Um estranho pistoleiro chega a uma pequena cidade dominada por dois grupos criminosos rivais. Assim começa Por um Punhado de Dólares (1964) e é assim também que somos apresentados a um dos personagens mais icônicos da história do cinema mundial, o “Homem Sem Nome”. Obra seminal do chamado “spaghetti western”, Por um Punhado de Dólares traz diversos elementos que depois se tornariam lugar-comum em outras produções do gênero faroeste.
Além disso, o filme também é responsável por reavivar e refrescar um gênero que vivia uma momento de baixa popularidade. Sem falar que Por um Punhado de Dólares, foi responsável também por tornar conhecidos pelo menos três grandes nomes do cinema: Clint Eastwood, Sergio Leone e Ennio Morricone. É por tudo isso, que hoje dedicaremos esse espaço a fazer uma análise completa dessa obra vital do cinema mundial.
Por um Punhado de Dólares – Um remake produzido sem autorização
Apesar de, atualmente, ser considerado um dos maiores clássicos do cinema mundial, Por um Punhado de Dólares é na verdade um remake não autorizado de Yojimbo, o Guarda-Costas (1961), filme de samurai dirigido pelo grande cineasta japonês Akira Kurosawa. No filme japonês, um rōnin (um samurai sem mestre) chega a uma pequena cidade cujo controle é disputado por dois chefões do crime. Vendo o talento do recém-chegado, ambos querem contratá-lo como guarda-costas.
Já em Por um Punhado de Dólares, um misterioso pistoleiro chega a uma pequena cidade na divisa entre o México e os Estados Unidos. O local é palco de uma disputa entre um grupo criminoso liderado por três irmãos, chamados de Los Rojos, e um outro grupo, também criminoso, liderado pela família do xerife da cidade, chamado de Os Baxters. O pistoleiro logo mostra sua habilidade com uma arma na mão e seus serviços passam a ser disputados pelos dois lados. Ele acaba por receber dinheiro das duas facções, jogando sempre uma contra a outra.
Existem diversas versões sobre como Sergio Leone entrou em contato com o filme de Kurosawa e porque decidiu fazer um remake dele. O cineasta Tonino Valerii, por exemplo, alega que ele e o diretor Stelvio Massi encontraram Leone do lado de fora de uma sessão de Yojimbo, e ele próprio sugeriu a Leone que o filme japonês daria um bom faroeste. Já o escritor e jornalista Adriano Bolzoni, alega que foi ele quem teve a ideia de transformar Yojimbo em um faroeste. E ele próprio, ao lado de Duccio Tessari, teriam escrito o primeiro rascunho do roteiro de Por um Punhado de Dólares.
A verdade, nunca saberemos. Devido a confusão de versões, a autoria do roteiro de Por um Punhado de Dólares também é confusa. Além de Bolzoni e Tessari, Fernando di Leo também alega ter escrito o primeiro rascunho do roteiro do filme. Oficialmente, além do próprio Sergio Leone, mais sete pessoas são creditadas como autores do roteiro de Por um Punhado de Dólares.
Além disso, nos documentos da produção foram adicionados os nomes de roteiristas alemãs e espanhóis. No entanto, como Por um Punhado de Dólares era uma co-produção entre Itália, Alemanha e Espanha, essa adição desses nomes provavelmente foi feita para conseguir mais dinheiro de empresas espanholas e alemãs e, dessa forma, aumentar o orçamento do filme.
Por um Punhado de Dólares – Um elenco europeu liderado por um ator desconhecido
Devido ao fato de ser uma co-produção internacional, Por um Punhado de Dólares é estrelado por um elenco integrado por atores e atrizes de pelo menos cinco países diferentes. Intérpretes da Áustria, Alemanha, Espanha e Itália compõe a maioria do elenco, sendo que o único ator norte-americano no elenco do filme é justamente seu protagonista, Clint Eastwood.
Na época que aceitou o papel, Eastwood estava longe de ser famoso nos Estados Unidos e era um ator do “time B” de Hollywood, sendo que seu maior sucesso até então havia sido na série televisiva de faroeste Rawhide (1959-1965), onde ele interpretava um dos mocinhos. Aliás, foi o fato de ainda não ser famoso, que possibilitou a Eastwood protagonizar Por um Punhado de Dólares. Já que ele era financeiramente “acessível” na época.
