Quantic Dream

Primeiramente, unir cinema e videogames é o projeto definitivo de muitas pessoas e empresas. Poucas, no entanto, conseguiram tanto sucesso nesta empreitada quanto David Cage e a Quantic Dream, desenvolvedora por trás dos sucessos Heavy Rain, Beyond: Two Souls e Detroit: Become Human.

Conhecer a história desta empresa é entender como a tecnologia 3D evoluiu nos videogames. Graças a esforços de equipes como a da Quantic Dream os jogos se tornaram cada vez mais realistas, emocionantes e engajantes.

Hoje respeitada no mundo todo, a empresa leva a frente o sonho de seu fundador e o objetivo de transformar jogos de videogame em verdadeiras experiências, dessa forma, despertando emoções únicas e levando os jogadores a pensar.

Quando a Quantic Dream foi fundada?

A fundação da Quantic Dream foi feita em uma pequena cabine de som no apartamento de David Cage em Paris em 2 de maio de 1997.

Tendo trabalhado como músico e compositor por 15 anos, David, nesta época, estava determinado em desenvolver e publicar o jogo. Esta vontade veio após ele desenvolver a história que viria a se tornar o primeiro lançamento do estúdio – Omikron: The Nomad Soul.

O objetivo era lançar um jogo com forte foco na narrativa e imersão do jogador, que desperta emoções humanas diversas. Para isto seria preciso tecnologia 3D e de captura de movimentos ainda nova no mundo dos games, mas já utilizada na ciência médica.

A ousadia do projeto causou dúvidas e dificultou o recrutamento de investidores e publicadoras. No entanto, David, através de contatos no meio do entretenimento e amigos conseguiu reunir um grupo interessado em realizar este sonho.

Desenvolvendo The Nomad Soul

Assim nasceu a Quantic Dream em sua missão de 6 meses para criar um protótipo deste primeiro jogo que fosse aceito para lançamento. Esta missão foi um sucesso e, após conversa com a Eidos Interactive, tudo estava encaminhado para o desenvolvimento completo de The Nomad Soul.

O projeto ganhou volume e importância, assim, contando com a participação de nomes grandes como o cantor e compositor David Bowie.

Utilizando a tecnologia de captura de movimento e modelagem 3D detalhada, a equipe da Quantic levou Bowie para dentro do jogo, no primeiro concerto virtual dos videogames.

Não apenas isso. Bowie chamou o guitarrista Reeves Gabrels e a baixista Gail Ann Dorsey para participar do show, que contou com 12 músicas inéditas escritas para o jogo.

Logo ficou claro o potencial da Quantic Dream e determinação em realizar seus sonhos de transformar jogos de videogame em uma experiência narrativa emotiva.

Omikron: The Nomad Soul foi lançado em 1999, para PCs e DreamCast, O jogo foi recebido com curiosidade e aclamação da crítica e público.

Apresentando uma vasta cidade 3D, onde era possível navegar e explorar com total liberdade, e personagens vivos graças à captura de movimento de atores e atletas, o jogo foi um sucesso tanto de mercado como em demonstração de tecnologia.

Assim, vendendo 600,000 cópias, The Nomad Soul era mais um exemplo do poder da tecnologia 3D, ainda embrionária no mundo dos videogames.

Fahrenheit e a narrativa interativa

Após o lançamento de seu primeiro jogo, Quantic Dream já estava focada nos próximos passos. A tecnologia de captura de movimento continuou sendo a principal ferramenta do estúdio, com o fim de trazer emoção cinematográfica para os jogos.

Isto junto com um escrita atenciosa e o foco em criar múltiplas narrativas, dessa forma, se moldam às escolhas do jogador, pavimentou o caminho para o próximo lançamento da desenvolvedora – Fahrenheit: Indigo Prophecy.

Por meses a equipe do estúdio experimentou diversas técnicas e ferramentas para trazer mais realismo e cinema ao 3D para jogos. Alguns exercícios envolviam, por exemplo, recriar cenas de filmes famosos, como Matrix e obras de Alfred Hitchcock.

Estas experiências facilitam o desenvolvimento de Fahrenheit, um projeto muito mais ousado que seu predecessor.

O jogo contou com um narrativa interativa imersiva, além disso apresentava uma história complexa que poderia ser vivenciada de diversos ângulos. Para isto foi necessário um script complexo e detalhado, que tomou cerca de 2000 páginas escritas pelo próprio David Cage.

