The Callisto Protocol nasceu sob os holofotes. Não como um jogo de terror qualquer, mas como uma promessa ousada de reviver o “terror espacial” com uma nova alma, moderna, brutal e cinematográfica.
Uma cela escura. O som abafado de passos metálicos. Algo respira no escuro. E você sabe: está preso em um lugar que nunca foi feito para humanos.
The Callisto Protocol chegou prometendo ser o sucessor espiritual de Dead Space. Com Glen Schofield — cocriador da franquia da Visceral Games — na direção, e um marketing que não economizou em gore, atmosfera opressora e gráficos de ponta, o jogo foi tratado como o renascimento do terror espacial nos consoles.
Mas quando enfim aterrissou em nossos Consoles e PCs, o impacto não foi exatamente o esperado.
Críticas divididas. Problemas técnicos. Um sistema de combate controverso. A sensação de que havia ali uma casca brilhante… escondendo um núcleo pouco polido.
Muitos desistiram cedo demais. Outros encararam até o fim — e saíram com a impressão de que havia bem mais para ser explorado.
Afinal, o que é The Callisto Protocol, além da promessa de ser um novo clássico do horror sci-fi?
O Espaço nunca foi tão estreito e, nesta análise, vamos mergulhar no desenvolvimento, no contexto por trás da criação do jogo, nas ideias que funcionam (e nas que não funcionam), e tentar responder: o terror morreu no vácuo ou ainda respira por aqui?
Spoiler: não é tão simples quanto parece.
A Origem – A Herança do Horror Cósmico
Quando Glen Schofield anunciou The Callisto Protocol, a comunidade gamer prestou atenção. Afinal, era ele — o homem que ajudou a moldar Dead Space, uma das experiências mais intensas e memoráveis do survival horror moderno.
Mas o novo projeto não era só uma continuação espiritual. Era uma tentativa de elevar o terror a outro patamar: mais visceral, mais cinemático, mais brutal.
Criado pelo estúdio Striking Distance, fundado em 2019, o jogo nasceu como uma ambição ousada: recuperar o prestígio do terror espacial, justamente numa época em que o gênero parecia relegado ao canto dos cults.
The Callisto Protocol foi desenvolvido com apoio da Krafton, conhecida principalmente por PUBG, o que já indicava um foco em produção de alto orçamento e um alcance global.
A ambientação no satélite de Júpiter, Callisto, não foi escolha ao acaso. Schofield queria um local inóspito, cruel, isolado da humanidade — onde o horror não precisasse de monstros para se manifestar, porque o próprio ambiente já oferecia risco constante.
E foi nesse cenário que nasceu Black Iron, uma prisão de segurança máxima onde o inferno, literalmente, se solta.
A proposta era entregar gráficos hiperrealistas, combate corpo a corpo brutal, uma história cinematográfica e atmosfera opressora. Era o tipo de jogo feito para ser lembrado — mas também para ser difícil de engolir.
O problema? Essa herança pesa. E pesa muito.
Veja bem, ao carregar o legado de Dead Space, The Callisto Protocol inevitavelmente passou a ser comparado com ele — mesmo antes de ser lançado.
O DNA estava ali: horror corporal, mutilações explícitas, áudio abafado por pânico. Mas também estavam as expectativas. E quando se tenta superar uma lenda… não basta repetir o que já foi feito.
Era preciso reinventar. E aí, a jornada ficou mais complicada.
A História de The Callisto Protocol
Prisões, Experimentos e Redenção no Fim do Universo…
Jacob Lee, nosso protagonista, não é herói. Nem anti-herói estiloso. É só um cara comum — um piloto de carga tentando sobreviver a um universo que já perdeu qualquer senso de compaixão. (E não, não é no Brasil)
Mas em The Callisto Protocol, ninguém está a salvo da ruína. E foi justamente em uma entrega de rotina que tudo desmoronou.
O jogo te coloca rapidamente dentro de Black Iron, uma prisão de segurança máxima em Callisto, onde Jacob é encarcerado à força sem direito a julgamento, sem saber por quê.
Algo está profundamente errado. E esse pressentimento se confirma logo nas primeiras horas de jogo, quando a colônia carcerária mergulha no caos.
Presos, guardas e cientistas são tomados por uma infecção brutal — um patógeno que transforma humanos em aberrações viscerais, criaturas deformadas que parecem nascidas da carne e da dor do universo de SCORN.
Sem entender como ou por que tudo começou, Jacob precisa sobreviver, descobrir a verdade por trás da infecção e escapar de um lugar que parece condenado desde o início.
A narrativa, apesar de seguir uma estrutura linear, mergulha em temas densos: bioterrorismo corporativo, culpa, memória, sacrifício e a constante desconstrução da humanidade frente ao medo e ao desespero.
