Falcão e o Soldado Invernal
Capitães Américas por Alex Ross

Não é de hoje que quadrinhos e política se misturam, desde de a concepção dos quadrinhos Pulp já havia viés político em suas veias. A nova série do Disney+, Falcão e o Soldado Invernal segue essa linha, e chega também para abordar algumas feridas abertas da sociedade norte-americana.

Na longa história dos quadrinhos, alguns personagens se prestaram a debater assuntos políticos bem mais que os outros, e o Capitão América com certeza se trata de um deles.

Criado por Joe Simon e Jack Kirby considerado o melhor desenhista de quadrinhos de todos os tempos, teve sua primeira aparição em 1940 em “Captain America Comics #1” publicado pela editora “Timely Comics” que no futuro se tornaria a Marvel Comics.

Estampado na primeira capa de seu quadrinho vemos o Capitão América socando a cara de Adolf Hitler. E logo em sua primeira história ele lutava bravamente contra as forças do Eixo durante a segunda guerra mundial.

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Captain America #01 (1940)
Captain America #01 (1940)

Desde sua primeira aparição podemos notar um viés politizado no personagem, afinal o nome é “Capitão América” diferentemente de outros nomes de heróis como Batman e Homem-Aranha, O escudeiro carregava o nome da nação americana como alter ego. Não poderia ser diferente o personagem foi criado para debater políticas nos quadrinhos mesmo que de forma sutil, afinal o quadrinho do personagem foi criado voltado para o público jovem, crianças e adolescentes dentro de uma guerra tinham um ícone para se inspirar.

Então por várias histórias o personagem passou e foi se tornando como um amalgama de todos os bons valores americanos, tudo que os Estados Unidos tinham de bom foi personificado na persona do Capitão América. Ele era como o famoso “American Dream” ambulante  (sonho americano em tradução livre), lutando pela justiça e igualdade do povo americano.

Como representava o lado bom dos Estados Unidos, as histórias do Capitão América serviam de palco para discussões políticas, mesmo que de forma infantilizadas e como pequeno mote para mover a história, mas estava lá, sempre esteve.

Steve Rogers o estandarte humano, sempre politizado e moralmente certo, o lado bom da América. Como disse anteriormente o personagem sempre debateu as políticas internas americanas, tanto que em meados da década de 70 a Marvel criou uma história onde o Steve Rogers fica completamente e totalmente desiludido e desolado com o governo Americano após descobrir que um nome influente dos EUA era líder de uma organização terrorista, então ele como o ideal estadunidense não se sente representado e nem quer representar o país, então ele deixa o manto de Capitão América e passa a aderir à identidade como “Nômade”. Na época em que saiu essa história os leitores da revista adotaram aquilo como uma crítica ao governo americano e ao então ex-presidente dos EUA Richard Nixon que foi forçado a abdicar do governo após o famoso escândalo de Watergate.

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Origem do Nomade
Origem do Nomade

Com isso os debates políticos de pautas estadunidenses sempre estiveram presente desde então em suas histórias. E quando o personagem foi adaptado para o cinema dentro do Universo Cinematográfico da Marvel o famoso UCM ou MCU em inglês, não poderia ser diferente Steve Rogers sempre esteve à frente de discussões políticas como foi no seu primeiro filme e teve sua tensão Máxima no filme “Guerra Civil” onde mais uma vez o Capitão América mostra sua desilusão com o governo Americano e larga a identidade de Capitão para se tornar um foragido de alta periculosidade pelo governo que uma vez ele era o representante, Steve foi forçado a se esconder e fugir durante 2 anos pelo mundo a fora.

A abordagem na série do Disney+

A trama de “Falcão e o Soldado Invernal”, se passa algum tempo depois dos acontecimentos de “Vingadores Ultimato”, onde o Capitão América volta ao passado decide largar o manto e viver uma vida pacata com seu grande amor, e no presente já velho com o efeito do soro do super soldado vencido, ele encontra Sam Wilson e entrega seu escudo a ele como uma simbólica passagem de manto.

Muitos fãs e espectadores dos filmes da Marvel ficaram se perguntando a razão de Steve Rogers escolher Sam Wilson como seu sucessor ao invés do seu melhor amigo Bucky Barnes. Seria a escolha mais lógica tanto cinematograficamente como adaptando arcos de história em quadrinhos, já que uma das fases mais elogiadas do Capitão América foi quando Steve Rogers morre e Bucky assume o manto. Era o que os fãs mais queriam ver, a redenção de Bucky em forma de Capitão América, seria realmente um arco coeso na narrativa do Soldado Invernal, mas e o Falcão como fica?

Não é de hoje que vemos personagens negros tomarem o lugar de personagens brancos no cinema, sempre teve, e uma grande parcela dos fãs torcem o nariz contra isso, afirmando quererem fidelidade ao material original, mas muitas dessas opiniões são formas de racismo velado.

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O fato de um personagem caucasiano loiro dos olhos azuis virando um personagem negro pode ser muito chocante mesmo nos dias atuais, ainda mais quando esse personagem é o símbolo do ideal americano.

Mesmo nas histórias em quadrinhos Sam Wilson já havia assumido o manto do Capitão do personagem patriota anos antes do Cinema. Mas como quadrinhos tem um nicho especifico o grande público não sabia dessa mudança e pegou muitos espectadores de calças curtas, que jamais queriam que o Sam Wilson assumisse o manto e sim Bucky, só que a forma dos fãs se defenderem é dizer que ele teria que pagar os seus pecados cometidos com a alcunha de Soldado Invernal na forma de Capitão América, pecados esses na qual o personagem se quer tinha culpa já que o pegaram a força, lobotomizaram e injetaram o soro do super soldado a força em Bucky, transformando no assassino perfeito para as mais diversas ocasiões.

