares — mas não sem deixar para trás o DNA técnico e criativo que o primeiro título estabeleceu.
Far Cry 1 não foi apenas o início de uma saga; foi um marco tecnológico que mostrou que os jogos de tiro não precisavam mais ser lineares nem escriptados 100%.
Era um convite para tocar o terror, mas também uma promessa de que os mundos abertos poderiam ser mais do que vastos — poderiam ser vivos, desafiadores e inesquecíveis.
Explorando as Savanas em Far Cry 2 (2008)
Quando Far Cry 2 chegou em 2008, ele não só abandonou as praias ensolaradas do primeiro jogo como mergulhou de cabeça em uma atmosfera densa, brutal e implacável.
A Ubisoft transformou a sequência em algo que parecia mais um estudo sobre sobrevivência humana em meio ao caos do que um simples jogo de tiro e matança.
Ambientado em um país fictício da África devastado por guerras civis, o jogo trocou a estética paradisíaca por savanas ressecadas, florestas sufocantes e rios que carregavam mais histórias de morte do que de vida.
Mas não era foi essa mudança de cenário que impressionava. Far Cry 2 trouxe mecânicas novas que transformavam cada minuto em uma luta contra o ambiente, os inimigos e, às vezes, contra você mesmo.
Em vez de empoderar o jogador, o jogo fazia questão de lembrá-lo, constantemente, de que era apenas um pequeno ponto em um mundo indiferente e cruel.
- Armas que Traem: Suas armas não eram confiáveis. Elas podiam travar, falhar ou até explodir quando mais precisasse. De repente, aquele rifle brilhante nas mãos de um inimigo morto parecia mais uma necessidade do que uma escolha.
- Malária — Um Inimigo Silencioso: Não bastava lidar com emboscadas e balas voando por todos os lados. O protagonista também precisava lidar com crises de malária, que surgiam em momentos inesperados, exigindo que você mantivesse um estoque de
dipirona-do-SUS… digo, medicamentos. O resultado? Uma constante sensação de fragilidade.
- Fogo como Aliado e Adversário: Imagine lançar um coquetel molotov e ver as chamas se espalharem rapidamente pelo capim seco, seguindo a direção do vento e engolindo seus inimigos. Agora imagine isso acontecendo quando você está cercado. O sistema dinâmico de fogo era ao mesmo tempo brilhante e aterrorizante.
Já em Far Cry 2 o enredo era uma trama de camadas simples, mas repleta de significados profundos. Você, um mercenário enviado para assassinar o misterioso traficante de armas conhecido como O Chacal, rapidamente descobre que nada é tão preto no branco quanto parece.
Quem é o verdadeiro vilão em uma terra onde todos parecem movidos pela ganância, desespero e sobrevivência? A narrativa desafiava nos convida a refletir sobre os efeitos da guerra e a linha tênue entre heroísmo e violência desenfreada.
Falando sobre o mundo aberto: ele era vivo, mas não de uma forma acolhedora. Era belo, mas em um sentido quase cruel.
A Ubisoft estreou o motor gráfico Dunia Engine, uma evolução do CryEngine, que trouxe uma interação ambiental impressionante. Ventos varriam as savanas, tempestades mudavam o ritmo das batalhas, e o ciclo dia/noite não era só estético — ele moldava sua estratégia e a agressividade dos inimigos. Você sentia o peso do mundo ao seu redor, como se ele te desafiasse a continuar avançando.
Contudo, para cada jogador que se maravilhava com a autenticidade e o realismo implacável, havia outro que reclamava de suas escolhas de design um tanto punitivas.
Checkpoints inimigos pareciam infinitos, regenerando-se quase magicamente. As missões, por mais intensas, podiam se tornar repetitivas, e a constante necessidade de gerenciar armas e medicamentos era, para alguns, mais irritante do que divertido.
Mas, independentemente das críticas, Far Cry 2 deixou uma marca importante. Ele não era para ser um jogo confortável ou agradável; era sobre sobreviver em um mundo que não se importava com você.
