Um ex-fora da lei, agora arrependido do que fez no passado, tem que voltar a ação por motivos puramente pragmáticos e, para isso, contará com a ajuda de seu melhor amigo, que também está aposentado, e de um novato que se orgulha de ser um pistoleiro, apesar de nunca na vida ter matado alguém. Esse é o enredo básico de Os Imperdoáveis, um western lançado em 1992 e que foi um dos filmes mais elogiados e bem-sucedidos daquele ano.
Dirigido e protagonizado pelo lendário ator e diretor Clint Eastwood, o filme quebra com muitas das tradições dos filmes “tradicionais” desse gênero e, por isso, se tornou também uma das produções mais influentes da história do western. Mas emblemático ainda é o fato de Os Imperdoáveis ter sido dirigido e protagonizado por Eastwood que se consagrou justamente atuando nos tradicionais filmes western, onde normalmente existe um heroí e um vilão muito claramente definidos.
Contudo, em Os Imperdoáveis não é assim. Aqui, as fronteiras entre bem e mal, certo e errado, não são tão fáceis de se definir. O filme é tão complexo e tão bem feito que é até dificil analisar todos os seus aspectos em profundidade, mas nesse texto, nós tentaremos fazer isso. Portanto, se você quer saber e entender mais sobre essa obra-prima, fique conosco até o final e não se esqueça, que esse texto contêm alguns spoilers.
Os Imperdoáveis: uma história simples e ao mesmo tempo complexa
Os Imperdoáveis tem um enredo inicialmente relativamente simples, mas a construção dos personagens faz com que tudo se torne muito mais complexo. No filme, William Munny (Clint Eastwood) é um ex-fora da lei, que devido a sua frieza e as suas matanças desfreadas é conhecido pelo infame apelido de Bill “The Butcher” ou Bill “O Açogueiro”. Munny, no entanto, se casou, teve dois filhos e relegou essa vida ao passado, tendo vergonha de quem um dia foi. Agora, ele já viúvo, vive no Kansas, tendo enormes dificuldades para tocar sua fazenda e alimentar seus filhos.
Munny é procurado por um novato, que se intitula The Schofield Kid (Jaimz Woolvett) e tem orgulho de ser pistoleiro e matador, inclusive, contando o número de pessoas que já teria matado. Ciente da fama de Munny, o rapaz o convida para ir até o estado do Wyoming, matar dois cowboys. A recompensa pelos assassinatos é a quantia de mil dólares, oferecida por um grupo de prostitutas a qualquer um que “fizer o serviço”. Isso porque, um dos rapazes desfigurou uma dessas prostitutas, depois que ela riu do tamanho de seu pênis.
Munny precisa desesperadamente do dinheiro. No entanto, devido a uma promessa que fez a sua falecida esposa, a princípio recusa o convite de The Schofield Kid. Contudo, ele logo percebe que se não fizer algo, perderá a fazenda e colocará o futuro de seus filhos em risco. Ele então parte para o Wyoming, mas resolve pedir ajuda de um velho amigo, Ned Logan (Morgan Freeman), que também é um ex-fora da lei.
No caminho, eles reencontram The Schofield Kid e partem os três para tentar concluir a missão de assassinar os dois cowboys. No entanto, as coisas não serão tão fáceis assim. Tanto Logan quanto Munny estão “velhos” e enfadados dessa vida e Kid não é nem de perto o que diz ser. Além disso, a cidade onde estão as prostitutas e os rapazes tem como xerife, “Little” Bill Daggett (Gene Hackman), ele próprio um pistoleiro experiente e que rege a lei na cidade com mãos de ferro.
Contando assim, o enredo inicial de Os Imperdoáveis parece simples, mas é o que ocorre durante a história e o que está nas entrelinhas que faz de seus roteiro um dos mais brilhantes já escritos para um filme western. São essas entrelinhas e esses acontecimentos que tentaremos analisar e interpretar aqui nesse texto.