Nele o jogador poderia controlar um de três personagens diferentes. Cada um acompanhava os eventos e a história de maneiras distintas, bem como em lados opostos do conflito central.

Além disso, as escolhas feitas ao longo do jogo influenciavam a história, trazendo um peso real para as decisões tomadas, algo ainda novo no mundo dos videogames.

Lançado em 2005 para Playstation 2, Xbox e PCs junto da Atari, Fahrenheit: Indigo Prophecy foi um sucesso e, dessa forma, vendendo mais de um milhão de cópias.

O escopo do projeto e sucesso em executá-lo atraiu para a Quantic Dream a atenção de nomes de peso da indústria, incluindo a Sony.

Trabalhando com a Sony e o sucesso de Heavy Rain

Após Fahrenheit ter mostrado todo o poder do 3D e a capacidade da Quantic Dream de criar experiências narrativas agradáveis e visualmente deslumbrantes, a Sony Computer Entertainment estava de olho no que o estúdio parisiense podia fazer.

A princípio, antes de trabalhar oficialmente com a empresa, a Quantic Dream já havia dado dois passos importantes para sua consolidação como uma das maiores referências em captura de movimentos (mo-cap) e 3D do mercado.

No ano de 2004 ela contribui com mo-cap para o filme Immortal, em parceria com a UGC Fox Distribution, hoje absorvida pela Fox Entertainment Group da França.

Já em 2005 a desenvolvedora lançou The Casting, um curta em 3D que serviu de protótipo para demonstrar suas novas tecnologias e técnicas para captura de movimentos e modelagem de figuras humanas realistas.

Feito na arquitetura do console Playstation 3, que viria a ser lançado pela Sony no ano seguinte, este curta impressionou graças ao realismo em partes como movimentação dos olhos e coordenação com a movimentação da personagem, além disso, das expressões e representação de emoção na figura 3D.

Apresentado pela Sony na Electronic Entertainment Expo – E3 de 2006 em Los Angeles, o curta serviu também para dar o pontapé inicial no desenvolvimento do próximo jogo da Quantic Dream – Heavy Rain.

Assim, com lançamento em 2010 para o Playstation 3, o jogo foi um sucesso absoluto. Ele vendeu 5,3 milhões de cópias e rendeu ao estúdio e à Sony diversos prêmios do meio.

Mais uma vez o foco em narrativa, fotorrealismo e uma história interativa foi o diferencial. Heavy Rain conta com 23 finais diferentes e uma narrativa que reflete as escolhas do jogador de maneira significativa.

O reconhecimento da academia para Beyond: Two Souls

Já era tradição para a Quantic Dream passar anos experimentando novas ferramentas e técnicas antes de investir totalmente em um jogo novo.

Seu próximo projeto, exibido da Game Developers Conference (GDC) de 2012, foi Kara. Outro filme curta feito na engine da desenvolvedora para o Playstation 3 impressionou pelos visuais e realismo novamente.

Kara viria a servir como inspiração para o jogo Detroit: Become Human alguns anos à frente.

No entanto, antes disso, um segundo projeto para o Playstation 3 estava em desenvolvimento junto da Sony. Este era Beyond: Two Souls, um título que levaria a ideia de narrativa e cinematografia dentro dos videogames a outro patamar.

Lançado em 2013 o jogo contava, mais uma vez, com tecnologia de mo-cap e modelagem de ponta. Assim foi possível trazer atores como Elliot Page e William Dafoe à vida nos papéis principais do jogo.

Beyond: Two Souls vendeu quase 3 milhões de cópias e 14 prêmios em diversas premiações do meio. Além disso, foi o primeiro jogo de videogame a ser exibido no Tribeca Film Festival, no ano de 2013.

Este evento marcou o reconhecimento da narrativa e direção do jogo. Assim como os demais títulos da empresa, o foco foi em entregar uma história profunda e emocionante, que se adapta ao jogador e trata de assuntos como sensação de pertencimento, autopercepção, vida e morte.

Apesar disso, foi recebido de forma mista pela crítica e público.

Ainda em 2013 a Quantic Dream lançou mais um projeto experimental. Desta vez foi a tech demo de The Dark Sorcerer. Este foi feito em parceria com a Sony para mostrar todo o poder da sua próxima plataforma, o Playstation 4. Como sempre, a qualidade gráfica e realismo foram o foco.

Lançando Detroit: Became Human

Resgatando a ideia apresentada na demo Kara, de 2012, com a tecnologia apresentada em 2013 com The Dark Sorcerer, a Quantic Dream tinha tudo o que precisava para lançar seu maior e mais ousado projeto até então – Detroit: Become Human.