Ele transformou a liberdade do jogador em uma moeda valiosa, algo a ser conquistado, e não entregue de bandeja.
Em sua brutalidade, Far Cry 2 preparou o terreno para o futuro da franquia, elevando a aposta ao mostrar que o caos era muito mais interessante quando também era imprevisível e implacável. Um desafio de resiliência para as gerações futuras.
Vaas e o Conceito de Insanidade – Far Cry 3 (2012)
Quando Far Cry 3 chegou em 2012, ele não só resgatou a essência do primeiro jogo como a expandiu de forma tão espetacular que redefiniu os padrões da franquia — e talvez até do gênero de mundo aberto.
A Ubisoft entregou uma experiência que misturava exploração frenética, narrativas intensas e mecânicas inovadoras, enquanto inseria um dos vilões mais marcantes da história dos videogames: Vaas Montenegro (Michael Mando).
O jogo foi a porta de entrada para muitos jogadores, os transportando para as Ilhas Rook, um arquipélago tropical deslumbrante à primeira vista, mas rapidamente revelado como um cenário de opressão, violência e insanidade.
Nesse terceiro jogo da franquia, assumimos o papel de Jason Brody, um jovem turista totalmente despreparado que, após ser sequestrado junto com seus irmãos, amigos e namorada, embarca em uma jornada de sobrevivência e autodescoberta.
Mas não se engane: Jason não era um soldado treinado. Conforme a narrativa avança, o jogo explora o impacto psicológico da violência, questionando se Jason – um cara normal – está, de fato, “se encontrando” ou simplesmente se perdendo.
Far Cry 3 não só trouxe um enredo mais profundo e emocional, mas também trouxe uma série de inovações de gameplay que definiriam o que conhecemos como o “padrão Far Cry” hoje:
- Crafting e Evolução do Personagem: Pela primeira vez, você podia criar armas, bolsas e outros itens a partir de materiais encontrados na natureza. O sistema de crafting, aliado à evolução por meio de árvores de habilidades, dava uma sensação constante de crescimento e personalização.
- Escalada de Torres: O jogo introduziu as torres de rádio, um desafio que incentivava a exploração e desbloqueava partes do mapa — um elemento trazido de Assassin’s Creed que se tornaria assinatura da Ubisoft.
- Vilão Carismático: Com Vaas Montenegro, a Ubisoft elevou o conceito de antagonista. Ele não era apenas uma ameaça; o cara roubava a cena em cada aparição, com monólogos hipnotizantes e uma personalidade tão instável quanto perigosa.
O design do mundo também merece aplausos até hoje. As Ilhas Rook é mais do que apenas um mapa de jogo: é um personagem por si só.
Vaja bem, a densidade da selva, as praias imaculadas e as cavernas ocultas criavam um ambiente que parecia pulsar de vida. Tudo isso é reforçado pelo uso magistral de luz e sombra, pela trilha sonora bem executada e pela maneira como o jogo equilibra momentos de ação explosiva com silêncios inquietantes.
Mas o que realmente colocava Far Cry 3 um nível acima era sua abordagem ao tema central: a insanidade do vilão. Não só no comportamento errático de Vaas, mas também no desenvolvimento de Jason.
Momentos alucinantes, como sequências psicodélicas e confrontos com a própria mente, adicionavam profundidade à narrativa. É um jogo que não tem medo de fazer o jogador questionar: até onde você iria para sobreviver?
Comparado aos títulos anteriores, Far Cry 3 foi um verdadeiro divisor de águas. Ele pegou a liberdade tática do Far Cry 1, aprimorou com sistemas mais robustos, e deixou para trás a frustração punitiva do Far Cry 2, criando um equilíbrio perfeito entre desafio e diversão.
Se houve críticas, elas eram poucas. Alguns reclamavam da repetitividade de atividades secundárias ou do papel subutilizado de alguns personagens. Porém, nada disso diminuía o impacto do jogo na indústria. Ele não só revitalizou a franquia, mas também influenciou o design de mundo aberto em inúmeros jogos depois dele.