Os Imperdoáveis: um filme que reinventa o gênero western
O western (ou faroeste, como é mais conhecido aqui no Brasil), historicamente sempre foi um dos gêneros mais bem sucedidos do cinema norte-americano, a ponto de ser chamado pelo lendário crítico de cinema André Bazin de “o gênero americano por excelência”. Isso porque, o gênero explora muito um momento importante da história dos Estados Unidos, a “conquista do oeste”, com seus tiroteios, cowboys, índios, saloons e bebidas. Contudo, se por um lado, o gênero sempre fez sucesso com o público, por outro, ele muitas vezes foi acusado de ser maniqueista, com personagens muitas vezes simplórios e histórias sem profundidade, onde existia claramente um “mocinho” e um “vilão”. Muitas vezes, com o cowboy sendo o mocinho e o índio, o vilão.
Além disso, esse gênero foi acusado de romantizar um período histórico que não foi nada romântico. Assim, o cowboy era quase um representante máximo do que era bom e puro, um heroí no sentido clássico da palavra, sem defeitos, dúvidas ou erros. Dessa forma, tudo que ele fazia era inquestionável, inclusive, a matança desenfreada. Sendo que, é sabido, que a conquista do oeste foi muito mais complexa do que uma simples luta entre mocinhos e vilões.
Como reação a esse maniqueísmo, surgiu um subgênero do western, o “western revisionista” (também chamado de “anti-faroeste” ou “pós-faroeste”), que tentava justamente desmistificar e subverter esse “romantismo” do velho oeste. Isso era feito através da criação de histórias mais complexas e do desenvolvimento mais aprofundado dos personagens do filme, buscando uma visão mais realística desse período histórico. É nesse sub-gênero que Os Imperdoáveis se encaixa, sendo, inclusive, um de seus principais representantes.
O “western revisionista” é também uma tentativa de reavivar o faroeste, dando lhe novos ângulos e novas histórias. Não à toa, apesar de existir praticamente desde sempre, esse subgênero ganha realmente força a partir do momento em que o faroeste tradicional começa a perder popularidade. É já nos anos 1960, com o fim da era de ouro do cinema, que o “western revisionista” começa a de alguma forma, tormar o lugar do faroeste tradicional, inclusive, com o estrondoso sucesso dos filmes italianos do chamado “spaghetti western”.
Nesse momento em que o público parece já ter se cansado de histórias simplórias e personagens unidimensionais, o revisionismo começa a realmente ganhar tração. Já Os Imperdoáveis, estreia em um momento em que o western que aparentava estar morto, começa a tentar ressuscitar. Dois anos antes, em 1990, estreava nos cinemas com enorme sucesso de público e crítica, Dança com Lobos.
Estrelado e dirigido por Kevin Costner, o filme arrecadou a quarta maior bilheteria de 1990 e também foi o grande vencedor do Oscar daquele ano. A produção, no entanto, era um western mais tradicional, com um heroí mais clássico. Aproveitando o sucesso do filme, Clint Eastwood, resolve dirigir um filme que ia, de uma vez por todas, reinventar o gênero. Esse filme era claro, Os Imperdoáveis.
Os Imperdoáveis: um filme cheio de simbolismos e arquétipos
Os Imperdoáveis é um filme cheio de simbolismos, em que cada cena e cada personagem está alí por algum motivo específico, mesmo personagens que parecem não ter grande importância para a desenvolvimento da trama, não estão alí por acaso. Um exemplo disso, é o caso de English Bob, interpretado pelo brilhante ator britânico Richard Harris. Ele entre e sai do filme, sem nunca cruzar caminhos com seu protagonista, William Munny (Clint Eastwood), e sem, aparentemente, interferir diretamente na trama principal do filme. Aliás, sua passagem pela trama é bastante rápida.
Um olhar mais desavisado pode nos fazer crer que não existe motivo para ele estar ali, que sua presença é dispensável, descartável. Contudo, ele está ali para nos mostrar a natureza falsa das histórias do velho oeste e também demonstrar a natureza da personalidade de “Little” Bill Daggett (Gene Hackman), o xerife da cidade e que será também o principal adversário de Munny durante o filme. Bob entra na trama acompanhado por um escritor, W.W. Beauchamp (Saul Rubinek), que quase como um espectador neutro quer apenas relatar suas histórias.