Isso porque, a princípio, Sergio Leone queria que o consagrado ator Henry Fonda, protagonizasse Por um Punhado de Dólares. No entanto, a produção do filme não tinha orçamento para bancar o cachê do ator que na época já era mundialmente conhecido. Leone então foi atrás de Charles Bronson, que não quis o papel por achar o roteiro de Por um Punhado de Dólares ruim. Além de Bronson, Henry Silva, Rory Calhoun, Tony Russel, Steve Reeves, Ty Hardin e James Coburn também rejeitaram o papel. No caso de Coburn, mesmo que ele tivesse aceitado, a produção também não tinha orçamento para bancar seu cachê.
Sem muitas opções, Leone se voltou para Richard Harrison, um ator norte-americano vivendo na Itália e que havia atuado no faroeste hispano-italiano Duelo no Texas, que havia tido sua trilha sonora composta justamente por Ennio Morricone. A primeira trilha sonora que o compositor havia escrito para um filme faroeste. Harrison, no entanto, não havia gostado muito de sua participação em Duelo no Texas e, por isso, não estava muito afim de atuar em outro faroeste.
Leone, então, apresentou a ele uma lista com nomes de atores norte-americanos, cujo salário a produção do filme podia pagar. Foi então que Harrison sugeriu o nome de Clint Eastwood que ele sabia que tinha condições de interpretar de forma convincente um cowboy. Anos depois, Harrison diria que sua maior contribuição ao cinema mundial havia sido justamente a de ter recusado o papel em Por um Punhado de Dólares e ter sugerido o nome de Eastwood para protagonizar o filme.
Já Clint Eastwood diria anos depois que aceitou o papel no filme, porque estava cansado de interpretar um herói convencional em Rawhide, daqueles “que beijam senhoras e cachorros e é gentil com todo mundo” e decidiu que era hora de finalmente interpretar um anti-herói. Eastwood recebeu apenas 15 mil dólares por seu trabalho no filme.
O ator também ajudou a compor o personagem, comprando ele próprio diversas peças de roupa que o “Homem Sem Nome” utilizaria durante o filme. O ator também decidiu que o personagem deveria fumar, apesar de ele próprio não ser fumante. Isso porque, ele achava que isso ajudaria a compor a “persona” misteriosa e durona do personagem. Além disso, o gosto ruim do cigarro em sua boca, o ajudava a “entrar no personagem” com mais facilidade.
Com isso, Clint Eastwood acabou por se tornar o ator perfeito para interpretar o pistoleiro egoísta e durão que, aparentemente, só pensa em si próprio, mas que arrisca tudo para fazer o que ele acredita ser o certo. Criando assim, um dos anti-heróis mais clássicos da história do cinema mundial. Sobre o personagem, Sergio Leone certa vez comentou: “Mais do que um ator, eu precisava de uma máscara, e Eastwood, naquela época, só tinha duas expressões: com chapéu e sem chapéu”.
Além de Eastwood, o elenco de Por um Punhado de Dólares conta com diversos atores e atrizes experientes do cinema europeu. O principal vilão do filme, o cruel bandido Ramón Rojo, é interpretado pelo ator italiano Gian Maria Volonté, que atuaria também em Por Uns Dólares a Mais (1965), mas interpretando outro personagem.
A partir os anos 1970, Volonté se tornaria um nome consagrado do cinema italiano, estrelando filmes importantes, como Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (1970), A Classe Operária Vai para o Paraíso (1971), La mort de Mario Ricci (1981) e Aldo Moro – Herói e Vítima da Democracia (1986) e vencendo prêmios de Melhor Ator nos festivais de Cannes e Berlim, além de dois prêmios David di Donatello, o mais importante da indústria cinematográfica italiana.
Ao lado de Gian Maria Volonté, interpretando os outros dois irmãos que lideram os Rojos, estão o veterano ator espanhol Antonio Prieto, que inclusive morreu poucos meses após o lançamento de Por um Punhado de Dólares, e o ator austríaco Sieghardt Rupp. Já o bando dos Baxters é liderado pelo veterano ator alemão Wolfgang Lukschy, que já tinha experiência em Hollywood, pela atriz espanhola Margarita Lozano, que teria uma carreira notável atuando em filmes de Luis Buñuel, Pier Paolo Pasolini, Nanni Moretti, os Irmãos Taviani e Claude Berri, e pelo ator italiano Bruno Carotenuto.