Far Cry 3 não foi apenas um sucesso; ele foi um manifesto do que a Ubisoft podia alcançar. Ele entregou uma experiência que misturava narrativa, exploração e ação de maneira magistral, enquanto apresentava um vilão que redefiniria o conceito de antagonista nos jogos.
E, acima de tudo, nos deixou com uma pergunta: “Você sabe o conceito da insanidade? ”
Neon e Lasers em Far Cry 3 – Blood Dragon (2013)
Esse jogo a Ubisoft largou as amarras da lógica com Far Cry 3: Blood Dragon, uma expansão standalone de 2013 que transformava tudo o que os fãs sabiam sobre a franquia em uma explosão delirante de neon, sintetizadores e exagero absoluto.
Esqueça ilhas tropicais ou revoluções emocionantes; aqui, você era jogado em um futuro distópico (o absurdamente “distante” ano de 2007), onde ciborgues, dragões que disparam lasers e militares lunáticos comandavam o show.
No papel do Sargento Rex “Power” Colt, um soldado ciborgue da elite Mark IV Cyber Commando, você enfrentava o ex-comandante Sloan, agora um vilão completamente insano, obcecado por transformar o mundo em um campo de batalha pós-apocalíptico.
Perceba que a trama é um desfile de clichês propositalmente absurdos, cheia de frases de efeito, reviravoltas toscas e diálogos que pareciam ter sido retirados diretamente de uma maratona de filmes B dos anos 80.
Blood Dragon não apenas parodiava a cultura pop da época, mas mergulha nela com um fervor quase insano.
Visual Neon e Retrô-Futurista: Imagine um mundo completamente iluminado por tons de neon, onde os céus brilhavam em magenta e as criaturas — como os lendários Dragões de Sangue, que disparavam lasers pelos olhos — pareciam saídas de um pesadelo alucinado.
Trilha Sonora Icônica: Composta pela dupla Power Glove, a trilha sonora não era apenas música; era uma cápsula do tempo que capturava toda a energia de sintetizadores pulsantes e batidas eletrônicas que pareciam narrar cada explosão e cada cena de ação.
Exagero Deliberado: Desde armas absurdas até diálogos intencionalmente ridículos (“Os robôs têm sentimentos?”), tudo em Blood Dragon era feito para arrancar risos e gargalhadas enquanto você explodia coisas sem qualquer motivo além de poder fazê-lo.
O gameplay mantinha a essência de Far Cry 3 — captura de bases, árvores de habilidades e exploração livre —, mas com uma camada de pura insanidade. Não era apenas sobre completar as missões; mas sim fazer isso montado em um dragão enquanto disparava lasers em ondas intermináveis de inimigos.
Blood Dragon era muito mais do que uma expansão; era um manifesto de irreverência.
Ele zomba, celebra e exagera tudo que havia de mais ridículo na cultura pop dos anos 80, enquanto entrega uma experiência de jogo que é tão divertida quanto inacreditável.
O Poder: Far Cry 4 (2014)
Em 2014, Far Cry 4 chegou com a missão de expandir a fórmula revolucionária de seu antecessor, sem perder o impacto narrativo e o apelo visual que haviam transformado Far Cry 3 em um ícone da história dos videogames.
Dessa vez, o palco da ação era Kyrat, uma região fictícia inspirada no Himalaia, onde a beleza estonteante da montanha escondia um conflito brutal pelo poder.
Em “FC4” Você assume o papel de Ajay Ghale, um jovem retornando à terra natal de sua família para espalhar as cinzas de sua mãe. Mas o que deveria ser uma jornada emocionalmente carregada se transforma em um pesadelo político quando Ajay se encontra no meio de uma guerra civil entre os rebeldes o Caminho Dourado e o carismático, mas implacável, ditador Pagan Min.
