Análise| Rent: Os Boêmios

“Rent: Os Boêmios” é uma adaptação do musical da Broadway aclamado pela crítica e conta a história de um grupo de boêmios do East Village de Nova Iorque que tenta sobreviver e criar face à pobreza, ao amor e à SIDA. Na véspera de Natal de 1989, o aspirante a cineasta Mark e o ex-músico viciado Roger descobrem que seu velho amigo Benny, agora proprietário do prédio, está exigindo aluguel. Os planos de Benny de despejar o sem-abrigo para construir um estúdio web despertaram a ira de seus antigos amigos, especialmente quando ele tentou subornar Mark e Roger para cancelar um protesto organizado pela ex-namorada de Maureen.

Enquanto isso, Collins, um ex-colega de quarto, encontra Angel, um baterista de rua, após ser assaltado. Os dois se conectam devido ao fato de ambos serem HIV positivos. Roger, também portador do vírus, tenta compor uma última grande música e é visitado por Mimi, dançarina erótica e viciada em heroína. As relações se complicam com a chegada de Joanne, a nova namorada de Maureen, enquanto Mark documenta tudo.

A amizade do grupo é testada por desafios sociais e financeiros. Angel acabou morrendo de AIDS, levando a uma dolorosa separação do grupo. Benny devolve o apartamento para todos, mas o impacto emocional permanece. Roger mudou-se para Santa Fé em busca de um novo começo, mas voltou para Nova York, incapaz de esquecer Mimi e seu vício em drogas contínuas.

Em plena véspera de natal toda a turma se reúne desde 1990 e posteriormente apresenta Mimi à beira da morte. Com isso, a última peça musical do filme é cantada por Rogger, composta exclusivamente para ela e a mesma sobreviveu milagrosamente. O documentário de Mark celebra a resiliência de seus amigos e reforça a mensagem de “não existe outro dia senão hoje”.

Diretor do filme Rent: Os Boêmios

Chris Columbus esteve à frente dessa peculiar adaptação, diga-se de passagem, essa obra é um dos melhores musicais já lançados nos cinemas. Mas, antes de continuarmos falando da identidade visual que o cineasta construiu nesse filme, vale destacar algumas das incríveis produções que compõem a sua filmografia. Por exemplo, “Gremlins”, “Esqueceram de Mim”, “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, entre outros, provam o talento do diretor em cativar o público.

Algo que sempre está presente nos filmes desse diretor é o compromisso com a mensagem final que deve ser passada para o espectador. Nesse sentido, não há obra melhor do que Rent para destacar esse aspecto profundo que marca o trabalho de Chris Columbus. 

“Como se documenta a vida real… quando, a cada dia, a vida real está se parecendo mais com a ficção?” – Rent: Os Boêmios. A frase destacada faz parte da primeira peça musical apresentada no filme. É somente uma das várias frases que nos convida a pensar no estilo de vida urbano e caótico.

“Rent: Os Boêmios” trata de temas pesados e sérios como a epidemia de AIDS, a pobreza, a luta pela sobrevivência e a diversidade sexual. O tom é frequentemente sombrio e emocionalmente intenso, abordando as complexidades da vida boêmia e as dificuldades enfrentadas por artistas e marginalizados. Portanto, a perspectiva que Columbus projetou nesta obra, prova que o diretor tem capacidade de cativar o público sem apelar para o humor pastelão, que tanto marcam a sua filmografia.

Crítica

Algo bem interessante nesse filme é a composição dos cenários, que são bem representados. Em outras palavras, vemos ruas bem poluídas, paredes pichadas, apartamentos medíocres de uma forma bem estética. Além disso, para um musical com a duração de mais de duas horas, surpreendentemente não me senti saturado com as incessantes sequências de músicas. Um dos motivos para isso acontecer é devido ao próprio roteiro.

A trama apresenta muitos personagens, cada um deles têm personalidades únicas e conflitos pessoais complexos. Dessa forma, a tarefa de envolver o espectador com cada camada vinda dessas personalidade se mostra difícil. Nesse sentido, os pilares responsáveis pela emoção do filme são os próprios musicais e a sua mensagem. O longa alcançou uma classificação razoável de 6,8 estrelas no ilustre IMDB até o momento atual. 

Em última análise, Rent: Os Boêmios é uma produção única e boa, porém bastante inchada. Em outras palavras, para você ter uma boa experiência com essa adaptação, você precisa estar com a mente aberta.

Orçamento e bilheteria de Rent: Os Boêmios

Antes de mais nada, Rent: Os Boêmios fracassou nas bilheterias, isso porque o filme arrecadou apenas US$ 31 milhões. Assim, podemos concluir que a adaptação teve um alcance bem curto Assim, o longa dirigido por Chris Columbus entrou para a lista de flops do ano de 2005, juntamente com “O Senhor das Armas”, “Cão de Briga”, “Zathura: Uma Aventura Espacial”. Algo curioso é que essas produções possuem uma coisa em comum, pois todas as mesmas fracassaram em sua estreia. Contudo, ao longo dos anos conquistaram fãs por todo mundo, por resultado, vingaram.

Isso só prova que os números não necessariamente podem definir o sucesso de uma obra. Para termos uma ideia o filme custou US$ 40 milhões, foi uma quantia muito bem aproveitada que reflete na estética primorosa da produção.

A produção de “Rent” é um testemunho de que o impacto duradouro de uma obra é determinado pelo seu conteúdo e pela conexão que estabelece com o público, garantindo que, mesmo anos depois, ela continue a tocar corações e a inspirar gerações.