No meio da briga dois dois grupos estão os outros moradores da cidade. O ator espanhol José Calvo interpreta Silvanito, o dono da única estalagem e taverna da cidade, e que também funciona como principal conselheiro e aliado do Homem Sem Nome. Já o veteraníssimo ator austríaco Joseph Egger, interpreta Piripero, o fabricante de caixões da cidade e que acaba se tornando também aliado do Homem Sem Nome. Egger também atuou em Por Uns Dólares a Mais (1965), interpretando outro personagem. O ator já tinha quase 60 anos de carreira quando participou dos filmes de Leone e morreu menos de dois anos depois do lançamento de Por um Punhado de Dólares.
Interpretando Marisol, personagem que tem enorme importância no enredo de Por um Punhado de Dólares por ser quem desencadeia os eventos da parte final do filme, está a atriz alemã Marianne Koch, que aliás, é um dos poucos membros do elenco de Por um Punhado de Dólares que ainda está vivo. Já o esposo de Marisol, Julio, é interpretado pelo ator espanhol Daniel Martín. E o filho de Marisol, Jesus, é interpretado pelo ator mirim espanhol Nino del Arco.
Como era comum na época para produções europeias com elenco internacional, Por um Punhado de Dólares foi rodado sem que o áudio fosse captado. Isso porque, cada ator falava sua própria língua nativa. Dessa forma, era mais fácil simplesmente dublá-los durante a pós-produção. Assim sendo, todos os efeitos sonoros do filme também tinham quer ser incluídos na pós produção do filme.
Aliás, curiosamente, Clint Eastwood não falava italiano e nem o diretor Sergio Leone falava inglês. Dessa forma, foi o ator e dublê Benito Stefanelli que traduzia as conversas entre os dois. Agindo assim, como um intérprete extraoficial do filme. Stefanelli também atuou na obra, interpretando um dos integrantes do bando dos Rojos. O ator, inclusive, tem uma cena de destaque em Por um Punhado de Dólares, em um dos momentos de maior tensão no filme.
Por um Punhado de Dólares – Um filme produzido com pouco dinheiro
Apesar de ter sido um enorme sucesso de bilheteria, Por um Punhado de Dólares foi produzido com um orçamento bastante baixo para os padrões da época. Acredita-se que o filme tenha custado apenas cerca de 200 mil dólares para ser produzido. Uma pechincha em comparação a outros filmes do período.
Por um Punhado de Dólares foi todo filmado em locação na Espanha. A maioria das cenas foi filmada no município de Hoyo de Manzanares, perto de Madrid, a capital espanhola. No entanto, algumas cenas foram rodadas no Parque Natural do Cabo de Gata-Níjar e no Deserto de Tabernas, ambos localizados na província de Almería, no sul da Espanha. As filmagens em locação, o elenco formado quase todo por intérpretes europeus e um protagonista pouco conhecido foram decisivos para que os custos de Por um Punhado de Dólares ficassem dentro de seu pequeno orçamento.
Os arquétipos de Por um Punhado de Dólares
É interessante observar como cada um dos personagens de Por um Punhado de Dólares está alí para representar um arquétipo. Ou seja, um modelo que representa um padrão específico de comportamento e personalidade. Cada personagem tem características únicas que tem importância dentro do enredo do filme. Primeiro, como não poderia deixar de ser começamos pelo Homem Sem Nome, o personagem principal de Por um Punhado de Dólares.
Ele é um modelo perfeito de anti-herói. Alguém com habilidades únicas que poderiam ser usadas para modificar seu entorno. No entanto, seu egoísmo não deixa que ele pense em ninguém mais além dele próprio. Típico de todo anti-herói, ele usa suas habilidades para ganhos próprios, sem se importar, pelo menos aparentemente, com ninguém a sua volta.
Contudo, assim como ocorre com todo anti-herói, ele é obrigado a agir ou é levado a ação. Simplesmente porque não pode deixar de agir, ele finalmente acaba por usar suas habilidades para ajudar o próximo e, dessa forma, acaba modificando a realidade a sua volta, da mesma forma que um herói clássico faria.
Toda a personalidade do Homem Sem Nome é construído em volta disso. Sua personalidade misteriosa. Sua origem desconhecida. Sua falta de objetivo. Ninguém sabe porque ele está ali ou o que quer. Sua falta de consideração com a sua própria vida. Sempre se arriscando, sem se importar com as consequências. Aliás, ele nunca se importa com as consequências de seus atos mesmo que eles afetem a outros. Isso só muda quando essas consequências afetam pessoas inocentes. Seu sarcasmo também típico de muitos anti-herói.