A narrativa, embora pareça simples, logo se desdobra em camadas de intriga, alianças frágeis e escolhas morais que forçam o jogador a questionar quem realmente merece o poder.
Se Far Cry 4 parecia à primeira vista seguir a mesma linha de seu predecessor, ele não apenas refinou os elementos que funcionaram, mas também introduziu inovações significativas:
Exploração Vertical e Ferramentas de Mobilidade: Com o gancho de escalada e um pequeno helicóptero improvisado, os jogadores tinham agora mais maneiras de explorar o mundo vertical de Kyrat, adicionando uma nova dimensão ao gameplay.
Cooperação em Mundo Aberto: Pela primeira vez, era possível explorar o mapa em modo cooperativo, permitindo que um amigo se juntasse à caçada ou à conquista de postos avançados sem interromper sua campanha.
Decisões Morais Impactantes: A luta entre os líderes rebeldes, Amita e Sabal, no apresenta escolhas que moldam não apenas o final do jogo, mas também os valores de Kyrat sob seu comando.
Mas o que realmente fazia Far Cry 4 brilhar era novamente o vilão. Pagan Min, interpretado com uma performance magnética por Troy Baker (sim, o Joel de The Last of Us), muito diferente de Vaas Montenegro, é um ditador sofisticado, sarcástico e profundamente carismático, cuja relação ambígua com Ajay Ghale se desenrola em interações que oscilam entre o humor e a ameaça velada.
Pagan Min é ao mesmo tempo sedutor e aterrorizante, dominando a narrativa com sua presença avassaladora.
Kyrat, por sua vez, é um espetáculo cultural à parte. A Ubisoft criou um mundo aberto que parece verdadeiramente vivo, com aldeias vibrantes, uma fauna selvagem que contém desde tigres até rinocerontes furiosos, e picos montanhosos que testam as habilidades e a paciência do jogador.
O ciclo dia/noite e as mudanças climáticas adicionavam uma camada extra de imersão, tornando cada expedição uma experiência mais única.
Ainda assim, Far Cry 4 não escapou de comparações com seu antecessor.
Muitos jogadores elogiaram as melhorias técnicas e as novas mecânicas, mas também apontaram uma sensação de “mais do mesmo”, como se o jogo fosse uma expansão glorificada de Far Cry 3.
Para alguns críticos especializados, o conflito político de Kyrat não alcançou o mesmo impacto emocional da luta pessoal de Jason Brody e sua transformação de menino para homem.
Mas, para muitos jogadores, essa abordagem mais ampla, com escolhas morais, um vilão multifacetado e uma ambientação visualmente impressionante, fez de Far Cry 4 uma evolução natural e bem-sucedida da fórmula.
O jogo entregava o caos e a liberdade que os fãs esperavam, enquanto pavimentava o caminho para o futuro da franquia.
No fim das contas, Far Cry 4 é mais do que uma sequência: é como um espelho que reflete as escolhas do jogador, a moralidade dos personagens e, de forma mais sutil, a capacidade da série de se manter relevante enquanto explorava os limites do poder, da liberdade e da loucura.
Sobrevivência na Idade da Pedra em Far Cry Primal (2016)
Quando a Ubisoft anunciou Far Cry Primal, a reação foi mista. Alguns jogadores ficaram intrigados com a ousadia da proposta; outros, céticos sobre como a fórmula da franquia sobreviveria sem armas de fogo, explosões cinematográficas ou vilões extravagantes.
Afinal, transportar a ação para 10.000 a.C., em pleno Período Mesolítico, era uma aposta inusitada.
Mas, para o bem ou para o mal, Primal desafiou as expectativas ao trocar metralhadoras e helicópteros por lanças, arcos rudimentares e tigres-dentes-de-sabre em um mundo tão belo quanto implacável.
No controle de Takkar, um caçador da tribo Wenja, os jogadores eram lançados em um ambiente onde cada som do vento, cada movimento na mata, podia ser uma ameaça.