Se em Dead Space o terror vinha do desconhecido, aqui ele é quase íntimo.
Tudo é sufocante. Os corredores são estreitos, a escuridão é quase sólida, e o som — ah, o som — é seu pior inimigo. O jogo não grita sustos gratuitos. Ele sussurra insanidade. E te faz ficar tenso.
Há ecos de clássicos do cinema, como Alien, The Thing e Event Horizon, mas também há um toque mais moderno, de produções como Ex Machina ou Aniquilação.
É uma ficção científica com horror de corpo e alma. Mas talvez o maior acerto da narrativa seja o peso emocional.
Jacob não é invencível. Ele sangra (muito). Ele se desespera. E ele muda.
Cada combate, cada morte evitada, cada descoberta terrível molda não só a experiência do jogador, mas a própria jornada de redenção do protagonista — que, no fim, entende que o verdadeiro horror não está nas criaturas… mas nas pessoas que permitiram que elas existissem.
Enredo e Ambientação – Entre o Sci-fi Corporativo e o Terror Corporal
Na proposta de The Callisto Protocol pulsa uma narrativa que, embora pareça familiar em sua estrutura inicial, se revela mais ambiciosa do que aparenta.
Ambientado na Prisão Black Iron, uma instalação de segurança máxima no satélite de Júpiter, Callisto, o jogo mistura ficção científica distópica com body horror em uma estética que remete tanto a Dead Space quanto a Alien, passando por ecos de Blade Runner.

Black Iron não é só um presídio — é um laboratório vivo de segredos corporativos, experimentos desumanos e um culto silencioso à transformação do corpo humano em algo… diferente. O mundo de Callisto é frio, estéril e decadente, e o jogo faz um ótimo trabalho em transmitir a ideia de que nada ali foi projetado para a sobrevivência — apenas para o controle.
A trama gira em torno da contaminação por um patógeno misterioso, mas aos poucos revela-se que o horror não vem apenas do vírus em si, mas da ganância corporativa por trás dele.
A United Jupiter Company, mega corporação que controla a prisão, é um símbolo claro da desumanização capitalista, com seus interesses acima da vida humana — um tema recorrente no sci-fi moderno, mas aqui apresentado com brutalidade e sem sutileza.
A ambientação é, sem dúvidas, um dos maiores trunfos do jogo.

A arquitetura da prisão, os detalhes dos corredores úmidos, as salas de contenção, os ruídos de máquinas antigas e a constante presença de algo à espreita criam uma sensação quase ininterrupta de vulnerabilidade.
Mesmo quando não há inimigos por perto, o cenário sugere que você não está seguro e não deveria estar ali.
É nesse casamento entre cenário opressor e mistério conspiratório que The Callisto Protocol encontra sua identidade.
Ainda que a história não revolucione o gênero, ela se sustenta com solidez, especialmente graças à forma como é entregue: mais nas entrelinhas, nos arquivos esquecidos e nos diálogos tensos, do que em grandes exposições ou reviravoltas chocantes.
O horror aqui não é apenas psicológico. Ele é corporal. É o terror que sangra. Que esmaga. Que arranca pedaços.
Os inimigos são versões distorcidas e mutantes de humanos, cujas carnes pulsam com deformações grotescas — criaturas que parecem ter sido esculpidas por H.R. Giger com raiva.
A câmera acentua essa claustrofobia, e a ausência de HUD na tela reforça o instinto de sobrevivência: você não está jogando um jogo, está tentando sair vivo de um lugar onde tudo quer te destruir.
No fim das contas, a narrativa não é apenas sobre monstros. É sobre o que resta da humanidade quando ela é colocada atrás de grades — literais e metafóricas.
O Combate – Brutalidade, Peso e Sobrevivência Tática
Se em Dead Space o combate misturava ação com estratégia cirúrgica, em The Callisto Protocol ele é mais íntimo. Mais sujo. Mais… primitivo.
A proximidade é sufocante. O corpo a corpo não é apenas uma opção — é uma constante. E isso muda tudo.
Jacob “tem mão pesada” e o sistema de combate gira em torno da brutalidade. O bastão de choque que ele empunha vira uma extensão do desespero.
Cada golpe tem peso, tem som, tem consequência. Acertar um inimigo é como quebrar carne e osso com um tubo de ferro. E sentir isso no DualSense faz parte da proposta.
Mas não se trata só de pancadaria. O sistema exige esquiva precisa, bloqueio na hora certa e controle da distância. A cadência entre atacar e sobreviver vira uma dança cruel, onde errar significa ser dilacerado em segundos.
Há armas de fogo, sim. Mas não há munição à vontade. Cada bala conta. E usá-la no momento errado pode custar caro.
