Se pararmos para pensar, hoje, em um mundo cada vez mais dinâmico e em constante evolução tecnológica, onde os videogames modernos e suas inovações dominam as campanhas publicitárias, é muito fácil esquecer as preciosas relíquias que desbravaram o caminho para a indústria chegar até onde está agora. Um desses tesouros pouco conhecidos é o Vectrex, um verdadeiro artefato alienígena dos jogos eletrônicos em sua época.
Vamos fazer uma pequena viagem no tempo, voltando ao início da década de 80, para conhecer um pouco da história e as tecnologias que o Vectrex trouxe ao mundo, destacando suas peculiaridades e características únicas. E ele se torna ainda mais relevante se levarmos em consideração que hoje é um dos consoles mais raros do mundo e que continua a motivar a busca dos colecionadores e entusiastas. Então, aperte start e vamos nessa!
Vectrex – O Primeiro Arcade Doméstico
Com a proposta de ser o primeiro arcade doméstico, o Vectrex foi um console de 2ª geração desenvolvido pela Smith Engineering e fabricado sob licença pela GCE (General Consumer Electronics) em novembro de 1982.
Existe uma boa chance de você nunca nem ter ouvido falar sobre ele, mas, enquanto a indústria dos jogos eletrônicos foi evoluindo geração após geração, o Vectrex permaneceu como uma das criações mais singulares já lançadas.
Imagine uma época em que os gráficos dos jogos ainda eram bem rudimentares, compostos por uma varredura de pixels e blocos simples. Em meio a esses padrões, vem o Vectrex, com uma abordagem totalmente diferente, utilizando gráficos vetoriais, a mesma tecnologia usada em osciloscópios (e nas máquinas de arcade).
Devido ao enorme sucesso que as máquinas de fliperama estavam fazendo naquela época, muitas empresas estavam se empenhando cada vez mais em tentar trazer a experiência dos arcades para o conforto doméstico – ou, pelo menos, a maior parte da essência. Então, partindo dessa premissa, a Smith Engineering levou à risca o conceito e entregou, literalmente, uma mini máquina de arcade. O Vectrex – Um sistema completo que possuía seu próprio monitor e sistema de som integrados. Tudo embutido um único módulo portátil que o jogador poderia levar para qualquer lugar que houvesse uma tomada elétrica. Como não havia necessidade de outros dispositivos, como televisor ou aparelho de som, era simplesmente ligar e jogar.
O Vectrex foi revelado ao público pela primeira vez em junho de 1982 na CES (Consumer Electronic Show), o mais influente evento tecnológico do mundo. O console foi muito bem recebido pela crítica e pelo público que ficou impressionado com a proposta apresentada.
Foi lançado meses depois nos Estados Unidos custando U$199,00, o que era o dobro do console Atari 2600, até então o líder de mercado que e já sofria cortes nos preços. Porém, analisando a diferença na proposta do Vectrex, não seria muito adequado fazer uma comparação direta, e a GCE acreditava muito no potencial do projeto, tanto é que as vendas iniciais foram muito boas.
Embora o mercado de videogames já começasse a apresentar sinais de saturação, muitas empresas ainda queriam fazer parte desse movimento e lançar produtos novos.
A campanha de marketing do Vectrex foi relativamente modesta e, de certa forma, refletiu no desempenho que o console enfrentou no mercado, posteriormente. A General Consumer Electronics (GCE), a empresa por trás do Vectrex, não tinha a mesma capacidade de marketing e recursos financeiros que os concorrentes mais estabelecidos na época, como a Atari, Magnavox ou a Mattel. O console em si foi o principal atrativo para as vendas, por ser um produto diferenciado, mais completo e portátil.
O sucesso inicial das vendas atraiu a atenção de empresas maiores que cogitavam entrar no mercado dos videogames. E não demorou muito até que a GCE recebesse uma proposta de compra irrecusável da Milton Bradley Company em 1983.
Milton Bradley e o Compra da GCE
A Milton Bradley Company, que era uma empresa bem-conceituada por criar jogos de tabuleiro, como o famoso “Jogo da Vida”, comprou a GCE com o único propósito de absorver os direitos de produção do Vectrex e entrar também no mercado dos jogos eletrônicos.
Ainda em 1983, graças aos recursos financeiros e influência da Milton Bradley, o Vectrex foi lançado em vários países da Europa e em seguida no Japão, por meio de uma parceria com a Bandai.
Mas, como nem tudo são flores, logo a crise dos videogames de 1983 fez com que todo o investimento da Milton Bradley na GCE e no lançamento europeu do Vectrex se tornasse um erro muito caro. Houve um severo desaquecimento no mercado de jogos eletrônicos e, mesmo após reduzirem o preço do console em 25% e, mais tarde, em 50% não houve uma retomada nas vendas.