Não havia refúgio seguro. A sobrevivência dependia de instintos afiados, do domínio da caça e da capacidade de enfrentar duas tribos rivais: os brutais Udam, obcecados em dominar pela força, e os místicos Izila, que manipulavam o fogo como símbolo de superioridade.
A narrativa, enquanto simples, era carregada por um senso constante de urgência primitiva. Mas o que realmente destaca Primal são suas mecânicas, que abraçam totalmente o cenário pré-histórico:
- Combate Cruelmente Primitivo: Sem armas de fogo para oferecer uma distância segura, o jogo força o jogador a enfrentar inimigos de perto, sentindo o impacto brutal de uma clava ou o peso de uma lança fincando a carne. Cada batalha éuma dança frenética entre agressão e sobrevivência.
- Domesticação de Feras Selvagens: De lobos ferozes a ursos e tigres-dentes-de-sabre, a possibilidade de domar animais não é só um detalhe no gameplay, mas uma extensão natural da luta pela sobrevivência. O vínculo com essas criaturas cria momentos únicos — um aliado rugindo ao seu lado enquanto enfrenta hordas inimigas é tão emocionante quanto angustiante.
- Comunicação Primitiva: Sem diálogos modernos, o jogo adotou uma linguagem fictícia criada com base em estudos linguísticos. Essa escolha, aliada a atuações físicas expressivas, mergulha o jogador em uma imersão visceral, eliminando qualquer resquício de modernidade.
Visualmente, Primal é deslumbrante. As florestas densas, as planícies vastas e os rios sinuosos criavam um mundo onde cada paisagem parecia viva. No entanto, essa beleza é traiçoeira.
Os ciclos climáticos e a fauna selvagem força os jogadores a estarem constantemente alertas. Uma caminhada tranquila ao amanhecer pode virar uma corrida desesperada ao anoitecer, com lobos famintos ou um mamute enfurecido surgindo do nada.
Mas, apesar de suas inovações, Primal também carregava os fardos da fórmula da série.
Aquela velha necessidade de capturar territórios, coletar recursos e conquistar bases, embora redesenhada para o cenário pré-histórico, soava familiar demais. O que contrastava com a promessa de novidade.
Além disso, a ausência de um vilão icônico — algo que se tornou uma marca registrada da franquia — deixou um vazio narrativo.
Ainda assim, Far Cry Primal é uma experiência que diferenciada.
Ele mergulhava os jogadores em um mundo onde a natureza é tanto inimiga quanto aliada, onde o silêncio era quebrado por grunhidos distantes ou o som seco de uma lança voando no ar.
No final, FC Primal não era sobre uma história épica ou explosões espetaculares. É mais sobre instintos. Sobre sentir o coração disparar ao ouvir o rugido de um tigre e satisfação crua de sobreviver em um mundo que parecia projetado para destruí-lo.
Um vacilo? Talvez… Mas um desvio que mostrou que, às vezes, a verdadeira inovação está em olhar para trás.
O Fanatismo Cego em Far Cry 5 (2018)
Em 2018, a Ubisoft resolveu abandonar os cenários exóticos e distantes para trazer a loucura de Far Cry diretamente para o quintal da América.
Ambientado em Hope County, uma fictícia região de Montana, nos Estados Unidos, Far Cry 5 mergulha em temas controversos e contemporâneos: fanatismo religioso, milícias armadas e cultos apocalípticos.
É uma mudança ousada, tanto em tom quanto em narrativa, que dividiu opiniões, mas trouxe uma profundidade inédita para a franquia.
Nesse Far Cry jogamos como um Agente da Lei (sem nome), parte de uma força policial enviada para prender Joseph Seed, o líder carismático e perturbador de um culto apocalíptico conhecido como Portão do Éden.
O plano, como esperado, dá errado, e você se vê isolado em uma terra controlada pelo culto, onde as estradas, fazendas e florestas são armadilhas.