Beauchamp acredita piamente e coloca no papel tudo que English Bob diz, crendo sem questionar que tudo é verdade. Contudo, logo perceberemos que todas aqueles histórias são mentirosas. Os duelos corajosos do livro são, na verdade, assassinatos covardes e a sangue frio. Os feitos espetaculares são, de fato, apenas golpes de sorte e nada mais. O oeste não é mágico e heróico, ele é sujo e vil. Assim, English Bob serve para de cara, desmascar o mocinho clássico dos filmes de faroeste. Já que sua versão contada nos livros não passa de balela.
Além disso, ele é covarde e frouxo. É espancado e publicamente humilhado por Daggett e mesmo quando lhe é dada a chance de atirar no xerife, não o faz por pura covardia, preferindo não se arriscar. É interessante reparar como Eastwood escolhe destruir completamente esse personagem. Ele chega a cidade de forma arrogante, falando mal do sistema político norte-americano e exaltando a rainha da Inglaterra e sai dalí arrebentado, sangrando, enjaulado e algemado. A prova final de sua humilhação é que seu escritor pessoal, justamente Beauchamp, prefere ficar na cidade com Daggett, por considerá-lo um personagem mais interessante para seus livros.
Além disso, a passagem de English Bob pelo filme também serve para, como dito antes, mostrar ao público a natureza da personalidade do Xerife Daggett. Um homem duro, que lidera com punhos de ferro a segurança da pequena Big Whiskey, no Wyoming. Ele é respeitado e temido por todos na cidade. E é também o único no local que possui realmente experiência como pistoleiro. É notório que em várias ocasiões, seus auxiliares são incapazes de agir sem ele. A cena em que English Bob é expulso da cidade é uma dessas ocasiões.
Enquanto Daggett não chega, nínguem age. Todos estão ansiosos e temerosos, incapazes de sozinhos enfrentar Bob. É a presença do xerife que lhes dá coragem. Isso fica claro no final do filme, quando sem Daggett, a cidade parece ficar totalmente sem rumo e a mercê de William Munny. O xerife também é um homem que odeia fora das lei, tem ojeriza deles, pois sabe que quase todos eles são covardes e desonestos. Isso porque, Daggett os conhece muito bem.
O filme, no entanto, nunca apresenta o xerife como um vilão ou um homem mal, como provavelmente ocorreria em um western tradicional. Daggett é apenas um ser humano comum fazendo seu trabalho, que consiste, basicamente, em manter a cidade em ordem e livre de criminosos e foras da lei. Para isso, ele tem que ser duro. Aliás, em Os Imperdoáveis todos estão fazendo apenas seu trabalho.
O próprio William Munny não está alí para matar por prazer. Aliás, em determinado momento fica claro que ele nem gosta de matar. Mas ele precisa fazê-lo simplesmente pelo dinheiro. Munny não é um heroí com uma nobre missão, ele é apenas um homem que precisa fazer um trabalho sujo para ganhar um dinheiro que ele precisa desesperadamente. Ele, inclusive, nem sequer procura confronto com Daggett.
Munny quer apenas matar seus alvos, pegar a recompensa e voltar para o Kansas. O confronto entre os dois personagens só ocorre porque o xerife toma uma decisão que muda tudo. Assim, Munny é muito mais um antiherói, um personagem que de alguma forma é forçado a agir do que um heroí no sentido clássico da palavra. Como podemos perceber, Os Imperdoáveis é um filme sem heroís e mocinhos, construído apenas com personagens que são unicamente humanos.
Ao longo do desenvolvimento da trama, suas verdadeiras personalidades vão se mostrando. Após conseguirem matar seu primeiro alvo, fica claro para Ned Logan (Morgan Freeman) que ele não tem mais o que é necessário para fazer aquele trabalho. Logan, então, pede para sair e decide voltar para casa. Munny, promete que mesmo assim, ele receberá sua parte do dinheiro. Essa primeira morte, suja, violenta e chocante, afeta a todos, inclusive, ao jovem The Schofield Kid (Jaimz Woolvett), que é o único ingênuo e inesperiente do grupo.
Essa morte é de um realismo enorme e totalmente diferente do que sempre é mostrado nos filmes tradicionais de faroeste. Logan parte, mas não vai muito longe, sendo capturado pelo xerife. Kid e Munny continuam em sua missão para matar o segundo alvo. Essa segunda morte também é bastante realística e de uma banalidade quase insana. Não há nada de ideal ou romântica nela. Essa segunda morte, revela a verdadeira face de The Schofield Kid.
