A Dick Clark Productions e a Eldridge Industries anunciaram nessa segunda-feira que adquiriram todos os “bens, direitos e propriedades” sobre o Globo de Ouro e que, a partir de agora, serão responsáveis pela organização, entrega e também venda dos direitos de transmissão da premiação. Com isso, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA) deixará de organizar a premiação como ela vem fazendo desde 1944 quando o Globo de Ouro começou a ser entregue.
Além disso, os valores advindos da transação serão combinados aos valores que a HFPA já possui afim de criar a Golden Globe Foundation, que ficará responsável pela parte de filantropia que também era responsabilidade da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. Como a HFPA era uma organização sem fins lucrativos, ela revertia muitos dos lucros advindos da venda dos direitos de transmissão do Globo de Ouro para projetos que beneficiavam a comunidade envolvida com a indústria do entretenimento. Acredita-se que nos últimos 26 anos, a Associação tenha distribuído mais de 45 milhões de dólares em forma de bolsas de estudo e subsídios para pessoas e instituições de caridade. Além disso, cerca de uma centena de filmes antigos foram restaurados com fundos da HFPA.
Como parte da compra do Globo de Ouro pela Dick Clark Productions e pela Eldridge Industries, a premiação deixará de ser sem fins lucrativos para se tornar com fins lucrativos. Assim, as empresas poderão buscar e aceitar oportunidades que a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood não poderia devido ao fato de ser uma organização sem fins lucrativos. A “venda” do Globo de Ouro foi aprovada pelos membros da HFPA e já vinha sendo discutida desde o ano passado.
Crise e venda pela HFPA
Fundado em 1944 pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, o Globo de Ouro foi concebido afim de, na esteira do Oscar, reconhecer os melhores trabalhos cinematográficos produzidos no ano anterior a sua entrega. A partir de 1956, ele começou também a premiar produções televisivas. Apesar de ter nascido para “competir” (e “imitar”) o Oscar, as duas premiações sempre tiveram diferenças importantes.
A primeira delas vem justamente do fato de o Globo de Ouro premiar tanto produções televisivas quanto cinematográficas, enquanto o Oscar premia apenas produções cinematográficas. A segunda delas, está no fato de que o Globo de Ouro não premia categorias técnicas, como Fotografia, Edição, Efeitos Visuais, etc. Se concentrando apenas nas “categorias principais”, como Melhor Filme, Ator, Atriz etc. Além disso, as categorias são divididas entre filmes de drama e comédia (como, aliás, já foi no Oscar em seu início). Assim, a premiação entrega uma estatueta para o Melhor Filme de Comédia (ou Musical) e uma para o Melhor Filme de Drama, por exemplo. E assim é em todas as categorias, tanto para cinema, quanto para televisão.
Uma terceira e importante diferença entre as duas premiações é que o Oscar sempre foi um prêmio muito mais “sério” que o Globo de Ouro. Tanto na questão cerimonial quanto na questão de “reputação” do prêmio em si. Enquanto o Oscar é entregue em uma cerimônia pomposa, cheia de requinte e protocolos, o Globo de Ouro sempre foi entregue em uma espécie de “coquetel” em que os convidados (atores, atrizes, diretores, etc.) ficavam sentados em mesas, na maioria das vezes bebendo e comendo, em um ambiente muito mais descontraído. Além disso, ganhar um Oscar sempre foi muito mais difícil do que ganhar um Globo de Ouro.
Isso sem mencionar a importância para a carreira de quem ganha um Oscar. É um sonho para quase todo profissional de Hollywood e um evento histórico na carreira de qualquer um. Ganhar um Globo de Ouro é importante, mas geralmente, não é um evento que vai mudar para sempre a carreira de alguém. Existem atores com diversos Globos de Ouro, por exemplo, que nunca sequer chegaram perto de ganhar um Oscar. Isso porque, o Globo de Ouro sempre foi mais “popular”. Isso pode ser explicado pelo fato dos vencedores do Globo de Ouro serem escolhidos por jornalistas, membros da HFPA, enquanto os vencedores do Oscar são escolhidos por profissionais do cinema, membros da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood (AMPAS).
A partir de 2021, no entanto, o Globo de Ouro vem passando por uma crise. Desde que uma reportagem do Los Angeles Times revelou que a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood não possuía nenhum membro negro no seu corpo de jurados, além de revelar outros detalhes controversos sobre como os premiados eram escolhidos. Devido à polêmica gerada pela reportagem, a HFPA prometeu reformar tanto suas regras quanto seu corpo de jurados para melhorar sua diversidade. Em meio ao boicote por parte de instituições, patrocinadores e artistas e também na esteira da pandemia de COVID-19, a cerimônia de 2022 acabou não sendo televisionada. Algo que não acontecida desde 1979.