Esta história sobre busca da liberdade e da auto-identidade tomou mais de 4000 páginas de roteiro, contando com três protagonistas controlados simultaneamente em uma história complexa com 40 possíveis finais.

As centenas de combinações diferentes garantem ao jogador uma experiência totalmente única de acordo com as decisões tomadas no calor do momento.

Os gráficos eram impressionantes, dando realismo aos personagens, que transpareciam emoções de maneira realista, dando mais uma vez o toque de cinema que virou marca registrada da desenvolvedora.

Detroit: Become Human foi lançado em 2018 para o Playstation 4 e já vendeu mais de 5 milhões de cópias, sendo um sucesso absoluto entre crítica e público.

O jogo marcou também a última parceria exclusiva entre Quantic Dream e Sony. Isto porque o sucesso do estúdio nos videogames e cinema garantiu a ela apoio de uma outra gigante da tecnologia.

Desta vez foi a chinesa NetEase.

Apoio financeiro e compra da Quantic Dream pela NetEase

No ano de 2019, após o lançamento e sucesso de Detroit: Become Human, a Quantic Dream foi abordada pela gigante da tecnologia e internet chinesa NetEase.

A princípio este contato inicial foi consolidado na forma de um aporte financeiro menor, de valor não informado, em janeiro de 2019. Isto permitiu à empresa adquirir mais liberdade em seus projetos após uma década trabalhando de forma muito próxima com a Sony.

Guillaume de Fondaumière, COO da compania, informou que o desenvolvimento de jogos não exclusivos para Playstation seria agora uma realidade.

Esta liberdade permitiu, primeiramente, o lançamento para PCs dos antigos exclusivos de Playstation – Heavy Rain, Beyond: Two Souls e Detroit: Become Human – ao longo do ano de 2019.

Além de auto-publicar seus próprios jogos, esta parceria abriu novas portas para o estúdio.

Primeiramente, foi aberto um novo escritório, o primeiro em mais de 20 anos e também o primeiro fora da França. Desta vez a cidade era Montreal, Quebec, no Canadá.

Além disso, a Quantic Dream passou a atuar também como publicadora de games. Este campo de atuação permitiu a ela expandir sua influência e tecnologia, além de ajudar estúdios menores a conquistarem o que ela já tinha.

Em 2021 Sea of Solitude: The Director ‘s Cut foi lançado pela Jo-Mei Games para o Nintendo Switch, sendo o primeiro jogo publicado pela Quantic Dream. Outros dois – Dustborn, da Red Thread Games, e Under the Waves, da Parallel Studios – já foram anunciados.

O que foi iniciado em 2019 foi concluído em 2022. Em agosto deste ano a NetEase comprou a Quantic Dream como parte da estratégia de diversificação de seu conteúdo, especialmente fora da China e na Europa.

Trabalhando com a Lucasfilm Games

A parceria de sucesso com a Sony e liberdade garantida com a aquisição pela NetEase garantiu à Quantic Dream um posto elevado no hall da fama das desenvolvedoras.

Seu diferencial e experiência trouxe à empresa a chance de trabalhar com uma das maiores franquias do mundo – Star Wars.

Anunciado no The Game Awards de 2021, Star Wars Eclipse será um jogo de ação e aventura que se passa no universo amado dos filmes. Este se mostra um projeto ousado, que levará a Quantic Dream ao limite da tecnologia, e promete ser um marco nos jogos de Star Wars e para o estúdio.

Ainda em desenvolvimento, o jogo não tem data de lançamento anunciada. No entanto, está previsto para sair em 2027 ou além.

Sucesso da companhia X denúncias por abuso profissional

Em meio ao sucesso da companhia e lançamentos cada vez mais ousados e chamativos, a Quantic Dream enfrentou polêmicas no ano de 2018.

Uma investigação colaborativa entre os jornais franceses Le Monde, Canard PC e Mediapart revelou que a desenvolvedora praticou diversos abusos com seus funcionários.

Relatos de funcionários e ex-funcionários revelaram um ambiente extremamente hostil para se trabalhar. Estas denúncias envolviam jornadas de trabalho abusivas, que chegavam a valores absurdos como 15 a 35 horas extras de trabalho semanal, assim como comportamentos tóxicos.

Informantes revelaram que falas machistas e homofóbicas eram comuns. Outros dizem que imagens editadas com rostos de funcionários e funcionárias em cenas nazistas e pornográficas circulam pela empresa, sem nenhuma atitude da Quantic Dream para evitar tais atitudes.