Por isso, o jogo força o jogador a pensar como um sobrevivente: usar o cenário, empurrar inimigos contra armadilhas, usar os “poderes” gravitacionais da luva GRP para afastar ameaças ou atirá-las contra espinhos e hélices rotativas.
A violência é gráfica, e intencionalmente desconfortável.
Não há cortes estilizados ou câmera tremendo para suavizar. O jogo quer que você veja. Quer que sinta. O combate é cru. Realista. E profundamente angustiante.
E não se engane: o jogo não facilita. A dificuldade é punitiva em alguns trechos, especialmente quando você está cercado, com pouca vida, sem balas e um monstro gemendo no escuro logo atrás.
Esse senso de opressão é constante, e embora possa frustrar em certos momentos, também reforça a tensão de um verdadeiro survival horror.
Apesar de Jacob ir ganhando diversas armas e ferramentas, The Callisto Protocol não quer que você se sinta poderoso. Ele quer que cada vitória pareça suada. Dolorosa. Merecida.
Gráficos e Som – Uma Imersão Sensorial Brutal
Se há algo que The Callisto Protocol faz com maestria — talvez como poucos jogos na atual geração — é envolver o jogador por meio dos sentidos.
Do som ao visual, tudo foi pensado para deixar você desconfortável. E fascinado.
Graficamente, o jogo é um colosso. Os detalhes da Black Iron Prison impressionam desde o primeiro momento: corredores úmidos, sujeira acumulada nos cantos, sangue seco nas paredes e estruturas metálicas corroídas.
A atmosfera é claustrofóbica, opressiva, e tudo é banhado por uma iluminação que parece pulsar junto com a tensão do ambiente.
A câmera, colada nos ombros de Jacob, aumenta a sensação de vulnerabilidade. Você não vê tudo — só o que está na sua frente. E esse campo de visão limitado é proposital, sufocante, quase angustiante.
Porque o medo, aqui, vem muito mais do que você não consegue ver do que do que aparece na tela.
Já o design sonoro é um espetáculo à parte e faz excelente uso do Tempest 3D do Playstation 5.
Rangidos metálicos, gemidos distantes, sussurros abafados, alarmes intermitentes, passos que ecoam onde não deveriam… O jogo cria um verdadeiro pesadelo auditivo. E se você estiver jogando de fone de ouvido, vai jurar que algo se moveu atrás de você. Vai pausar pra ter certeza.
A trilha sonora, assinada por Finishing Move Inc. e influenciada por compositores como Akira Yamaoka, é minimalista, mas precisa.
Ela não quer roubar a cena — quer invadir sua mente sem pedir licença. São notas graves, dissonantes, quase imperceptíveis, que se misturam aos sons ambientes para criar um clima de alerta constante.
É uma aula de ambientação. Um verdadeiro exercício de imersão, onde cada som, cada sombra, cada ruído serve a um único propósito: te deixar em estado de alerta permanente. E nisso, The Callisto Protocol brilha — ou melhor, sangra litros e litros.
Ritmo – The Callisto Protocol Caminha em Passos Lentos Demais
The Callisto Protocol começa com força: uma introdução tensa, uma atmosfera sufocante e um tom de urgência que deixa claro o pesadelo à frente. Mas conforme avançams pelos corredores gelados de Callisto, algo se revela tão perturbador quanto os próprios monstros: o ritmo.
O “pacing” do jogo é irregular. Em alguns momentos, a tensão se acumula de maneira magistral — silêncios longos, ambientes desconhecidos, ameaças iminentes.
Mas logo em seguida, essa tensão se dissolve em sequências repetitivas, com backtracking desnecessário e combates que, embora brutais, perdem impacto com a repetição.
O que era para ser uma jornada claustrofóbica e progressivamente mais sufocante, por vezes se torna um caminhar arrastado entre áreas vazias ou missões que se estendem além do necessário. O jogo insiste em prolongar momentos sem adicionar novos elementos à narrativa ou à jogabilidade, o que pode desgastar mesmo os jogadores mais imersos.
Além disso, o jogo raramente recompensa a exploração com algo que justifique o desvio. Poucas vezes há surpresas genuínas ou segredos instigantes fora do caminho principal — o que enfraquece um dos pilares mais importantes do terror: a curiosidade do jogador.
Isso não significa que o jogo perde sua identidade…
Em seus melhores momentos, The Callisto Protocol entrega uma tensão digna de cinema. Mas é como um filme que estica demais alguns de seus atos — e com isso, perde o impacto emocional de certas cenas.
Em um survival horror, onde cada minuto deve contar, a falta de ritmo consistente se torna um ponto negativo. E neste caso, é um que te persegue por quase toda a jornada.