Ingênuo, Kid quer ele próprio cometer o assassinato, sem perceber o peso de seu ato. Na hora H, mesmo com dificuldades, ele consegue consumar o homicídio, mas percebe quase que imediatamente o erro que cometeu. O preço de tirar uma vida humana, seja ela qual for, é alto demais e Munny sabe disso. Ele deixa Kid cometer o ato, para que ele também descubra isso, através de sua própria experiência. É aqui que a ingenuidade e inocência de Kid morrem. Traumatizado, ele confessa que nunca antes tinha matado alguém e que nunca mais quer voltar a matar. Seu único desejo é voltar para casa e viver uma vida tranquila.
Ao receberem a recompensa, recebem também a notícia da morte de Ned Logan, pelas mãos do xerife. É nessa hora que William Munny começa a beber. Até agora, ele não tinha bebido uma gota de alcóol durante todo o filme. Pois era a bebida que o impelia a fazer o que fazia durante sua época de fora da lei, a ponto de ele nem sequer lembrar direito o que tinha feito. Aliás, essa falta de memória, ás vezes é usada pelo personagem para se proteger de perguntas indesejadas, já que Munny tem vergonha de seu passado e não quer falar sobre ele, mas está sempre sendo perguntado sobre o que fez quando ainda era um fora da lei.
A morte de Logan, no entanto, faz com que ele quebre a promessa feita a sua falecida esposa e volte a beber. A bebida funciona quase como se fosse um combustível ou uma poção mágica. Como em O Médico e o Monstro, o alcóol transforma William Munny em Bill “O Açogueiro”. Sem culpa, sem medo, sem sentimentos, quase como um robô, ele parte para a vingança. Esse papel da bebida alcólica no filme é destacado, principalmente, por duas cenas distintas do filme.
Quando chega na cidade de Big Whiskey, sem ter consumido uma única gota de alcóol sequer, Munny é apenas um homem velho e frágil, que se torna alvo fácil para o Xerife Bill Daggett e seus homens e é espancado impiedosamente por eles, sem ser capaz de sequer se defender, a ponto de ficar a beira da morte. Já no final do filme, sob efeito de alcóol, ele é quase uma máquina de matar imbátivel, que massacra Daggett e seus homens quase que sem esforço, deixando a cidade a sua completa mercê.
É impressionante como em Os Imperdoáveis todos os personagens são multifacetados, até mesmo aqueles que parecem ter pouca importância no filme. Nem mesmos as prostitutas ou os cowboys cujas cabeças estão a prêmio são unidimensionais. Todos têm personalidade próprias. Por isso, não é exagero dizer que os personagens são muito bem construídos.
Aliás, cada um dos personagens principais representa, de certa forma, um arquétipo. The Schofield Kid representa aquela pessoa ingênua, que acredita que o velho oeste é igual aquele que aparece em filmes clássicos do gênero e que há certa honra em matar e um claro limite entre o certo e o errado e o bem e o mal. Ned Logan representa o amigo fiel e conselheiro sensato do personagem principal. Papel, aliás, que se tornou lugar-comum na carreira de Freeman, a ponto de ser, inclusive, criticado por alguns.
Logan é a voz mais racional do trio de pistoleiros e também, provavelmente, o personagem mais inteligente do filme. E ele é tão fiel, que prefere morrer a trair seu amigo. Já William Munny é um tipo de antiheroí clássico, atormentado por uma espécie de maldição. Ele não quer matar, não quer ser um matador, mas ele não tem escolha, é como se o destino o impelisse a isso. Ele é um matador, é isso que ele nasceu para fazer e isso que ele sabe fazer e mesmo que tente fugir disso, ele simplesmente não consegue. É sua natureza e não há nada que ele possa fazer sobre isso.
Esse mote do antiheroí envergonhado de seu passado e que rejeita a violência, mas é, de alguma forma, obrigado a usá-la fez, inclusive, com que alguns teóricos de cinema comparacem William Munny com Aquiles, da consagrada obra clássica de Homero, Ilíada. Ambos são guerreiros e matadores excepcionais que não querem mais usar a violência, mas são impelidos a ela por alguma tragédia que ocorre durante a história. Assim, como por obra do destino, são obrigados a deixar sua verdadeira natureza (de assassinos) tomar conta de si, mesmo sem querer fazê-lo.