Cinematografia de Rent: Os Boêmios

Um musical da Broadway é caracterizado pela extravagância, expressividade, e grandiosidade, e não teria forma de melhor contemplar isso a não ser através das próprias peças teatrais de lá, certo? Bom, a adaptação dirigida por Chris Columbus prova exatamente o contrário. Podemos tomar como exemplo a primeira apresentação do filme Rent, que mostra o quarteirão onde Mark e Roger Moran.

A forma como a câmera acompanha Mark cantando e percorrendo as ruas rumo ao seu lar é dinâmica e estável. A adaptação também possui muitos cortes pois mudam de uma cena para a outra, o que a torna um pouco “picotada”. Porém, isso é feito de forma organizada tornando fácil acompanhar a trama que está sendo contada.

O encontro entre uma performance animada dramática da Broadway e as expressões visuais do cinema cria uma obra mescla que é envolvente e compreensível – deixando todos saberem seus segredos. Isto prova que os musicais não são apenas sobre o que acontece no palco, mas podem ser remodelados e impulsionados através da visão cinematográfica e, assim, reinventar a sua magia para alcançar mais pessoas.

Melhores momentos de Rent: Os Boêmios

Os enquadramentos e a edição de Rent: Os Boêmios renderam cenas espetaculares. Tais cenas fazem jus a grandiosidade que musicais como “La La Land”. Que tal explorarmos algumas das melhores cenas de “Rent: Os Boêmios”, destacando momentos que não só definem a narrativa, mas também deixam uma marca indelével no coração do público:

Benny: Benny ou em portugues “Aluguel”, é a primeira canção apresentada no filme. No final dessa música vemos um encerramento incrível sobre o contraste do fogo emanado dos cartazes queimados iluminando toda a rua onde Mark reside. 

O Tango – Maureen: Mark, Maureen, e Joanne formam um triângulo amoroso conturbado. Essa relação se mostra tóxica quando Maureen causa um atrito proposital entre Joanne e Mark. Tudo isso não parece grande coisa, se não levar em conta que o ótimo desenvolvimento foi feito com música como ferramenta de narração.

Apoio a vida: Quando Angel, Collins, e Mark se reúnem com outros soropositivos começam a entoar uma canção chamada “Light My Candle”. Nessa cena, podemos sentir a vulnerabilidade de alguém que está infectado com o HIV. As atuações dos atores nessa parte fazem toda a diferença, pois realmente passam um ar desesperançoso genuíno.

O trágico final de Mimi: Mimi se viu em uma situação onde a esperança e o desespero se misturaram, e seus amigos se aglomeraram ao seu redor na tentativa de ajuda: foi aqui que a dinâmica de outra emoção encontrou seu lugar. Na música “Your Eyes” interpretada por Roger, o amor é expresso por uma personagem de Mimi, entrelaçado com consentimento ao expressar seu amor apesar de ter se afastado dela.

Por fim, essas cenas chamaram bastante a minha atenção pois dão um peso enorme à carga dramática do longa. Embora sejam situações diferentes uma da outra, carregam consigo questões sociais e reflexões profundas de vida.

Trilha Sonora de Rent: Os Boêmios

Falar de uma adaptação musical como Rent: Os Boêmios e não destacar a sua trilha sonora inspiradora é o mesmo que falar sobre James Horner e não mencionar Titanic. Cada música carrega consigo uma mensagem única e impactante. Imaginar que essas ideias saíram da mente de Jonathan Larson me faz repensar a minha carreira como escritor. 

Na hora 1 minuto 14 do filme a canção “La Vie Boheme” inicia e um número de dança magistralmente sincronizada toma conta da câmera. A canção diz muito sobre o estilo de vida despojado, desapegado e irreverente dos personagens. Tudo faz ainda mais sentido quando descobrimos que o nome da música em portugues significa, “A Vida Boêmia”. Esse estilo de vida intricado na trama é o ápice de fidelidade a obra oficial, pois o Rent: Os Boêmios é uma adaptação do musical composto por Jonathan Larson que por sua vez foi inspirado na peça teatral “La Boheme” feita por Giacomo Puccini.

Lamentavelmente Jonathan Larson faleceu antes que pudesse ver no que seu trabalho se tornaria. Por fim, o fato do compositor ter criado uma obra que nos inspira a viver a cada dia como se fosse o último, e ter morrido antes de vê-la chegar ao sucesso, mostra o quanto o destino é devastador não só na ficção como também na realidade.

Conclusão

“Como se escreve uma música quando os acordes soam errados… embora umas vez eles tenham soado certos e surpreendentes?”. Essa frase diz muito sobre a mensagem do filme,  uma vez que a busca por construir o próprio caminho se mostra esfumaçada pela incerteza, insegurança, e acima de tudo, dificuldade.

A peça ganhou sua estreia em 2005, justamente no período que o surto de HIV se estabilizou nos Estados Unidos. Tomando esse contexto como base, essa adaptação se torna ainda mais profunda.

Não focando na história de uma figura e sim em representar a imaturidade, o desejo de viver, e de amar, através de 5 jovens em Nova York, “Rent: Os Boêmios” é capaz de despertar uma certa identificação naqueles que não tem um direção de vida bem definida. 

Apesar disso ser um pouco triste, ligações como as de Mimi e Roger ou Collins e Angel nos mostram que coisas boas surgem de onde menos se espera. Dessa forma, aqueles que estavam conformados, cientes de que iam passar o resto de suas vidas sozinhos, finalmente encontraram aquilo que chamamos de felicidade. Até a próxima!