Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

O que parece ser uma invasão domiciliar “comum” à casa de uma jovem solitária em uma pequena cidade dos Estados Unidos, se mostra ser uma invasão alienígena em larga escala. É esse o enredo básico de Ninguém Vai Te Salvar, produção original da plataforma de streaming Hulu, que estreou nos Estados Unidos em 22 de setembro desse ano e que está disponível no Brasil no Star Plus, plataforma de streaming que faz parte do grupo da Walt Disney Company. É importante lembrar que essa é uma produção recém-lançada e que essa análise crítica contém alguns spoilers.

Ninguém Vai (realmente) Te Salvar

Ninguém Vai Te Salvar conta a história de Brynn, uma jovem costureira que após perder sua mãe, vive solitária em uma casa afastada do centro de uma pequena cidade dos Estados Unidos. Brynn vive com uma párea da sociedade e é ignorada ou odiada por todos os moradores da pequena cidade. O motivo de todo esse ódio será explicado ao longo do filme. Para, de alguma forma, lidar com sua existência solitária, Brynn constrói uma réplica perfeita da cidade em que mora e escreve cartas para sua melhor amiga, que ela não vê há muito tempo.

Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Muito além de um simples filme de ficção científica alicerçado em cenas de ação, Ninguém Vai Te Salvar é um filme alicerçado em sua personagem principal. Não que a produção não tenha muitas cenas de ação. Sim, ela tem, mas durante todos os seus 93 minutos, o filme tenta mostrar ao público quem é Brynn e porque ela está na situação em que ela está.

Ninguém Vai Te Salvar é rápido em introduzir o “assunto principal” do filme (a invasão alienígena) ao público. Logo com cerca de 15 minutos de filme, os primeiros seres de outro planeta já começam a dar as caras na obra. Os primeiros 15 minutos da produção são reservados justamente para nos apresentar a Brynn. Nesses poucos minutos, o roteirista e diretor do filme, Brian Duffield, nos mostra um dia na vida da costureira.

Nós vemos ela se arrumar para ir à cidade enviar pelos correios as peças de roupa que ela costurou. Vemos ela escolher com cuidado as peças de roupa que irá vestir. Vemos ela ensaiar uma possível interação com outro ser humano. No caminho até a cidade, vemos Brynn sem sucesso tentar interagir com seu vizinho. Na cidade, ela se desloca praticamente incógnita. No cemitério, visita o túmulo de sua mãe e, praticamente, foge quando chegam outros visitantes. No caminho até seu carro, tem que se esconder do xerife e de sua esposa (depois saberemos o motivo).

Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Já de volta em casa, Brynn cozinha, ouve música e dança sozinha, janta e escreve mais uma carta para sua melhor amiga que ela não vê há anos, coloca uma nova peça recém-chegada pelos correios em sua maquete e então se prepara para dormir. Nesses minutos, já conseguimos perceber que além de solitária, Brynn também não é bem-quista pelos moradores da cidade. Assim, o título do filme faz todo o sentido. Mesmo que Brynn precise, ninguém naquela cidade a salvará ou, nem sequer, a ajudará.

Filme alicerçado em uma só personagem

Assim que Brynn deita na cama, fecha seu livro e apaga as luzes, a ação começa. A jovem costureira é acordada por um barulho em sua casa. Ela se levanta e começa a descer as escadas, até perceber que sua porta da frente está aberta e que “alguém” se encontra em sua cozinha. O problema é que Brynn, e nós também, logo percebemos que o invasor não é uma simples pessoa, mas sim um ser de outro planeta.

Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

A partir daqui, é que Ninguém Vai Te Salvar começa a se mostrar realmente como um filme de ação e ficção científica. Até então, a obra se assemelhava muito mais a um drama. E é esse, um dos aspectos mais interessantes dessa produção, a importância que ela dá a sua personagem principal. Ninguém Vai Te Salvar é um filme literalmente alicerçado em apenas um personagem. Tanto é assim, que seu elenco é exíguo e o único intérprete com mais renome é justamente Kaitlyn Dever, que interpreta Brynn.