Infelizmente (ou felizmente, para quem gosta de bom cinema), a construção dos personagens e da trama em Os Imperdoáveis têm tantas nuances que seria impossível analisá-las todas aqui, sob pena de esse texto se tornar muito longo e de difícil leitura. Contudo, esperamos que essa análise inicial que fizemos seja suficiente para ajudá-los a entender um pouco melhor a natureza e a importância de cada personagem e cada cena do filme.
Grandes personagens e grandes interpretações
Agora que já fizemos uma pequena análise dos personagens e trama de Os Imperdoáveis, partiremos para uma análise de alguns de seus principais áspectos técnicos, começando pelo desempenho do elenco da produção. É claro que com um elenco tão talentoso e personagens tão bem construídos, o resultado não poderia ser outro, desempenhos brilhantes de praticamente todos intérpretes do filme. Clint Eastwood, Gene Hackman, Morgan Freeman e Richard Harris estão todos ótimos no filme.
O que não é surpresa para ninguém, considerando que todos eles são atores multipremiados. Eastwood e Hackman, inclusive, foram indicados ao Oscar por seu desempenho no filme, respectivamente, nas categorias de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante. Hackman, inclusive, venceu o Oscar naquele ano, o segundo e último Oscar, até agora, de sua carreira. Pelo papel, ele também venceu o BAFTA e o Globo de Ouro. Já Eastwood, perdeu o prêmio para Al Pacino e seu desempenho no filme Perfume de Mulher.
Até mesmo atores e atrizes mais coadjuvantes estão muito bem na obra, com destaque especial para Jaimz Woolvett, como o pistoleiro The Schofield Kid, que acabou por se tornar o principal papel de sua carreira; Saul Rubinek, como o escritor W.W. Beauchamp, que acaba se tornando um dos personagens mais importantes da trama, funcionando quase como se fosse o olhar do espectador; Frances Fisher, como Strawberry Alice, a “feroz” líder das prostitutas que quer vingança a todo custo e que oferece a recompensa pela cabeça dos cowboys; Anna Thomson, como Delilah Fitzgerald, a prostituta que é vítima dos cowboys, mas que tem uma personalidade tão doce que acaba quase que se apaixonando por William Munny e que por vezes sente pena dos cowboys que lhe fizeram mal e Anthony James, como Skinny Dubois, o dono do bordel onde as prostitutas atendem e que tenta a todo custo evitar o caos e manter seu negócio funcional e lucrativo.
Todos eles não deixam em nenhum momento a desejar e mesmo aparecendo pouco no filme, dão conta do recado quando são exigidos, fazendo com que a produção tenha um ótimo desempenho de seu elenco. Aliás, se o Screen Actors Guild Awards já existisse em 1991 (a premiação foi criada apenas em 1995), Os Imperdoáveis seria seguramente forte candidato a vencer a categoria de Melhor Elenco em um Filme, daquele ano.
Roteiro, direção e aspectos técnicos brilhantes
Se acima analisamos o elenco de Os Imperdoáveis, nessa seçao analisaremos seu roteiro, sua direção e também seus principais aspectos técnicos. Elogiar o roteiro desse filme é chover no molhado. O roteirista da obra, David Webb Peoples é um veterano na arte de escrever para cinema e foi responsável pelo roteiro de obras-primas e clássicos, como Blade Runner (1982), O Feitiço de Áquila (1985) e Os 12 Macacos (1995). Portanto, não é surpresa que ele tenha conseguido escrever um roteiro tão complexo e profundo quanto o de Os Imperdoáveis.
Acima já falamos extensamente sobre a qualidade do roteiro, sobre como os personagens são bem desenvolvidos e como a história é bem contada, com cada cena tendo importância fundamental para o desenvolvimento da drama. Portanto, não é necessário que repitamos isso tudo aqui. Mas que fique claro que o roteiro de Os Imperdoáveis é o grande esqueleto que mantêm todo filme em pé.
