Análise | Mary e a Flor da Feiticeira

Mary e a Flor da Feiticeira
Mary e a Flor da Feiticeira/Teaser - Imagem: Studio Ponoc/

Em Mary e a Flor da Feiticeira, Hiromasa Yonebayashi cria uma fábula sobre autodescoberta e responsabilidade, narrando a jornada de Mary Smith, uma garota ruiva e desajeitada que se muda para o campo e se sente fora de lugar em sua nova casa. Seu dia a dia monótono muda quando ela segue dois gatos enigmáticos e descobre uma flor mágica chamada “mosca da noite”, que tem o poder de conceder habilidades às bruxas. 

Por acidente, Mary ativa uma vassoura mágica que a transporta até o Colégio Endor, uma escola flutuante para bruxas, onde é recebida como uma prodígio por Madame Mumblechook e pelo misterioso Doutor Dee.

À primeira vista, o colégio parece encantador, mas Mary logo percebe que por trás da fachada deslumbrante existe um núcleo de ambição e corrupção: experimentos com seres mágicos e uso irresponsável da magia. Quando os feiticeiros sequestram seu amigo Peter, Mary inicia uma jornada de coragem e redenção, lidando com a culpa por ter revelado onde ele estava. Com o auxílio de um antigo livro de feitiços e da Pequena Vassoura, ela enfrenta os vilões e acaba com as experiências que destroem a essência da magia.

Ao longo dessa jornada, Mary descobre também a verdade sobre sua tia-avó Charlotte, ex-aluna de Endor que, no passado, tentou impedir o mesmo poder devastador. O paralelo entre as duas destaca o tema principal do filme: a maturidade surge da responsabilidade e da decisão consciente entre poder e ética.

No final, Mary recusa a flor mágica e opta pelo caminho comum, representando sua aceitação de si mesma e de uma vida sem artifícios. Com uma estética encantadora e uma narrativa sensível, Yonebayashi converte uma aventura voltada para o público infantil em uma meditação poética sobre autoconhecimento e os limites do poder.

Direção de Mary e a Flor da Feiticeira

A direção de “Mary e a Flor da Feiticeira” foi conduzida por Hiromasa Yonebayashi, um dos profissionais mais talentosos que já trabalhou na Ghibli. Yonebayashi começou sua carreira no Studio Ghibli como animador, e foi exatamente aí que ele construiu a base técnica e artística que depois o levou à direção. O cineasta já havia dirigido outras animações antes desse filme, como por exemplo “O Mundo dos Pequeninos” e “As Memórias de Marnie”. Posto isso, muitos elementos da identidade visual da Ghibli Studio como ambientes vastos, cinematografia com o tom mais contemplativo, e o próprio desenho.

Por outro lado, o cineasta não inclui elementos sensoriais como o som de correntes de água, folhas balançando ao vento, ou pessoas fazendo atividades comuns com cozinhar. O objetivo dos personagens se mostra bem vago no início, o diretor aposta bastante na jornada de descobrimento dos personagens e não foca muito no contexto.

No filme, vemos que a natureza é um dos principais pilares que sustentam a trama, especificamente as flores chamadas “Moscas da Noite”. Esse resgate de natureza e misticismo permeia filmes como “Meu Amigo Totoro” e “Princesa Mononoke”. Esse filme teve contribuição de Yonebayashi.

Apesar de ter uma sensibilidade oriental, Yonebayashi não se aprofundou tanto em elementos culturais e espirituais, mesmo que de forma sutil. O diretor mistura raízes ocidentais, vindas do livro britânico de Mary Stewart com o estilo de animação clássica da Ghibli. Por fim, a direção de Yonebayashi é rica em identidade visual e profundidade narrativa.

Em que foi baseado Mary e a Flor da Feiticeira

Mary e a Flor da Feiticeira (2017) segue Mary Smith, uma garota que descobre uma flor mágica capaz de transformá-la em bruxa temporária. Levando-a ao Colégio Endor, ela enfrenta experimentos sombrios e escolhas morais, aprendendo sobre coragem, responsabilidade e autodescoberta. O filme mistura fantasia britânica com a estética poética da animação japonesa.

O tom é mais contido e introspectivo, típico da literatura britânica da época. A magia é tratada com mistério e sutileza, quase como uma metáfora para curiosidade e crescimento. A narrativa é curta, tranquila e atmosférica, mais focada na sensação de isolamento e descoberta pessoal de Mary. Sobre essa perspectiva, o filme diverge da obra original em alguns aspectos, como a presença de novos personagens, e um tom aventuresco.