Os outros membros do elenco aparecem pouco e em cenas bastante específicas. Dever carrega o filme inteiro nas costas. Aliás, o desempenho da atriz é um dos pontos altos da produção. Em um filme que praticamente não tem diálogos (já que é focado em apenas um personagem que praticamente não interage com outros personagens) e cujos alienígenas (com quem Brynn mais interage) são todos feitos com CGI, as famosas “imagens geradas por computador”, há que se louvar o desempenho de Dever.

Sem falas e contracenando com ninguém, a jovem atriz consegue nos transmitir todo o tipo de pensamento e sentimento apenas no olhar, nos gestos e nas expressões faciais e corporais. Realmente, um grande trabalho. Focar toda uma produção em um único personagem é algo bastante arriscado. Por isso, quando diretores e roteiristas tomam a decisão de fazer filmes assim, eles geralmente escolhem intérpretes experientes para encabeçar o filme. Exemplos emblemáticos disso não faltam. Como o filme Náufrago (2000), por exemplo, que conta com a atuação solitária do multipremiado ator Tom Hanks, durante quase todos os seus 144 minutos de duração.

A invasão alienígena em Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
A invasão alienígena em Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Pode-se dizer com toda a certeza que Kaitlyn Dever, apesar de ter apenas 26 anos de idade, deu conta (com sobras) do recado e foi a escolha correta para viver Brynn. Apesar de não ser ainda multipremiada, a jovem atriz já possui duas indicações ao Globo de Ouro e uma indicação ao Emmy Awards, todas elas por seu trabalho em produções televisivas. Contudo, baseado no que é visto em Ninguém Vai Te Salvar, pode-se dizer que o futuro de Dever é brilhante e não seria surpresa alguma se ela recebesse uma indicação ao Oscar nos próximos anos.

Alienígenas genéricos

Se a força de Ninguém Vai Te Salvar está na construção de sua personagem principal e na atuação de Kaitlyn Dever, sua fraqueza está justamente na sua parte de ficção científica. Os invasores mostrados no filme parecem um apanhado de todos os invasores já mostrados em outros filmes sobre invasões alienígenas. Não há nada de novo ali. Só o puro e velho clichê.

Aliens de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Aliens de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Desde a aparência dos extraterrestre, que é idêntica a aparência de qualquer extraterrestre em qualquer filme mequetrefe de ficção-científica, até a forma como eles se comunicam entre sí, suas naves, a forma como eles “infectam” ou abduzem os humanos. Tudo alí, já foi visto e revisto em outros filmes do gênero.

Se em outros filmes de ficção científica com invasores extraterrestres a originalidade da história se concentra justamente nos alienígenas, com, por exemplo, em filmes como Um Lugar Silencioso (2018). Em Ninguém Vai Te Salvar, o roteirista e diretor Brian Duffield, resolveu concentrar toda a sua originalidade na forma como o roteiro constrói a história de sua personagem principal.

O roteirista e diretor Brian Duffield e atriz Kaitlyn Dever durante as filmagens de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Imagens: Sam Lothridge/20th Century Studios.
O roteirista e diretor Brian Duffield e atriz Kaitlyn Dever durante as filmagens de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Imagens: Sam Lothridge/20th Century Studios.

No final, acuada e sem ter como fugir da cidade, Brynn tem que retornar para sua casa e alí, no lar onde ela cresceu, enfrentar os invasores do jeito que puder. Nesse embate final, fica claro que a invasão é em larga escala e se estende para além das fronteiras da pequena cidade dos Estados Unidos. Brynn luta como pode contra os invasores, mas em certo momento acaba vencida.

É aqui, nesse momento, que o espectador consegue saber de uma vez por todas porque a jovem costureira é tão odiada na cidade em que vive. Resistindo mais uma vez ao domínio alienígena, ela foge, mas é abduzida. Acordando no dia seguinte no meio de uma estrada deserta.

Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

O final do filme é deixado aberto a interpretações e, é claro, também a possíveis continuações. Já que, como virou moda em Hollywood nos dias atuais, todas as produções de sucesso devem necessariamente dar origem a uma “franquia”. A forma que os grandes estúdios encontraram para maximizar qualquer possível ganho financeiro que possam vir a ter com um filme de sucesso. Não nos aprofundaremos muito em analisar o final do filme, porque isso implicaria em revelar ainda mais aspectos do enredo do filme.

A solidão como ponto forte em Ninguém Vai Te Salvar

Outro aspecto interessante de Ninguém Vai Te Salvar é que a solidão da personagem principal é justamente o motivo principal que a leva a ser uma das sobreviventes iniciais da invasão alienígena, já que sua falta de contato com outras pessoas dificulta bastante que os invasores a infectem com seus parasitas.

Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Nesse sentido também, sua falta de ligação emocional com qualquer outro personagem do filme (já que todos com que ela se importava já morreram) é igualmente uma vantagem dela em relação a outras pessoas que são infectadas no decorrer da história. Já que, nesse sentido, ela está lutando por sí mesma e não tem que se preocupar em ajudar ou salvar outras pessoas.

Dessa forma, ninguém vai salvá-la, mas ela também não terá que salvar ninguém. Assim, o filme também brinca com o clichê comum em filmes desse tipo, em que sempre no último instante surge alguém para salvar o personagem principal. Aqui não. Brynn tem que salvar a si mesma, já que está completamente sozinha no mundo. Seus traumas e a forma solitária, e até mesmo deprimente, como Brynn passa seus dias parece, já no final de Ninguém Vai Te Salvar, comover de alguma forma os alienígenas que a abduzem.

Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Tendo aparentemente, um papel importante na conclusão do filme e no destino final que os invasores decidem dar a ela. O que, dessa forma, é algo bastante interessante do roteiro do filme. A cena em que os alienígenas assistem aos momentos da vida da personagem, lembra bastante a cena em que extra-terrerestres assistem a momentos da vida de David, personagem principal de A.I.: Inteligência Artificial (2001), de Steven Spielberg. Em uma referência que, muito provavelmente, é intencional.

Conclusão

De forma geral, pode-se dizer que Ninguém Vai Te Salvar é um bom filme, principalmente se comparado a outras produções de ficção científica lançadas recentemente com a mesma temática de invasão alienígena. Kaitlyn Dever é uma ótima atriz e sua interpretação no filme é estupenda, mostrando que alicerçar a produção inteira em sua personagem foi uma decisão acertada. Igualmente, a decisão de produzir um filme de ficção científica inteiro sem praticamente nenhum diálogo e focado na construção de uma única personagem, rende ótimos frutos, já que é algo pouco usual.

A maquete de sua cidade que a personagem principal de Ninguém Vai Te Salvar (2023) mantêm em sua casa e que é um de seus poucos hobbies. Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
A maquete de sua cidade que a personagem principal de Ninguém Vai Te Salvar (2023) mantêm em sua casa e que é um de seus poucos hobbies. Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Seguramente, são essas escolhas que dão a Ninguém Vai Te Salvar um frescor e uma impressão de originalidade. Assim, a parte dos alienígenas clichês e das cenas de ação, em alguns momentos pouco credíveis, acabam ficando em segundo plano e não atrapalhando a experiência do espectador médio.

Com isso, o roteirista e diretor Brian Duffield prova mais uma vez que é capaz de conceber roteiros originais, atraentes e com plot twists interessantes, como já tinha feito em A Babá, mistura de comédia e filme slasher, lançado pela Netflix em 2017. Ninguém Vai Te Salvar também pode servir de ponto de virada na carreira de Kaitlyn Dever, que prova de uma vez por todas que está mais que pronta para filmes maiores e mais importantes.

Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.
Kaitlyn Dever em cena de Ninguém Vai Te Salvar (2023). Créditos: Hulu e 20th Century Studios.

Se você gosta de ficção científica, ou mesmo de filmes com roteiros que fogem um pouco do convencional, é possível dizer sem muito medo de errar que você não se arrependerá de assistir a Ninguém Vai Te Salvar. E reforçando mais uma vez, o filme está disponível no Star Plus.

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