Em 2023, a cerimônia foi transmitida nos Estados Unidos pela NBC, mas o contrato de transmissão era apenas para esse ano e no ano que vem a cerimônia ainda não tem transmissão garantida. Ainda em 2022, Todd Boehly, que assumiu como CEO interino da HFPA, começou a negociação para que o Globo de Ouro fosse adquirido por sua própria empresa, a Eldridge Industries, em conjunto com a Dick Clark Productions, que pertence à própria Eldridge em parceria com a Penske Media Corporation.
Futuro do Globo de Ouro e da HFPA
A Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA) foi fundada em 1943 por jornalistas estrangeiros que buscavam formas melhores de se organizar afim de melhor distribuir as notícias de Hollywood para seus países de origem. A HFPA veio na esteira de vários “clubes” de jornalistas estrangeiros que já existiam na época e buscou unificar todos eles em apenas uma organização maior e mais forte.
Além do Globo de Ouro, a Associação também era responsável por diversos projetos filantrópicos e que, como já falamos acima, distribuiu milhões de dólares para projetos de caridade e também em forma de bolsas de estudos, subsídios, restauração de filmes, etc. Atualmente, a HFPA possui 95 membros de 55 países diferentes. Agora, com a venda do Globo de Ouro e as funções filantrópicas da Associação sendo passadas para a Golden Globe Foundation, não se sabe exatamente qual será o futuro da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood.
O que já se sabe, contudo, é que diversos membros da HFPA, incluindo a sua atual presidente, Helen Hoehne, farão parte da nova instituição que gerenciará o Globo de Ouro. Contudo, ainda não foi divulgado oficialmente qual será o futuro da Associação e qual será seu papel, agora que ela não será mais responsável pela organização e entrega do Globo de Ouro e nem por projetos de filantropia. Dessa forma, é bem provável que a HFPA deixe mesmo de existir.
Também não está claro qual será o futuro do Globo de Ouro, quem formará o corpo de jurados que irá escolher os indicados e vencedores do prêmio, como será o formato da cerimônia de entrega, se as categorias e regras serão mantidas iguais ou serão modificadas. Pelo menos para o ano que vem, aparentemente nada mudará. No início do ano, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood já havia anunciado que o corpo de jurados que escolherá os indicados e vencedores do Globo de Ouro de 2024 será formado por 310 jornalistas do mundo todo, incluindo os 95 membros da HFPA e mais 215 jornalistas convidados. Essa dinâmica será mantida, assim como também será mantida a data de entrega do prêmio do ano que vem, que está marcada para 7 de janeiro. A partir do ciclo 2024/2025 não se sabe como essa escolha será feita.
Agora, os novos “donos” do Globo de Ouro vão em busca de alguma emissora interessada em transmitir a cerimônia do ano que vem. Além disso, eles também terão que tornar a cerimônia um produto interessante para o público, já que a transmissão da premiação desse ano atraiu apenas 6,3 milhões de espectadores nos Estados Unidos, a pior audiência de toda a sua história. Capacidade e conhecimento para isso, eles têm. A Dick Clark Productions (DCP), é uma das maiores empresas do setor de cerimônias de entrega de prêmios dos Estados Unidos, além do Globo de Ouro, a empresa também é responsável pela entrega de diversas outras premiações importantes, incluindo, o Academy of Country Music Awards, o American Music Awards e o Billboard Music Awards.
Além disso, a DCP é propriedade da Eldridge Industries e da Penske Media Corporation, duas gigantes do setor de mídia e entretenimento nos Estados Unidos. Só para se ter uma ideia, as duas empresas juntas são responsáveis por alguns dos maiores veículos da indústria do entretenimento norte-americano. A Eldridge é responsável pela publicação da tradicional revista de entretenimento The Hollywood Reporter, uma das maiores fontes de notícias sobre entretenimento do mundo. Já a Penske Media Corporation, publica a Rolling Stones (a mais famosa revista sobre música do mundo), a Deadline Hollywood, a IndieWire e a Variety, essas três últimas também são dedicadas a notícias sobre entretenimento e são concorrentes diretos da Hollywood Reporter. A Variety, inclusive, tem quase 120 anos de história e é uma das pioneiras e mais respeitadas revistas da indústria do entretenimento.
Por tudo isso, podemos dizer que essas empresas juntos tem recursos e “poder de fogo” para “salvar” o Globo de Ouro e levá-lo a um novo patamar. Tudo vai depender do que os novos “donos” da premiação tem em mente. E se conseguirão manter a lisura e a reputação do prêmio ou se o transformarão em um produto simplesmente comercial e “para vender”.