Orçamento e bilheteria

O desempenho comercial de Mary e a Flor da Feiticeira é, de certa forma, uma incógnita, já que informações precisas sobre o custo de produção da animação não foram divulgadas oficialmente pelo Estúdio Ponoc. Trata-se do primeiro longa-metragem produzido pelo estúdio, fundado por ex-membros do Studio Ghibli, o que gerou grande expectativa em torno do projeto. Apesar da ausência de dados sobre o orçamento, o filme conseguiu atingir uma arrecadação global aproximada de US$ 42 milhões, um número considerável para uma produção de estreia. 

A maior parte dessa receita veio do mercado japonês, onde a base de fãs de animação é tradicionalmente forte. Mas, o filme também alcançou boa repercussão em outros países, incluindo Estados Unidos e algumas regiões da Europa. Esse desempenho indica que o Studio Ponoc conseguiu equilibrar a qualidade artística da animação com uma viabilidade comercial. De certo modo, isso mostra o estudio tem potencial para consolidar um nome promissor no cenário da animação japonesa.

Crítica

Por se assemelha demais com um dos filmes da Ghibli, “Mary e a Flor da Feiticeira”, naturalmente, se tornou alvo de comparações. Em suma, a maioria das críticas destaca que o filme é visualmente deslumbrante. O traço, as cores e o movimento das cenas lembram fortemente “A Viagem de Chihiro” e “O Castelo Animado”. Críticos elogiaram o cuidado artesanal da animação, o design do Colégio Endor, e a fluidez das transformações e efeitos mágicos. O roteiro, embora fiel ao espírito do livro, foi visto como simplista em comparação a outras animações japonesas recentes.

Particularmente falando, o filme se mostrou fiel à essência do livro, dá para perceber que o diretor quis nos envolver em uma atmosfera introspectiva cada vez que mostrava Mary em um espaço fechado, e o ângulo de câmera bem aproximados. Mas algumas decisões descaracterizaram esse clima introspectivo, como por exemplo a frequência com que as cenas pulavam de uma para outra. Além disso, a própria personagem apresentou uma personalidade hiperativa, curiosa, e extrovertida. No livro, Mary é diferente demonstrando um jeito introvertido, inseguro, e observadora. 

De qualquer forma, “Mary e a Flor da Feiticeira” teve uma recepção bem positiva entre o grande público. Por exemplo, no Rotten Tomatoes essa adaptação alcançou 70% de aprovação em uma escala de 100 votos. No IMDB, essa adaptação alcançou 6.8/10 estrelas em uma escala de 19 mil votos.

Trilha sonora do filme

A princípio, Takatsugu Muramatsu é um compositor japonês conhecido por trilhas sonoras de animações como When Marnie Was There (2014), Lu Over the Wall (2017) e Mary e a Flor da Feiticeira (2017). Sua música combina orquestras clássicas, timbres delicados e elementos folclóricos, criando atmosferas mágicas, emotivas e poéticas. Nesse sentido, podemos destacar Mary’s Theme, o tema principal de Mary e a Flor da Feiticeira. Composta por Takatsugu Muramatsu, essa faixa combina orquestração clássica com instrumentos tradicionais, como o hammered dulcimer. 

Assim, sua melodia delicada e harmonia suave evocam magia, aventura e inocência, acompanhando Mary em sua jornada. A música alterna momentos contemplativos e dinâmicos, conectando emoção e narrativa e destacando a identidade poética do compositor. Em geral, o álbum desse filme não é tão memorável, não há uma música que seja capaz de se tornar um pilar forte na narrativa do filme.

Conclusão

Uma das particularidades mais notáveis do cinema oriental é sua profunda conexão com princípios e valores humanos. Em outras palavras, ligação à família, espiritualidade, disciplina e equilíbrio com a natureza fundamentam os filme orientais. Mesmo quando incluem fantasia ou elementos sobrenaturais, esses assuntos tendem a ser o núcleo das histórias. Ao colocar as relações humanas no centro da narrativa, os cineastas orientais conseguem desenvolver enredos emocionalmente profundos, em que cada ação, decisão ou sacrifício carrega um significado simbólico e espiritual.

Em “Mary e a Flor da Feiticeira”, essa essência se manifesta de maneira sutil, porém poderia ter sido mais aprofundada. Se o diretor Hiromasa Yonebayashi tivesse concentrado mais sua atenção nesses aspectos, a ligação entre Mary e sua própria origem, a relevância da coragem e da empatia frente ao poder, e a importância das relações autênticas, o filme poderia ter alcançado um nível ainda mais alto. 

A história ganharia mais sentido e emoção, tornando-se uma jornada que seria não só visualmente deslumbrante, mas também espiritualmente enriquecedora. Mesmo assim, Mary e a Flor da Feiticeira continua sendo uma obra sensível, com alma e potencial, que consegue emocionar o público com sua beleza e autenticidade. Até a próxima!

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