Não a toa, Peoples foi indicado ao Oscar, ao BAFTA e ao Globo de Ouro de Melhor Roteiro Original. Além disso, em 2013, o Sindicato dos Roteirista dos Estados Unidos (ou “Writers Guild of America”, no original em inglês), escolheu o roteiro de Os Imperdoáveis como 30º melhor já escrito em toda a história do cinema. Dito tudo isso, é possível imaginar o tamanho da qualidade desse roteiro e também do talento de David Webb Peoples.
Se o roteiro de Os Imperdoáveis é seu esqueleto, a direção de Clint Eastwood é seu cérebro, que coordena e pôe tudo em seu lugar. É incrível o trabalho de Eastwood no que talvez seja sua obra-prima. E olha que estamos falando de um dos mais importantes atores e diretores de toda a história do cinema mundial. Aliás, foi com esse filme, que Eastwood passou a ser visto como um diretor capaz. Já que, apesar de ter começado a dirigir em 1971 e já ter alguns trabalhos elogiados em seu currículo, ele nunca tinha sido considerado realmente um diretor respeitado.
Isso mudou em 1991 e desde então, Eastwood recebeu mais três indicações ao Oscar de Melhor Direção, vencendo mais um vez em 2005, por seu trabalho em Menina de Ouro. Em Os Imperdoáveis, o diretor administra uma equipe de profissionais técnicos de enorme competência, que fez com que o filme se destacasse em diversos aspectos da arte de fazer cinema. É sobre esses aspectos que falaremos a seguir, começando por sua fotografia.
A fotografia de Os Imperdoáveis ficou a cargo de Jack N. Green, que já trabalhava com Eastwood desde os anos 1970 e continuou trabalhando em seus filmes até o ano 2000. Aqui, Green faz um trabalho brilhante que combina beleza em algumas cenas e melancolia em outros. O cinematográfo explora as grandes paisagens em algumas cenas e consegue dar um aspecto de faroeste clássico ao filme, mas ao mesmo tempo também é capaz de explorar com brilhantismo a escuridão em algumas outras cenas bem menos grandiosas. Por seu trabalho, Green foi indicado ao Oscar e ao BAFTA de Melhor Fotografia.
Também brilhante, é o trabalho de direção de arte do filme, com sets muito bem desenhados e decorados e que conseguem reproduzir com muito rigor o que existia no velho oeste naquela época. O que, novamente, não é surpresa para nínguem, já que por trás desse trabalho estava o diretor de arte, Henry Bumstead, que naquela época já tinha ganho dois Oscar por seu trabalho nos clássicos, O Sol É para Todos (1962) e Golpe de Mestre (1973), além de ter sido indicado também por seu trabalho na obra-prima de Alfred Hitchcock, Um Corpo que Cai (1958).
Assim, como esperado, o trabalho de Bumstead não decepcionou e além de elogios, também recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Direção de Arte. Outro aspecto muito destacado da produção é sua edição muito bem-feita que ficou a cargo de Joel Cox que, inclusive, ganhou um Oscar por seu trabalho nesse filme. O montador, que trabalha com Eastwood desde 1976, ajudou a impor um bom rítimo ao filme, sendo capaz de agregar diversas tramas ao mesmo tempo, de forma bastante coesa.
Fato que ajudou ainda mais a destacar o ótimo roteiro do filme e também sua ótima direção. O fato de Cox conhecer tão bem o estilo de Eastwood e também seu trabalho, o ajudou a montar um filme que se tornaria uma das principais obras na carreira do ator e diretor. Mérito que não pode se diminuído, em se tratando de alguém da estatura de Clint Eastwood. Por último, outro aspecto de Os Imperdoáveis que é bastante elogiado, é seu som, que ficou a cargo do quarteto Les Fresholtz, Vern Poore, Dick Alexander e Rob Young.
Entre os aspectos apontados aqui, esse talvez seja o mais técnico do filme, mas que também não pode deixar de ser elogiado. Como é costumeiro na carreira de Clint Eastwood, esses quatro profissionais trabalharam em diversos de seus filmes, sendo que três deles, Les Fresholtz, Vern Poore e Dick Alexander, não apenas já venceram o Oscar pelo menos uma vez, mas também foram indicados ao Prêmio da Academia em diversas outras ocasiões. Portanto, uma equipe de primeira linha. Não a toa, fizeram um trabalho brilhante em Os Imperdoáveis, que acabou por resultar em indicações ao Oscar e ao BAFTA e elogios rasgados da crítica e de profissionais da área.