Em fevereiro de 1984, depois de perderem cerca de 31,6 milhões de dólares com o Vectrex, a Milton Bradley anunciou que iriam parar de produzir o console e cancelaram inclusive o desenvolvimento de novos jogos. Eles venderam todo o estoque acumulado para lojas de desconto, onde foi vendido por apenas uma fração do preço original. A Milton Bradley se fundiu pouco tempo depois com a Hasbro e o suporte ao Vectrex foi encerrado.
A aquisição da GCE pela Milton Bradley foi um exemplo de como até mesmo uma grande empresa pode cometer erros ao entrar em um novo mercado fora do “timing”. A Milton Bradley não fez uma boa pesquisa e não conseguiu entender a realidade do cenário mercadológico dos videogames naquele momento. Como resultado, a empresa perdeu milhões de dólares e até sua reputação foi prejudicada na época.
Em 1988, com o avanço tecnológico significativo e componentes eletrônicos sendo produzidos em tamanho cada vez menor, a Smith Engineering tenta construir um novo projeto de Vectrex, dessa vez partindo da ideia de lançar um console de mão. Contudo, a iniciativa foi rapidamente abandonada após análise de mercado. Naquele tempo a Nintendo representaria uma forte ameaça com o lançamento do GameBoy,
Talvez, se não fosse pelo “Crash dos videogames” o Vectrex, assim como outros consoles da época, poderia ter uma história com final feliz. Contudo, nunca saberemos ao certo…
Especificações Técnicas do Vectrex
Por baixo do chassi, o Vectrex trazia especificações técnicas com conceitos bem diferentes. Sua tecnologia única de tela de vetor resultou em custos de produção mais altos e refletiu em certas dificuldades no desenvolvimento de jogos.
- CPU – Processador Motorola 6809. Um CPU de 8 bits com uma arquitetura avançada, instruções estendidas (algumas características de 16 bits) e suporte a vetores, rodando a 1,5 Mhz. É um processador interessante para esse tipo de projeto, justo pela sua flexibilidade e eficiência em programação.
- Memória – RAM de apenas 1 KB que era usada para várias finalidades, como armazenamento de dados temporários, buffer de Tela, variáveis e estados do jogo, temporização, controles e etc.
- Tela Integrada – Monitor de tudo (CRT Samsung 240RB40) monocromático de 9” que exibia imagens vetoriais. Essa era a característica mais chamativa do console, pois, essa tecnologia era incomum em um console doméstico. A tela de vetor permitia a exibição de gráficos suaves e nítidos, compostos por linhas e formas geométricas, o que gerava um input-lag menor em relação a tecnologia de varredura de pixels. Isso dava sensação de maior resposta e fluidez nos jogos.
- Áudio – O Vectrex possuía um sistema de som completo e independente. Formado por um chip de áudio dedicado General Instruments AY-3-8912 (3 canais de ruído) e um alto-falante de 3” embutido que podia produzir sons simples. O primeiro modelo/lote produzido tinha um problema de isolamento elétrico, o que resultava em um ruído incomodo. Essa falha de projeto foi corrigida a partir de um segundo lote revisado.
- Controle – O Vectrex vinha com apenas um joystick analógico. Ele possuía uma alavanca analógica e quatro botões de ação. O layout do dispositivo era bastante similar a um painel de controle de uma máquina arcade e foi muito elogiado pela crítica quando apresentado pela primeira vez na feira CES. O controle foi projetado para ser apoiado sobre uma superfície, assim o jogador teria um manuseio mais confortável e preciso, fazendo referência a experiência do jogar em uma máquina de fliperama.
- A título de curiosidade: Mais raro do que o próprio console, é encontrar um controle sobressalente, quase não foram produzidos.
- Conexões – O console tinha duas portas para conectar os controles e também um Slot cartuchos de jogo ou acessório de expansão.
- Cartuchos – Os jogos do Vectrex eram distribuídos em cartuchos, até aí, sem novidade. Entretanto, a peculiaridade aqui é que cada cartucho continha os circuitos eletrônicos necessários para os gráficos e o áudio, tornando-os diferentes dos cartuchos de outros consoles, que dependiam do hardware do console para processamento em sua maior parte. Em parte, isso dificultava e encarecia o desenvolvimento dos jogos.
- Overlays – Como a tela apresentava apenas duas cores (branco e preto), cada jogo vinha com um “Overlay” diferente – uma espécie tela/película colorida – para ser encaixada no monitor, dando assim as cores e contexto ao cenário. A diferença com a sobreposição do Overlay era enorme e os overlays também traziam o mapeamento dos botões impressões na parte inferior. A técnica de sobreposição não era nenhuma novidade exatamente, já que o saudoso Magnavox Odyssey também fazia uso desse artificio para driblar um ponto fraco do sistema.