Tais acusações levaram a desenvolvedora à júri. Em 2019 ela foi condenada  a pagar indenizações a um ex-funcionário por ter atuado de forma passiva frente à disseminação das fotos degradantes.

Contudo, a Quantic Dream entrou com processos contra os jornais denunciantes por calúnia. Ela venceu contra o Le Monde e o Canard PC, que perderam por não revelarem a identidade de seus informantes.

Já contra a Mediapart o sucesso foi parcial. O júri considerou que a maioria das alegações possuía base fiel e factual, apesar da não informação de nomes.

Quem são os fundadores da Quantic Dream?

David De Gruttola nasceu em 9 de junho de 1969 na cidade de Mulhouse, França. Conhecido como David Cage, ele é o fundador da Quantic Dream e atual CEO e presidente da empresa.

Antes disso, ele já atuava como musicista e compositor, especialmente em projetos para jogos de videogame, filmes e TV. Isto garantiu à ele inserção na indústria e muitos contatos que vieram a ser úteis na criação da Quantic Dream e lançamento de seus primeiros jogos.

Entre seus projetos antes da desenvolvedora se destacam a criação de trilha sonora original para os jogos Super Dany (1994), Cheese Cat-Astrophe Starring Speedy Gonzales (1995), Timecop (1995) e Hardline (1996). A trilha sonora de Detroit: Become Human também teve sua participação.

David Cage conquistou muito reconhecimento pelo seu trabalho ao longo dos anos. Ele já coleciona mais de 50 prêmios, tanto pelo trabalho nos jogos quanto para o cinema.

Fora do meio, ele foi condecorado cavaleiro em duas ocasiões pela coroa francesa. Uma como Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres (Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras) e outra com Chevalier de la Légion d’Honneur (Cabaleiro da Legião Honrosa).

Em 2018 David Cage, junto da Quantic Dream, foi acusado de condutas tóxicas, anti-profissionais, misóginas e homofóbicas por funcionário e ex-funcionários da desenvolvedora.

Acusado de falas machistas e ofensivas para a comunidade LGBTQIA+, ele negou todas as acusações. Cage foi absolvido das acusações após julgamento, sendo defendido inclusive por grupos LGBTQIA+ de funcionários em atividade na Quantic Dream naquele ano.

Quem são os atuais donos da Quantic Dream?

Fundada por David Cage em 1997, hoje a Quantic Dream pertence à chinesa NetEase. A oficialização da compra foi feita em 2022, após um aporte financeiro para adquirir parte minoritária da desenvolvedora em 2019.

Hoje em dia David Cage é o CEO da empresa, e assim, ele coordena junto de outros nomes como Guillaume de Fondaumière, atual co-CEO e Head of Publishing, Sophie Buhl como Production Director e Jean-Charles Perrier como CTO.

Já a sede de Montreal, Canadá, fica sob responsabilidade de Charles Coutier, Studio Director.

O que a Quantic Dream oferece?

A Quantic Dream é uma desenvolvedora de jogos de videogame com base em Paris, França, que desenvolve jogos com foco em narrativa interativa e experiência cinematográfica.

Hoje, sob tutela da NetEase, ela atua como estúdio e publisher, lançando jogos e ajudando desenvolvedoras menores a realizar seus projetos.

Os jogos desenvolvidos e publicados pela empresa, assim como participações em filmes, nos seus 25 anos de histórias são os seguintes:

• Primeiramente, Omikron: The Nomad Soul (1999, publicado pela Eidos Interactive)
• Immortal (2004, filme)
• Fahrenheit: Indigo Prophecy (2005, publicado pela Atari e Aspyr)
• Heavy Rain: The Casting (2006; tech demo)
• Heavy Rain (2010, publicado pela Sony)
• Heavy Rain: Chronicle One – The Taxidermist (2010, publicado pela Sony; DLC)
• Kara (2012; tech demo)
• The Dark Sorcerer (2013; tech demo)
• Beyond: Two Souls (2013, publicado pela Sony)
• Detroit: Become Human (2018, publicado pela Sony)
• Sea of Solitude: Director’s Cut (2021, como publisher da Jo-Mei Games)
• Dustborn (ainda não lançado, como publisher da Red Thread Games)
• Under the Waves (ainda não lançado, como publisher da Parallel Studio)
• Por fim, Star Wars: Eclipse (ainda não lançado, publicado pela Lucasfilm Games)