A luta contra o Portão do Éden é tanto física quanto ideológica, com Joseph Seed e seus irmãos — os temíveis Heralds — atuando como símbolos de uma ameaça mais psicológica do que militar.
Far Cry 5 trouxe inovações importantes que renovaram a experiência da franquia:
- Liberdade Total de Progressão: Diferente dos títulos anteriores, que guiavam o jogador através de missões lineares, Far Cry 5 permite abordar a história de qualquer maneira. O mapa é completamente aberto desde o início, dando liberdade para o jogador decidir por onde começar.
- Aliados Personalizáveis: O sistema de “Mercenários por Contrato” permite recrutar moradores locais para lutar ao seu lado. Cada aliado, de caçadores a pilotos de avião, tem habilidades especificas, acrescentando variedade às táticas.
- Conflito Moral e Social: Ao explorar temas como fanatismo religioso e manipulação em um cenário familiar, o jogo nos desafiava a enfrentar verdades desconfortáveis sobre extremismo e controle social.
- Realismo Balístico: Far Cry 5 trouxe um sistema que simula a física realista de projeteis das armas, levando em conta fatores como velocidade inicial, decaimento ao longo da distância e o impacto no alvo.
Hope County é um cenário notavelmente vivo. De florestas exuberantes a rios cristalinos, passando por pequenas cidades atacadas e fazendas devastadas, cada canto do mapa conta uma história de como o culto havia se infiltrado na vida cotidiana.
E, como sempre, a fauna desempenha seu papel, com ursos, pumas e até carcajus dispostos a atrapalhar (ou ajudar) sua jornada.
Os vilões, um dos pilares da franquia, mais uma vez roubaram a cena.
Joseph Seed, em especial, com sua retórica messiânica e olhar hipnótico, é uma figura inquietante.
Mas o jogo não se limita a ele; seus irmãos, John, Jacob e Faith, representavam diferentes aspectos da ideologia do culto, cada um com missões e territórios únicos que refletem suas personalidades.
Mesmo inovando, Far Cry 5 não escapou de críticas. Muitos jogadores sentiram que, apesar da premissa instigante, o jogo evitou mergulhar profundamente nos temas sociais que sugeria, optando por manter o foco na ação.
Além disso, a ausência de um protagonista com personalidade definida limitava a conexão emocional com a história.
Por outro lado, a Ubisoft se superou ao introduzir um final chocante e inesperado, que não apenas desafia as expectativas, mas também serviu como base para sua sequência direta, Far Cry New Dawn.
Essa conclusão — que deixa os jogadores se perguntando se haviam feito algum impacto real — era um lembrete sombrio de que nem todas as batalhas são vencidas. Mesmo ganhando, fica a sensação de derrota.
No final, Far Cry 5 era mais do que um jogo sobre capturar bases e derrubar vilões. Era uma reflexão sobre a natureza da crença, o poder da manipulação e o custo da liberdade. Embora imperfeito, ele marcou um ponto de virada na franquia, provando que o caos pode ser encontrado até mesmo em um lugar que se parece com casa.
O Pós-Apocalipse Rosa de Far Cry New Dawn (2019)
Com Far Cry New Dawn, a Ubisoft seguiu a tendência que estava em alta na época: o pós-apocalipse.
Lançado em 2019 como uma sequência direta de Far Cry 5, o jogo se passava 17 anos após o chocante final do anterior, em que o mundo era devastado por uma guerra nuclear.
Em vez de ruínas cinzentas e paisagens desoladas, o que emergiu foi um mundo vibrante, dominado pela natureza em sua forma mais selvagem — um contraste marcante e intencional com os cenários tradicionais do gênero.
Os jogadores assumiam o papel de um Capitão (também sem nome) que parte de um grupo que tenta ajudar os sobreviventes de Hope County a reconstruírem suas vidas.
Só que a paz é ameaçada por Mickey e Lou, as líderes das Highwaymen, uma gangue cruel que saqueia comunidades para garantir sua própria sobrevivência.