- Design – O Vectrex era notável pelo seu design de cubo, similar a uma pequena TV. Com esse formato cubico, “tudo-em-um” ele era compacto, pesava cerca de 7kg e já entregava ao jogado todo o equipamento necessário para começar a jogar.
Na parte superior traseira, havia uma alça para carregar o aparelho, e era possível encaixar o controle na parte inferior frontal, tornando-o parte do design do aparelho como um todo. Possuía botão de volume na parte da frente e botão de controle de brilho na parte de trás.
- Acessórios – Em sua curta vida útil, o Vectrex recebeu apenas dois acessórios relevantes, porém, altamente tecnológicos e ambiciosos. Confira:
- Light Pen – Era um dispositivo óptico que permitia aos jogadores interagir diretamente com a tela do console, proporcionando uma experiência de jogo mais envolvente e interativa, basicamente adicionava uma espécie de função “touch” na tela. Foi lançado junto com o console Vectrex, em 1982. Com esse acessório o jogador podia desenhar diretamente na tela do Vectrex e também atuar como um cursor para seleção de opções nos jogos, o que era muito inovador para a época.
Porém, a Light Pen era um acessório sensível que dependia da sincronização precisa entre o momento em que o ponto de luz era exibido na tela e quando o sensor no Light Pen o detectava. Isso tornava o uso do Light Pen meio complicado e suscetível a problemas como a calibração incorreta e possíveis interferências de luz ambiente. Pouquíssimos jogos foram projetados especificamente para aproveitar o Light Pen. Esses jogos muitas vezes envolviam desafios de precisão, como atirar em alvos móveis ou desenhar com precisão. O “Art Master” é um exemplo de jogo que se beneficiou muito do uso do Light Pen, permitindo aos jogadores criar suas próprias imagens na tela. Apesar de divertido, muitas vezes se tornava cansativo por conta das limitações e problemas técnicos
- 3D-Imager – O 3D-Imager era um tipo de óculos que foi projetado para criar uma experiência de jogo em 3D. Lançado em 1984, pouco tempo antes do fim do Vectrex, o 3D-Imager permitia aos jogadores experimentar uma ilusão de profundidade nos jogos, adicionando a ilusão de uma dimensão extra à experiência de jogo. Isso numa época em que gráficos 3D eram um conceito muito futurista.
O dispositivo era grande, lembrava muito uma máscara de soltador e seu funcionamento consistia na rotação de um disco que era metade preto e outro metade com 3 faixas de cores. Estranho? Muito!
Há uma sincronização continua entre os “óculos” e o console Vectrex. O disco gira dentro do 3D-Imager e gera o efeito Flicker, onde ele obstrui a visão de um olho com o lado preto do disco e passa as faixas coloridas para o outro olho, alternadamente em alta velocidade. Isso gera a ilusão de imagem 3D. Resumindo, o 3D-Imager era um sistema de imagem 3D baseado em obturação, só que arcaico. Claro que, dadas as circunstâncias da época, o acessório não foi bem-sucedido, mas é interessante reconhecermos que foi uma das primeiras tentativas de lançar a tecnologia 3D para uso doméstico.
Além dos acessórios 3D-Imager e Light Pen, o Vectrex recebeu uma capa “antipoeira” oficial e uma maleta de transporte. Esses acessórios menos conhecidos eram muito restritos e só podiam ser adquiridos nos EUA através do Fã-clube do Vectrex.
Biblioteca de Jogos
A biblioteca de jogos do Vectrex teve que ser exclusivamente desenvolvida levanto em consideração a tecnologia de imagem das telas de vetor. Se compararmos com os outros consoles da mesma época, como o Atari 2600, a biblioteca de jogos do Vectrex é relativamente pequena e contém cerca de 29 jogos lançados oficialmente. Isso ocorreu em parte devido às dificuldades técnicas e custos mais elevados associados ao desenvolvimento de jogos exclusivos para o Vectrex. O Console já vinha com o jogo “Minestorm” incluso na caixa.
Apesar dos cartuchos serem bem compactos, as caixinhas de papelão eram bem maiores devido a necessidade de acomodação do Overlay que cada jogo tinha.
A maioria dos jogos oficiais do Vectrex foi desenvolvida pela própria General Consumer Electronics. Desses quase trinta jogos, alguns eram adaptações de jogos de fliperama bem populares da época, enquanto outros foram projetados especificamente para aproveitar as tecnologias do 3D-Imager e do Light Pen.
