Um golpista jovem e aparentemente inexperiente tenta dar um golpe manjado em uma pequena loja de conveniência e acaba sendo pego. Para sua sorte, ele é salvo por um golpista bem mais experiente. Os dois então começam a trabalhar juntos em pequenos golpes pelas ruas de Buenos Aires, na Argentina. Até que uma oportunidade imperdível surge. Algo que lhes dará muito dinheiro e os dois tem que fazer de tudo para agarrar essa chance. Esse é a premissa básica de Nove Rainhas.
Marcos (Ricardo Darín) é um veterano golpista, que não tem escrúpulos e só pensa em aproveitar cada oportunidade que tiver para ganhar dinheiro. Já o novato Juan (Gastón Pauls) só está nas ruas para tentar juntar dinheiro para tirar seu pai (também golpista) da cadeia. Pelo menos é isso que o roteiro de Fabián Bielinsky nos faz acreditar durante todo o filme. O acaso os colocam juntos e por sorte eles trombam com uma oportunidade única.
Vender um conjunto valiosíssimo de selos (as “nove rainhas”) para um empresário corrupto que está fugindo do país. Os selos são uma falsificação perfeita e o empresário não terá muitas chances de checar a autenticidade dos selos antes de deixar o país, na manhã seguinte. Por isso, Marcos e Juan têm apenas um dia para aproveitar essa oportunidade única.
É claro que como em todo bom filme, as coisas nãos serão tão fáceis quanto parecem e diversos obstáculos aparecerão no caminho da dupla, que buscará fechar desesperadamente o negócio antes que a oportunidade seja perdida para sempre. No final da história, é o público que ficará surpreendido com as diversas reviravoltas da história, que tornaram Nove Rainhas um clássico do cinema argentino e latino-americano.
Nove Rainhas: O filme que deu início a carreira internacional de Ricardo Darín
Se hoje Ricardo Darín é o principal nome do cinema argentino, isso se deve muito ao sucesso de Nove Rainhas. O filme atraiu mais de 1 milhão e meio de argentinos para os cinemas, se tornando o filme argentino mais visto do ano 2000. Aliás, em seu país de origem, Nove Rainhas foi o terceiro filme mais visto daquele ano, só perdendo para dois blockbusters norte-americanos (Dinossauro e Missão: Impossível 2). Esse enorme sucesso comercial fez com que o filme fosse também lançado em outros países.
Além disso, a chegada de Nove Rainhas ao mercado norte-americano fez com que a obra fosse elogiada por gente importante, como o crítico de cinema Roger Ebert e o cineasta David Mamet. No ano seguinte, Darín protagonizaria outro sucesso, O Filho da Noiva. Agora, além de sucesso de público e de elogios de gente importante, o filme conseguiria uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
A produção acabaria não levando a estatueta para casa, mas ajudaria a consolidar Ricardo Darín como o nome e o rosto mais reconhecidos do cinema argentino. O sucesso internacional de Nove Rainhas também faria da Argentina o principal polo do cinema sul-americano nesse século. Prova disso, é que desde 2000, o país recebeu quatro indicações ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, vencendo em uma ocasião
Darín esta no elenco de todos os quatro filmes indicados e protagoniza três deles, incluindo O Segredo de Seus Olhos (2008), que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2009. Só em Relatos Selvagens, ele não pode ser considerado “protagonista”, já que a produção é uma antologia e por isso conta com diversas histórias reunidas em um único filme. Não possuindo, assim, um “protagonista”, no sentido literal da palavra.
A Argentina encontrou em Darin uma espécie de embaixador. Basta ele estar em um filme para que a obra seja assistida fora da Argentina. Dessa forma, o país consegue exportar seu cinema e também colecionar indicações em premiações importantes. Tudo isso, começou com Nove Rainhas.
Um diretor estreante, um roteiro brilhante e um elenco afinado
O mais incrível do sucesso de Nove Rainha é que Fabián Bielinsky, que dirigiu o filme, nunca havia dirigido um longa-metragem antes. A produção era sua estreia no cinema como diretor. Bielinsky já trabalhava com cinema desde 1983, mas exercendo outras funções, como assistente de direção, por exemplo. Nove Rainhas foi a primeira vez em que ele esteve encarregado de um filme, exercendo a função de diretor.
Além disso, o roteiro de Nove Rainhas também foi totalmente escrito por Bielinsky. E é esse roteiro uma das maiores forças do filme. Criativo, bem escrito, cheio de reviravoltas e sem pontas soltas, o roteiro de Nove Rainhas é uma verdadeira obra-prima. Mas é sempre bom lembrar que mesmo um bom roteiro pode se tornar um filme ruim, se não foi bem executado. E é aqui que está outro bom forte de Nove Rainhas, Bielinsky também faz um ótimo trabalho de direção.