Sucesso de público e crítica
Os Imperdoáveis foi um enorme sucesso de crítica e público. Para um filme tão complexo, é até surpreendente que a produção tenha arrecadado tanto nas bilheterias, chegando muito perto, inclusive, de se tornar um dos 10 filmes mais vistos de 1992. Produzido a um custo aproximado de 14 milhões de dólares, a produção arrecadou quase 160 milhões de dólares em bilheterias, sendo que o décimo filme mais visto daquele ano, a comédia Quanto Mais Idiota Melhor, arrecadou 183 milhões. Portanto, estamos falando de uma diferença de apenas cerca de 20 milhões de dólares.
Além disso, desde sua estreia o filme já mostrou que seria um fenômeno de bilheteia. Os Imperdoáveis já estreou em primeiro lugar nas bilheterias e em seu primeiro final de semana se tornou a estreia mais bem-sucedida financeiramente da carreira de Clint Eastwood. A produção também bateu o recorde de melhor estreia da história para um mês de agosto, recorde esse, que só seria batido um ano depois pelo thriller O Fugitivo.
O filme ficaria três semanas seguidas em primeiro lugar nas bilheterias e cerca de oito meses após a sua estreia voltaria a ficar entre os dez filmes mais vistos dos Estados Unidos após sua vitória no Oscar daquele ano. Os Imperdoáveis ficaria ainda 49 semanas ou quase um ano em cartaz nos cinemas norte-americanos, ou seja, um sucesso inquestionável de público.
Com a crítica especializada, a história não foi diferente. Ainda na época de seu lançamento, a produção foi quase que unanimamente elogiada pela crítica. Jack Methews escrevendo para o jornal Los Angeles Times, disse que Os Imperdoáveis era provavelmente o melhor western desde Rastros de Ódio (1956), de John Ford. Já o famoso crítico Richard Corliss escrevendo para a revista Time chamou o filme de “meditação de Eastwood sobre idade, reputação, coragem, heroísmo – sobre todos os fardos que ele carrega com tanta graça há décadas”.
Já a duplada de críticos consagrados, Gene Siskel e Roger Ebert, chegaram a criticar o filme por sua duração, que eles consideraram maior que o necessário, e por alguns personagens, como English Bob, que eles consideraram supérfluos e desnecessários para a trama, mas mesmo assim, aprovaram a obra como um todo. Ebert ainda incluiria Os Imperdoáveis em sua famosa lista de “Grandes Filmes”. Atualmente, inclusive, o filme mantêm uma taxa de aprovação de 96% no Rotten Tomatoes, principal agregado de críticas especializadas do mundo.
Em relação a premiações, Os Imperdoáveis foi seguramente um dos filmes mais premiados de 1992. Só para falarmos de algumas das principais premiações da temporada, o filme recebeu quatro indicações ao Globo de Ouro, seis ao BAFTA e nove ao Oscar. Aliás, a produção foi, junto com Retorno a Howard’s End, o filme que mais recebeu indicações ao Oscar naquele ano. Os Imperdoáveis sairia da entrega da premiação como o maior vencedor da noite, levando para casa quatro estatuetas, incluindo vitórias nas categorias de Melhor Filme, Direção e Ator Coadjuvante.
Isso sem falar em premiações “menos importantes”, como aquelas entregues por associações de críticos, sindicatos profissionais, como o Writers Guild of America Awards, o Producers Guild of America Awards e o Directors Guild of America Awards, e outras premiações estrangeiras e norte-americanas que tem menos peso na temporada de premiações. Por tudo isso, Os Imperdoáveis é até hoje um dos filmes mais premiados da carreira de Clint Eastwood e considerado por muitos sua obra-prima.
Conclusão
E aí, gostou do nosso texto? Tentamos fazer uma análise a mais completa possível desse clássico do cinema mundial. É claro que em um filme dessa complexidade é quase impossível fazer uma análise totalmente completa sem escrever um texto muito grande ou massante. Contudo, após ler esse texto, seguramente você terá mais elementos para eventualmente assistir (ou reassistir) Os Imperdoáveis com outros olhos. E não se esqueça, se você gostou desse texto, deixe seu comentário abaixo, ele é muito importante para nós.