Listamos aqui alguns dos jogos mais famosos lançados oficialmente para o Vectrex:
- Mine Storm – Um jogo de tiro (“navinha”) baseado em um conceito similar ao jogo “Asteroids”, apresentando labirintos gerados de forma procedural. Já vinha com o console na caixa!
- Hyperchase – Um jogo de corrida onde os jogadores controlam um carrinho de formula-1 em um cenário tridimensional, evitando bater em outros carros nas ultrapassagens.
- Armor Attack – Um jogo de tiro que envolvia defender a base de outros tanques e helicópteros inimigos.
- Star Castle – Uma adaptação de um jogo de fliperama, onde os jogadores tentam destruir uma estrutura protetora em forma de esfera que ficava girando envolta do alvo e defendendo-o, enquanto o mesmo revida a tiros.
- Spike – Um jogo de plataforma que desafia os jogadores a atravessar plataformas e evitar inimigos. O cenário do Overlay remetia a uma cidade no periodo noturno. A visão isométrica dava uma impressão de 3D.
- Berzerk – Uma adaptação do jogo de fliperama onde os jogadores enfrentam robôs espalhados um labirinto.
- Fortress of Narzod – Nesse aqui o jogador controla uma nave espacial e enfrentam ondas de inimigos enquanto explora e destrói uma fortaleza alienígena em cenários tridimensionais, exigindo movimentos rápidos no joystick para evitar inimigos e obstáculos.
- Polar Rescue – Jogo de submarino onde o jogador tem visão em primeira pessoa e controla o submarino em um ambiente ártico, resgatando mergulhadores presos enquanto evitam obstáculos como icebergs e criaturas marinhas. No jogo é necessário gerenciar o oxigênio durante as missões.
- Crazy Coaster – é um dos jogos mais conhecidos para o console Vectrex. Este foi projetado para fazer pleno uso da “máscara de soldador” 3D-Imager. Era um simulador de montanha russa em primeira pessoa.
- Narrow Espace – Desenvolvido para usar o 3D-imager, neste jogo o jogador assume o controle de uma nave e avança em alta velocidade atirando em naves inimigas e evitando colisão.
Comunidade HomeBrew
Após o desaparecimento do console Vectrex do mercado, muitos entusiastas e colecionadores acreditavam que o console tinha potencial não explorado. A comunidade Homebrew veio como uma maneira de manter viva a plataforma, criando novos conteúdos e fazendo copias de títulos oficiais. Devido a interrupção repentina na produção do Vectrex em 1984, quase dez jogos que estavam muito próximo do lançamento foram simplesmente cancelados.
Em apoio a comunidade Homebrew, a Smith Engenharia, detentora dos direitos do Vectrex, permitiu que jogos oficiais fossem replicados, desde que sua distribuição fosse sem fins lucrativos. E ainda mais, a comunidade ganhou permissão de criar novos jogos.
Entre 1996 e 2006, mais de 25 jogos já tinham sido lançados de forma não oficial e a comunidade de “desenvolvedores caseiros” continua ativa, explorando a capacidade única do hardware e criando novas experiências cativantes.
Um Artefato Raro
O “Mini-Arcade” deixou sua marca na história dos videogames e hoje é considerado um artefato raro e muito valioso pelos colecionadores. O Vectrex é um destaque entre os colecionadores devido à sua proposta única e a dificuldade em se encontrar uma unidade. Tendo uma vida curta no mercado, o número de unidades produzidas foi muito limitado.
Em 1984, na queima de estoque final, era possível encontrar o console custando menos da metade do valor original, chegando a custar apenas U$35,00 em alguns lugares. Hoje em dia, uma unidade do Vectrex pode ser vendida facilmente a partir de R$3000,00.
À primeira vista pode parecer que o Vectrex não seja grande coisa, mas é questão de 10 minutos jogando e conhecendo o aparelho para se encantar com a jogabilidade divertida e cativante, o que fez ele se tornar um item “cult” muito desejado pelos colecionadores, mesmo por aqueles que não viveram naquela época ou estão conhecendo ele só agora.
Embora não houvesse nada de errado com o Vectrex em sua época, o console viveu tempos difíceis com a crise dos videogames de 1983 nos Estados Unidos. Nos países da Europa o mercado também tinha muita dificuldade graças a tendência dos computadores doméstico. E no Japão, a briga contra o Nintendo Entertainment System (NES) jamais poderia ser vencida. Sendo assim, o Vectrex foi mais uma vítima de circunstâncias.
Nos questionamos então… será que se ele estivesse nas mãos de uma empresa maior e mais especializada seria diferente? Será que se ele tivesse sido lançado cinco anos antes seria diferente? E se ele tivesse adotado tecnologia mais comuns que facilitasse no desenvolvimento de jogos por terceiros? Tudo o que nos resta agora é imaginar…
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