A atitude niilista típica de quem não tem origem, não tem para onde ir, não tem com quem se importar ou qualquer objetivo firme de vida, além de, é claro, ganhar dinheiro com suas habilidades únicas. Dessa forma, ele está sempre jogando, com a sua própria vida e com as dos outros a sua volta. É claro que como quase todo mundo em Por um Punhado de Dólares é “vilão”, já que são bandidos, o público acaba não se importando tanto assim com o que ocorre com a maioria dos outros personagens do filme.
Depois, temos os irmãos Rojo. Cada um dos três representa um arquétipo diferente. O burro, o inteligente e o violento, que lidera pelo medo. Ramón Rojo (Gian Maria Volonté), líder do bando e principal “vilão” de Por um Punhado de Dólares, lidera justamente por sua brutalidade e violência. Já que é, dos três irmãos, o que mais habilidade tem com uma arma na mão e o que tem, aparentemente, menos escrúpulos, ele se torna naturalmente líder do bando.
Ramón está longe de ser burro, mas não é tão calculista e inteligente quanto Don Miguel Rojo (Antonio Prieto), que é também o mais velho e experiente dos irmãos. Don Miguel não tem a mesma habilidade que Ramon com uma arma na mão e nem tão pouco sua propensão para a violência. Por isso, ele é o mais contemporizador e político dos três irmãos. Ele, inclusive, é o que faz mais esforço para manter o Homem Sem Nome ao lado do bando, justamente por entender seu perigo e seu potencial para romper com a dinâmica da pequena cidade.
Por último, temos Esteban Rojo (Sieghardt Rupp), o mais burro e “inútil” dos três irmãos. Esteban está longe de ter a mesma inteligência que Don Miguel e a mesma habilidade com a arma e a mesma frieza e astúcia que Ramón. Por isso, ele funciona como um um espécie de “ponta de lança” e “pau para toda a obra” do grupo. Esteban também compensa sua falta de inteligência e habilidade, sendo o mais traiçoeiro dos três irmãos, o que fica muito claro no final do filme.
Já entre os Baxters também temos arquétipos claros. O Xerife John Baxter (Wolfgang Lukschy) é o líder do grupo, pelo menos aparentemente. Com tudo, nos bastidores, quem é realmente a “cabeça” do grupo é Consuelo Baxter (Margherita Lozano), esposa do xerife. É Consuelo quem realmente é a grande estrategista dos Baxters e exerce grande influência sobre seu marido. Na verdade, é efetivamente ela quem lidera o bando. No entanto, como estamos falando do velho oeste, ela é obrigada a agir nas sombras, já que é mulher. Portanto, sempre tem que exercer liderança por trás de um homem.
Já o filho do casal, Antonio Baxter (Bruno Carotenuto), é praticamente inútil no contexto de Por um Punhado de Dólares. Seu principal papel no filme é ser pivô de um sequestro que resulta em uma troca tensa e que é fundamental para que o Homem Sem Medo muda seu pensamento em relação a seus planos na cidade. É depois dessa troca que ele decide agir e passar a se comportar como um herói clássico, finalmente enfrentando os bandidos.
Apesar de os Rojos serem os bandidos no sentido clássico da palavra e os Baxters serem liderados pela família do xerife da cidade, esses últimos não são mocinhos no sentido clássico, já que eles também praticam atividade criminal, principalmente, contrabando. Portanto, efetivamente estamos falando de um conflito entre dois grupos criminosos. Dessa forma, não temos em Por um Punhado de Dólares um herói clássico, já que o próprio Homem Sem Nome é, como dito antes, um anti-herói que acaba por agir como herói.
Entre os moradores da cidadezinha, temos Silvanito (Pepe Calvo), dono da única estalagem e taverna da cidade, que funciona como uma espécie de conselheiro e braço direito do Homem Sem Nome. Silvanito funciona como se fosse a voz da razão. Funcionando também como se fosse parte da consciência do personagem principal. É como se o próprio Homem Sem Nome fosse a parte audaciosa e irresponsável de sua própria consciência, enquanto Silvanito funciona como se fosse a parte responsável e racional da consciência do próprio personagem.