O conflito central gira em torno da luta por recursos e da necessidade de formar alianças, até mesmo com rostos familiares e inesperados do passado.
Far Cry New Dawn não trouxe tantas mudanças à fórmula, mas podemos citar
- Sistema de Bases e Níveis: Pela primeira vez, as bases inimigas tinham níveis de dificuldade, exigindo que o jogador fortalecesse suas armas e habilidades para enfrentá-las. Além disso, essas bases podem ser “reconquistadas” pelos inimigos, oferecendo uma camada de estratégia para decidir como e quando atacá-las novamente.
- Armas e Veículos Improvisados: O sistema de crafting foi expandido, permitindo criar armas e veículos a partir de sucata, como a icônica “Rifle Saw Launcher”, que dispara lâminas de serra ricocheteantes, trazendo um toque de criatividade ao combate.
- Expedições Fora de Hope County: Pela primeira vez, a série permitiu que os jogadores explorassem locais além do mapa principal, como desertos e navios naufragados, em expedições que misturam furtividade com ação.
FarCry New Dawn não agradou todo mundo. O estilo visual vibrante e o uso criativo de mecânicas de RPG foram elogiados, porém, muitos sentiam que o jogo parecia mais uma expansão standalone de Far Cry 5 do que um jogo novo.
A narrativa, embora funcional, carecem de impacto, com as irmãs Mickey e Lou ficando aquém dos vilões mais memoráveis da série.
New Dawn teve seus méritos. Ele explorou o impacto de um mundo pós-apocalíptico sob uma nova perspectiva, fugindo do cinismo tradicional do gênero e oferecendo um cenário onde a sobrevivência era colorida, mas não menos cruel.
Viva la Revolución! – Far Cry 6 (2021)
Com Far Cry 6, lançado em 2021, a Ubisoft retornou ao modelo de uma grande revolução em um cenário fictício, mas desta vez com uma narrativa mais política e visceral.
Ambientado na ilha de Yara, um lugar que evoca a estética e a história de Cuba, o jogo coloca os jogadores no papel de Dani Rojas — cuja história e gênero são determinados pelo jogador —, um cidadão transformado em revolucionário na luta contra o regime opressor de Antón Castillo, interpretado pelo brilhante ator Giancarlo Esposito (Breaking Bad e Better Call Saul).
A trama de Far Cry 6 é marcada por um peso emocional que mistura questões de liberdade, sacrifício e as consequências do poder absoluto e Estado Totalitário.
Castillo, o ditador charmoso e calculista, governa Yara com mão de ferro enquanto molda seu jovem filho, Diego, para ser seu sucessor.
O conflito entre Dani e Castillo além de físico é ideológico, explorando a luta de um povo contra a tirania, ao mesmo tempo que questiona os métodos e o custo de uma revolução.
Far Cry 6 deixou de lado alguns artifícios de seu antecessor e trouxe muitas inovações e ajustes importantes para a fórmula da franquia:
Sistema de Guerrilha: O jogo introduziu um arsenal de armas improvisadas e equipamentos conhecidos como “Supremos”, mochilas especiais equipadas com armas únicas, como lançar foguetes caseiros ou liberar ataques incendiários. Esse sistema reforçava o tema da resistência criativa contra um inimigo mais poderoso.
- Personalização de Veículos: Pela primeira vez, os jogadores podiam modificar e melhorar veículos, transformando carros em máquinas de guerra que poderiam ser usadas tanto para transporte quanto para combate.
- Mundo Orgânico e Conectado: Yara foi projetada como um ecossistema vivo, com cidades vibrantes, florestas densas, praias deslumbrantes e fazendas que refletiam a cultura e a economia local. Além disso, NPCs interagiam de forma mais dinâmica, criando uma imersão que tornava Yara mais do que um simples pano de fundo.
- Perspectiva em Terceira Pessoa: A franquia é conhecida por ser um FPS, porém, em FC6, em alguns momentos específicos, a visão alterna de primeira para terceira pessoa. Talvez esse seja um ensaio para implementar essa carteirista no próximo Far Cry?