Todo país que teve obra de mão-escrava africana tem em suas raízes algum tipo de preconceito embutido. Com os Estados Unidos não é diferente. Os EUA passaram por uma guerra civil bem conturbada, onde a União e os Estados Confederados, sua principal causa foi a longa e controversa escravização do povo negro, os Estados Confederados foram derrotados Abraham Lincoln foi nomeado presidente e a escravidão de mão de obra negra foi extinta. Mas não o racismo.

Em 2017 nos estados unidos teve um levante enorme de suprematistas brancos em Charlotesville que fica no estado de Virginia, que estava do lado dos Estados Confederados na guerra civil americana, o lado que ainda queria a escravatura no país.

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Se em pleno mundo moderno uma cidade quase que por inteira se levanta para dizer e afirmar que os brancos são superiores, é logo de se esperar que que um Capitão América negro vá causar grandes controversas nos EUA.

No seriado da Marvel, Falcão e o Soldado Invernal, o racismo é colocado como um dos problemas a ser combatido no mundo pós o grande estalar de dedos do Titã Louco, parece que a sociedade regrediu de uma certa forma no mundo fantasioso da Marvel que apenas é um reflexo do mundo atual, onde o medo do estrangeiro, do diferente, está mais forte que nunca.

Na trama o próprio personagem do Sam Wilson tem receio de assumir o manto por conta de todos os problemas que ele teria que encarar inclusive o racismo, Sam Wilson que tem uma ótima atuação entregada pelo Anthony Mackie, que devo admitir que este talvez seja o seu melhor trabalho como ator.

Então o governo direciona outro Capitão América que tem até intenções muito boas, porém suas atitudes são bastante questionáveis.

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O outro grande problema do seriado Falcão e o Soldado Invernal cai nos ombros do personagem de Sebastian Stan que também está incrível no papel de Bucky Barnes, o enorme problema dos EUA com os seus soldados que voltam de guerra, e não tem utilidade nenhuma para a sociedade mais, os habitantes os veem como monstros que mataram várias pessoas e muitas pessoas voltam com sérios problemas psicológicos, e essa trama casa perfeitamente com a narrativa do Soldado Invernal.

Bucky Barnes que lutou todas as guerras desde de a segunda guerra mundial não conhece outra casa que não seja o campo de batalha. Fazendo um paralelo com os soldados que são enviados pra guerra contra sua vontade pois seu país está em guerra, e são obrigados a lutar pelo seu país, essa obrigação vem no roteiro como a lobotomia de Bucky, que foi forçado a matar incontáveis pessoas mundo a fora.

E o que acontece com o soldado quando o mundo não está em guerra? Essa é a resposta que Bucky procura, mesmo tendo perdão americano pelos seus incontáveis crimes, os mesmos os assombram de maneira incessantemente incontrolável, não dão descanso ao personagem que traz o consigo os fantasmas das vidas que ele mesmo ceifou, mesmo sem ter culpa alguma.

O personagem é forçado a ir a uma terapia intensa como parte de seu perdão, Bucky muitas vezes questiona sua sanidade que está em pedaços, a jornada de Bucky é muito introspectiva, ele começa a desconfiar de tudo, tem uma paranoia com todas as decisões dele e de seus amigos Steve e Sam, ele não se encaixa no mundo, e o mundo não o quer, não precisa de um soldado perfeito. Então Bucky vai para sua jornada de autodescobrimento e tenta entender o seu lugar no mundo.

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A jornada de Bucky é interna, ele tenta exorcizar seus próprios problemas; já a jornada de Sam é externa e interna do mesmo tempo, mesmo com seus receios de não querer a responsabilidade de assumir o manto, ele tem que assumir para continuar a luta interminável contra o racismo, e ele sabe disso, sabe que ser julgado por ser um negro assumindo o papel de um branco. Mas ele precisa ser a vós que trará voz a quem precisa e ser a junção dos povos e etnias que fazem os EUA serem o país que tem um ideal muito utópico, mas essa utopia pode ser construída através de pequenas ações, e o papel do Capitão América é media-las. Sendo um exemplo de cidadão para os americanos.

As jornadas de ambos personagens se complementam numa sincronia perfeita juntando duas grandes feridas americanas.

Falando assim parece até que “Falcão e o Soldado Invernal” é algo que é super politizado, e não é, ele expõe os problemas americanos logo de cara, mas em nenhum momento isso atrapalha a trama, de jeito nenhum! Isso apenas a engrandece, você como telespectador pode assistir tranquilamente sem querer pensar em política, sua mente não vai cansar, a trama de espionagem e conspiração mantem o ritmo fervente sem deixar a peteca cair de modo algum, as cenas de ação são incríveis, de cair o queixo muito acima da média pra seriados de TV, elas foram pensadas como se fosse feita para um filme blockbuster. Você vai rir e chorar com a trajetória de Sam e Bucky e sua linda amizade.

Você pode apreciar a obra de Falcão e o Soldado Invernal sem precisar focar na politica que é abordada nela, mas é impossível separar a política de sua obra já que a narrativa anda de mãos dadas com ela.  Que venham mais de Capitão América e o Lobo Branco.

Capitães América por Alex Ross

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