Já Piripero (Joseph Egger), o único fabricante de caixões da cidade, funciona como alívio cômico do filme. A capacidade de Egger de criar humor até nas situações mais simples faz com que ele acabe sendo responsável por alguns dos poucos momentos em Por um Punhado de Dólares em que o espectador solta algumas risadas. Até mesmo nos momentos finais do filme, com vários mortos na cena, Egger consegue ser responsável por um momento de humor. Além disso, Piripero acaba por ser um importante aliado do Homem Sem Medo, sendo fundamental no momento de maior dificuldade do personagem.
Por fim, temos ainda Marisol (Marianne Koch) e sua família. Os personagens funcionam como catalisadores para a mudança do Homem Sem Nome, já que é a injustiça sofrida por eles que faz com que o personagem resolva agir. Marisol é uma mulher linda e sua beleza atrai Ramón Rojo, que a toma para si e a mantêm em cativeiro, como sua amante. Isso tudo, apesar de ela ser casa e ter um filho. Ramón “convence” Marisol e seu marido a aceitarem a situação ameaçando de morte o filho do casal, o pequeno Jesus.
Ramón, em sua mente cruel, é apaixonada por Marisol e, por isso, é incapaz de perdê-la, fazendo de tudo para recuperá-la quando ela foge ou é sequestrada. Ao descobrir a situação de Marisol, de seu marido e de seu pequeno filho, ele decide agir, alegando que presenciou situação semelhante no passado e, na ocasião, não havia ninguém que pudesse fazer nada para ajudar os injustiçados. Agora, o próprio Homem Sem Nome é capaz de agir para reparar uma injustiça e o faz. Na verdade, no contexto de Por um Punhado de Dólares, pode ser até mesmo que o próprio Homem Sem Nome tenha sido vítima da tal injustiça que ele relata.
A música de Ennio Morricone
Um dos elementos fundamentais de Por um Punhado de Dólares é a trilha sonora composta por Ennio Morricone. Na verdade, a trilha sonora do filme, mudou para sempre a história do faroeste e também do cinema mundial. Por um Punhado de Dólares foi o segundo faroeste para o qual Morricone compôs a trilha sonora, sendo que o primeiro foi Duelo no Texas (1963). Contudo, seria aqui que sua carreira mudaria para sempre.
Sergio Leone considerava a trilha sonora fundamental para qualquer filme. Dessa forma, a princípio ele queria que Morricone compusesse para Por um Punhado de Dólares, um tema que fosse similar a “El Degüello”, que o genial Dimitri Tiomkin compôs para o clássico Onde Começa o Inferno (1959). Morricone concebeu um tema similar, mas utilizou um cantiga de ninar que ele havia composto anteriormente e desenvolveu o tema para Por um Punhado de Dólares a partir dela.
Uma parte da trilha sonora do filme também foi baseada em uma versão da canção “Pastures of Plenty”, arranjada pelo próprio Ennio Morricone e gravada pelo cantor norte-americano Peter Tevis em 1962. A canção foi escolhida depois que Sergio Leone a escutou e a achou perfeita para o filme. Dessa forma, Morricone retirou a parte cantada da canção e a adaptou para a trilha sonora de Por um Punhado de Dólares.
Morricone também compôs uma parte da trilha sonora do filme antes mesmo de assistir as cenas de Por um Punhado de Dólares. Pratica que não é usual, já que na maioria dos casos, o compositor escreve os temas baseados nas cenas já completadas de um filme. No entanto, Sergio Leone queria que a trilha sonora de Por um Punhado de Dólares tivesse grande destaque no filme. Por isso, inclusive, chegou a prolongar algumas cenas simplesmente para permitir que os temas fossem tocados até o final. Segundo Morricone, é por esse motivo, inclusive, que Por um Punhado de Dólares tem um ritmo mais lento que o “normal”.
A trilha sonora de Por um Punhado de Dólares se tornaria praticamente sinônimo de faroeste. Quando qualquer um escuta um tema do filme, já sabe que se trata de uma produção desse gênero cinematográfico. Por isso também, a trilha sonora de Por um Punhado de Dólares foi copiada e recopiada ao longo das últimas décadas. E igualmente por esse motivo, Ennio Morricone se tornou um dos mais importantes e cultuados compositores de toda a história do cinema mundial.