Dessa vez narrativa também se beneficiou de um maior investimento na presença de Dani como personagem jogável.
Ao contrário dos protagonistas mudo dos últimos dois jogos, Dani tinha uma personalidade própria, permitindo diálogos mais ricos e conexões emocionais com outros personagens da resistência.
Dani fala bastante durante o gameplay e isso dá uma nova profundidade ao enredo, tornando sua jornada pessoal tão envolvente quanto a luta coletiva pela liberdade.
Visualmente, Far Cry 6 foi um espetáculo e utiliza de forma eficiente o poder dos consoles da 9ª Geração de Consoles. O nível de detalhe em Yara, desde os becos urbanos até os campos de tabaco, é impressionante, enquanto o ciclo dia/noite e os efeitos climáticos aumentavam a imersão.
A Ubisoft também não economizou nos momentos cinematográficos, com cenas cuidadosamente dirigidas que capturavam o carisma ameaçador de Antón Castillo e a intensidade do conflito.
Por outro lado, enquanto Antón Castillo foi amplamente elogiado como vilão, muitos sentiram que sua presença na narrativa era limitada, deixando sua ameaça mais implícita do que ativa.
Ainda assim, Far Cry 6 foi um marco na franquia, consolidando o que os fãs amam — caos, liberdade e vilões marcantes — enquanto tenta, com sucesso variável, inovar em narrativa e mecânicas.
Mais do que um jogo sobre uma revolução, foi uma reflexão sobre o custo do poder, a luta pela liberdade e o legado de um povo em busca de seu futuro.
O “Padrão Far Cry” – Evolução ou Estagnação?
Com cada novo título, Far Cry consolidou sua identidade enquanto franquia.
Há algo reconfortante em saber o que esperar de um título tradicional. Mas essa fórmula — tão eficiente quanto batida — tem dividido opiniões. Para alguns, ela é uma assinatura de sucesso; para outros, um sinal de estagnação criativa.
Mas entre tudo o que entrou e saiu, o que realmente define o padrão Far Cry?
Exploração de Mundos Abertos: Desde o primeiro jogo, a série se destacou por cenários que eram tanto playgrounds quanto armadilhas mortais. Cada local, seja uma ilha tropical ou uma região pós-apocalíptica, era repleto de atividades que incentivavam o jogador a se perder no ambiente.
Conquista Territorial: O ciclo de capturar bases inimigas e realizar missões opcionais se tornou uma característica central.
Vilões Icônicos: De Vaas a Antón Castillo, os antagonistas sempre roubam os holofotes, muitas vezes mais memoráveis que os próprios protagonistas. E talvez sejam os vilões a régua que mede o peso de cada Far Cry.
Dilemas Morais: Escolhas difíceis tem se tornado parte do DNA da franquia, frequentemente passando a sensação vencer ou ganhar algo em detrimento de outra coisa ou alguém. Far Cry nos faz questionar se estamos certos ou errados.
É impossível ignorar que, para muitos, a sensação de déjà vu acompanha cada novo lançamento. A familiaridade da fórmula, que antes era uma força, começou a se tornar um ponto de desgaste, especialmente com a repetição de mecânicas e objetivos que raramente se reinventam.
Por outro lado, essa consistência é o que mantém Far Cry como uma franquia confiável para quem é fã.
Ela entrega exatamente o que os fãs esperam: liberdade de abordagem, mundos incríveis e uma boa dose de caos.
Cada jogo tenta, em maior ou menor grau, inovar dentro desse molde. Seja com sistemas de crafting, balística realista ou gambiarras como ferramentas de Far Cry 6, a série busca manter-se relevante sem abandonar sua essência.
No fim, o “padrão Far Cry” é tanto uma bênção quanto uma maldição. Ele é o que torna a série reconhecível e amada, mas também o que pode impor limites em seu crescimento.