Problemas de Lançamento – O Preço da Pressa
O terror em The Callisto Protocol começou antes mesmo de apertarmos o play.
No dia do lançamento, o que era pra ser um dos jogos mais impactantes de 2022 se transformou num festival de frustração para muitos jogadores — especialmente pra galera do PC.
Bugs, stutter, quedas de performance, problemas de carregamento de texturas e crashes tornaram a experiência praticamente injogável para uma parcela significativa do público.
A crítica técnica foi severa. Sites especializados não economizaram palavras para descrever o estado do jogo:
“inacabado”, “inconsistente”, “apressado”.
No Metacritic, as notas oscilaram de forma dramática entre as versões de console e PC, gerando uma divisão perceptível entre expectativa e realidade.
Enquanto o marketing vendia uma obra refinada de horror sci-fi, o que chegou às mãos dos jogadores soava mais como uma versão beta mal polida.
Do lado do público, a decepção também foi barulhenta. As redes sociais e fóruns ficaram lotados de vídeos de glitches absurdos, travamentos em momentos-chave e quedas severas de performance até mesmo em máquinas de ponta.
Ao longo de 2023 e 2024, a Striking Distance Studios demonstrou um comprometimento raro com a recuperação do jogo.
Uma série robusta de atualizações foi sendo lançada — primeiro para corrigir os bugs mais gritantes, depois para equilibrar o gameplay, refinar o desempenho gráfico, ajustar o sistema de combate, e até adicionar novos modos, incluindo New Game+ e modo Hardcore.
O ponto de inflexão veio com a versão 2.0, uma atualização significativa que não apenas corrigiu erros, mas melhorou a resposta dos controles, adicionou opções de customização, e trouxe melhorias gerais na inteligência artificial, iluminação e estabilidade.
A experiência está mais estável, mais equilibrada e muito mais refinada. A tensão ainda é palpável, os visuais continuam impressionantes e, com os ajustes certos, o combate se tornou mais fluido e recompensador.
The Callisto Protocol Vale a Pena?
A dedicação à recuperação não apagou os erros do lançamento, mas reconstruiu parte da confiança. E a pergunta inevitável é: vale a pena jogar hoje?
Se você ainda não experimentou The Callisto Protocol, agora é, sem dúvida, a melhor hora para entrar.
E por mais que não tenha sido o sucessor perfeito de Dead Space que muitos esperavam, ele também está longe de ser um game ruim.
O que faltou? Tempo de otimização. Clareza. Ritmo. Talvez uma visão menos obcecada em emular o passado e mais interessada em construir algo novo, com identidade própria. Mas ainda assim, há méritos.

Com suas atualizações, o jogo se tornou mais polido. Mais funcional. E para quem chega agora, com expectativas mais ajustadas, a experiência pode ser intensa, até memorável.
Mas ainda carrega o eco de um potencial não realizado — um grito abafado pelo vácuo das decisões apressadas.
É Para Todo Mundo?
PROS
- Visual de ponta: Um dos jogos mais bonitos da 9ª Geração, com ambientação claustrofóbica e rica em detalhes.
- Atmosfera opressiva: Imersão sonora e direção de arte impecáveis criam uma tensão constante.
- Combate visceral: Brutal e pesado, com foco em confrontos corpo a corpo intensos.
- Preço acessível atualmente: Com o tempo, o jogo passou a custar bem menos, especialmente em promoções.
- Ideal para fãs de horror espacial: Mesmo com falhas, entrega uma experiência alinhada ao gênero sci-fi de sobrevivência.
- Animações de alta qualidade: Capturas de movimento e expressões faciais baseadas em atores reais.
CONTRAS
- Narrativa rasa: História fraca e protagonista sem carisma comprometem o impacto emocional.
- Combate repetitivo: Falta de variedade nos inimigos e mecânicas que cansam após algumas horas.
- Exploração limitada: Níveis lineares e pouco incentivo para revisitar áreas ou experimentar abordagens alternativas.
- Ritmo irregular: Mal equilibrado, com longos trechos arrastados entre momentos-chave.
The Callisto Protocol é, antes de tudo, um lembrete: de que na indústria de games, tão movida por hype, trailers e deadlines, a construção de um clássico exige mais do que uma boa ideia e gráficos de última geração. Ela exige tempo, confiança — e espaço para respirar.
Se um dia houver uma sequência, torcemos para que ela venha com tudo aquilo que o primeiro jogo não teve: tempo de maturação e liberdade para ousar.
The Callisto Protocol pode não ter sido o jogo que muitos sonharam… mas hoje, está mais perto do que deveria ter sido desde o início. E aí, vai dar uma chance ou tá com medinho?
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