A estética única de Sergio Leone
Um dos aspectos mais importantes de Por um Punhado de Dólares é a estética imposta ao filme pelo diretor Sergio Leone. Aliás, a obra acabou por apresentar ao mundo o estilo de direção de Leone. Muito da estética única do filme sofreu influência direta do cinema de John Ford e também da obra de Akira Kurosawa. Aliás, como dissemos anteriormente, Por um Punhado de Dólares é um remake não autorizado de um filme do famoso diretor japonês.
Em Por um Punhado de Dólares, Leone explora muito do cinema paisagístico de Ford e também do método de direção de Kurosawa. Além disso, o diretor também queria dar ao filme um tom operístico. Por isso, Leone utilizou bastante close-up extremos nos rostos dos atores que funcionam da mesma forma que as árias funcionam nas operas.
Além disso, esses close-ups se parecem bastante com “retratos”, principalmente, devido a iluminação quase renascentista que Leone deu ao filme. O diretor também foi bastante meticuloso nos enquadramentos em cada um desses close-ups, criando o ritmo, a emoção e a comunicação que ele queria em cada uma das cenas do filme.
Por tudo isso, Leone se tornou um dos mais cultuados diretores do cinema mundial. Sendo copiado e referenciado por cineastas do mundo todo. É possível dizer, sem nenhum medo de errar, que o cinema faroeste é um antes de Por um Punhado de Dólares e outro depois do lançamento do filme. É possível dizer também que o filme, e Sergio Leone, mudaram para sempre a história da sétima arte.
Sucesso de público, mas desprezado pela crítica
Além de ter sido produzido com um baixo orçamento, Por um Punhado de Dólares também não conseguiu encontrar um distribuidor de grande porte, já que se tratava de um filme pouco convencional, dirigido por um cineasta desconhecido. Por isso também, a promoção da obra foi extremamente difícil. Apesar disso, Por um Punhado de Dólares conseguiu estrear comercialmente na Itália em 12 de setembro de 1964. Esse era, no entanto, considerado o pior mês para que um filme chegasse aos cinemas daquele país.
No entanto, contando praticamente apenas com a propaganda boca a boca do público, Por um Punhado de Dólares se tornou rapidamente um grande sucesso de bilheteria. A produção arrecadou cerca de 2.7 bilhões de liras italianas, equivalente a mais de 4.3 milhões de dólares, se tornando, na época, o filme italiano de maior bilheteria de toda a história. Por um Punhado de Dólares também vendeu quase 15 milhões de ingressos. Com isso, o filme é até hoje, o terceiro que mais vendeu ingressos em toda a história do cinema italiano, ficando atrás apenas de Guerra e Paz (1956) e Último Tango em Paris (1972).
O sucesso de Por um Punhado de Dólares posteriormente se espalhou por toda a Europa. Na Espanha, o filme vendeu mais de 3.2 milhões de ingressos e na França, os ingressos vendidos passaram de 4.3 milhões. Somente no mercado internacional, excluindo Itália e Estados Unidos, Por um Punhado de Dólares arrecadou mais de 1 milhão de dólares. Além disso, o filme vendeu quase 22.5 milhões de ingressos somente na Europa.
Apesar de todo o sucesso de público na Europa, Por um Punhado de Dólares levou quase três anos para chegar aos Estados Unidos, estreando comercialmente no país apenas em 18 de janeiro de 1967. Isso porque, os distribuidores norte-americanos sabiam que o filme era um remake não autorizado de Yojimbo, o Guarda-Costas e, por isso, temiam que Akira Kurosawa processasse quem distribuísse o filme no país.
O diretor e a Toho, produtora e distribuidora do filme original, realmente processariam os produtores do filme. O processo, inclusive, foi bem-sucedido e, segundo consta, eles receberam 15% das bilheterias do filme. Com isso, Kurosawa ganhou muito mais dinheiro com Por um Punhado de Dólares do que Yojimbo, o Guarda-Costas.
Nos Estados Unidos, o sucesso comercial de Por um Punhado de Dólares se repetiu. O filme arrecadaria 4.5 milhões de dólares somente em 1967. Dois anos depois, em 1969, a produção seria relançada nos Estados Unidos, arrecadando mais 1.2 milhões apenas em “theatrical rentals”, ou seja, a parte da bilheteria de um filme que fica com a distribuidora da obra. Com isso, ao final de sua passagem pelos cinemas norte-americanos, Por um Punhado de Dólares havia arrecadado 14.5 milhões de dólares, totalizando uma bilheteria mundial de quase 20 milhões de dólares, um resultado e tanto para um filme que custou apenas cerca de 200 mil dólares para ser produzido.