Ademais, o filme conta com ótimas atuações de seu elenco, principalmente, de seu trio principal, Ricardo Darín, Gastón Pauls e Leticia Brédice. Os dois primeiros estão presentes da primeira a última cena do filme e praticamente carregam ele nas costas. Isso porque, Nove Rainhas depende bastante da atuação desses atores que são, inegavelmente, a espinha dorsal da obra. Já que o enredo da obra é literalmente focado nos dois personagens. A química em cena entre Pauls e Darín é incrível, assim como também é incrível a forma com eles abraçam seus personagens.
Pauls com sua cara e atitude de bom moço e Darín, como o cafajeste total. O cara capaz de enganar até a sua própria família se for preciso para ganhar dinheiro. O enredo de Nove Rainhas faz de tudo para reforçar essas características dos personagens, só para depois quebrar nossas expectativas no final do filme.
Outra característica que precisa ser elogiada em Nove Rainhas é a forma como ele usa como pano de fundo não apenas o contexto histórico em que o filme se passa, mas também as características únicas do local em que se passa. Contudo, o mais incrível é que esse pano de fundo é usado de forma sutil e totalmente integrado a história. Isso dá um “gosto peculiar” ao filme. Aquela pitada que só aquele filme tem.
Isso é bem comum em filmes argentinos de sucesso nesses últimos 20 ou 30 anos. Pegue O Segredo de Seus Olhos (2008), por exemplo. Sem o uso do contexto histórico ou mesmo as características únicas do local em que o filme se passa e também as características da população local, o filme perde muito de sua “graça”. É por isso que o remake norte-americano do filme, lançado em 2015, está muito longe de ser tão bom quanto a produção original, mesmo contando com um elenco estelar. Isso porque o remake carece desse “gostinho único”, que só original tem.
Em Nove Rainhas não é diferente. Todo o contexto em que o filme se passa e também o seu final depende totalmente do contexto histórico e econômico do período em que a história se passa. Em 2000, quando Nove Rainhas foi lançado, a Argentina vivia uma grave crise econômica, que causou graves problemas no país.
No final de 2001, a Argentina passou por uma forte crise de liquidez, apelidada de Corralito, em que as pessoas desesperadas tentavam retirar seu dinheiro do banco, mas os bancos não tinham fundos para completar essas retiradas. Assim, o presidente da Argentina, na época, teve que assinar um decreto limitando bastante os saques em dinheiro. A crise levaria a Argentina a ter cinco presidentes da república em menos de 15 dias, entre 21 de dezembro de 2001 e 2 de janeiro de 2002.
Nove Rainhas mostra todo esse contexto e seu final até mesmo antecipa a crise de liquidez de 2001. Aliás, sem todo esse contexto, muito do filme perderia sua lógica. Já que a desvalorização da moeda e a forte crise econômica da época são parte fundamental do enredo da obra. E sem essa questão da crise econômica, o final surpreende do filme que é um dos seus principais pontos fortes sequer existiria.
Outro ponto alto de Nove Rainhas está em seu forte humor negro, presente principalmente no personagem de Ricardo Darín. Cínico incurável, o personagem acredita que pode comprar tudo e a todos. Sem limites, ele não se importa em enganar ninguém, nem mesmo seu irmão mais novo que o idolatra. Esse cinismo do personagem, se reflete fortemente em suas falas que muitas vezes contém tiradas brilhantes de humor negro, representando mais uma das inúmeras qualidades do filme.
Por tudo isso, não é de se surpreender que a obra seja sempre incluída entre os melhores filmes argentinos da história. Aliás, na última lista de 100 melhores filmes argentinos da história elaborada em 2022 por diversas instituições ligadas ao audiovisual daquele país, Nove Rainhas, foi escolhido o décimo melhor filme já produzido na Argentina. No mesmo ano, uma outra lista produzida pela famosa revista espanhola Fotogramas, colocou a obra entre os 20 melhores filmes argentinos da história.
Conclusão
Por tudo isso, Nove Rainhas vale a pena ser assistido. No Brasil, o filme está disponível no Amazon Prime Video, no original em espanhol e também com dublagem em português. Esperamos que você tenha gostado do nosso texto. Tentamos analisar cada aspecto da produção, deixando escapar o mínimo de spoilers possível, já que um dos grandes charmes de Nove Rainhas é o seu final surpreendente. E aí, gostou do nosso texto? Se sim, não se esqueça de deixar um like e um comentário.