O sucesso com o público, no entanto, não se repetiu com a crítica especializada. Na Itália, Por um Punhado de Dólares foi extremamente mal recebido pela crítica. Nos Estados Unidos, alguns críticos foram um pouco mais lenientes com o filme. A famosa revista Variety, por exemplo, disse que a obra tinha “um vigor James Bondiano e uma abordagem irônica que certamente cativaria tanto os sofisticados quanto os espectadores comuns de cinema”.
No entanto, a maioria dos principais críticos norte-americanos também não gostaram de Por um Punhado de Dólares. Bosley Crowther do jornal The New York Times, por exemplo, disse que o filme continha praticamente todos os clichês do faroeste, chamando-o de “flagrantemente sintético”, além de “mórbido e violento”. Crowther também criticou duramente a atuação de Clint Eastwood, chamando-a de “uma fraude mórbida, divertida e exagerada”.
Já Philip French do jornal britânico Observer, criticou a qualidade de Por um Punhado de Dólares, afirmando que “se alguém não soubesse a real procedência do filme, poderia imaginar que era um filme privado feito por um grupo de ricos fãs europeus ocidentais em um rancho”. French completou dizendo que o filme “parece horrível, tem uma trilha sonora monótona e é totalmente desprovido de sentimento humano”.
Com o tempo, no entanto, o status de Por um Punhado de Dólares aumentou grandemente, assim como também cresceu sua influência no cinema mundial. Dessa forma, a obra passou a ser considerada uma das mais importantes da história do faroeste e, consequentemente também, do cinema mundial. Seu sucesso comercial foi responsável por tornar Clint Eastwood um astro e por ligar seu nome definitivamente ao cinema faroeste e de ação. Já o aumento da influência de Por um Punhado de Dólares junto a crítica e ao público, fez com que Sergio Leone e Ennio Morricone se tornassem grandes nomes do cinema mundial.
O legado deixado por Por um Punhado de Dólares
É inegável o legado deixado por Por um Punhado de Dólares. O filme se tornou um ponto de virada no cinema faroeste, trazendo um novo sopro de vida e criatividade para um gênero que já vinha se desgastando há algum tempo. Não a toa, a estética de Por um Punhado de Dólares passou a influenciar fortemente não apenas filmes faroeste, mas também produções de outros gêneros cinematográficos. Diretores, como Quentin Tarantino, por exemplo, beberam diretamente da fonte de Por um Punhado de Dólares, que influenciou diretamente todo o seu cinema.
Como filme fundador do “spaghetti western”, Por um Punhado de Dólares tem ainda mais importância. Já que proporcionou a produção de diversos outros filmes com o mesmo estilo e padrão, o que acabou por fazer com que surgisse um novo subgênero do cinema mundial. Esse novo subgênero consequentemente criou condições para o surgimento de diversos outros nomes importantes do cinema mundial, como Franco Nero, Bud Spencer e Terence Hill, só para citar alguns.
Isso sem falar que, como dito logo no início desse texto, Por um Punhado de Dólares acabou revelando três grandes nomes que tiveram grande importância na sétima arte nas últimas décadas: Clint Eastwood, Sergio Leone e Ennio Morricone. Só esse fato, já poderia colocar o filme entre aqueles que mais contribuíram para o cinema mundial, já que o trabalho desses três teve grande importância e impacto no cinema nas últimas seis décadas. Imagine o mundo sem os filmes de Eastwood e Leone e sem as trilhas sonoras de Morricone e essa importância fica imediatamente clara.
Por tudo isso que foi dito até aqui, é possível dizer que não resta dúvidas da importância de Por um Punhado de Dólares para a sétima arte e também de sua influência positiva para o cinema produzido no mundo todo. Por esse motivo também, esse é um filme fundamental para qualquer um que seja cinéfilo ou ao menos aprecie cinema de qualidade.
Conclusão
Como dito em nosso texto, Por um Punhado de Dólares é um filme fundamental da filmografia mundial e, por isso, vale a pena assistir se você nunca assistiu. Se você gosta de cinema é importante conhecer essa obra fundadora do “spaghetti western”. Esperamos que depois de ler esse texto você não apenas saiba mais sobre Por um Punhado de Dólares, mas também tenha mais vontade assisti-lo. Se você gostou desse texto, deixe seu comentário abaixo. Como sempre, ele é de fundamental importância para nós.